Especiais Volta Rápida

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Foto 1042 - Uma imagem simbólica


Naquela época, para aqueles que vivenciaram as entranhas da Fórmula-1, o final daquele GP da Austrália de 1994, na sempre festiva e acolhedora Adelaide, foi um alívio que aquela temporada tenha chegado ao final. Era possível sentir que a carga de um ano tão complicado e traumático trazia um cansaço mental absurdo - se colocando no lugar daqueles que estiveram naqueles dias acompanhando a Fórmula-1 in loco, imagino que a cada final de semana de Grande Prêmio houvesse um questionamento clássico do "O que estou fazendo aqui?". Era um pensamento natural após tantos acontecimentos que trouxeram inúmeros dissabores e também lembranças não tão boas, das quais muitos carregariam as marcas para o resto de suas vidas. 

Olhando hoje, exatos 30 anos, é possível saborear aquele capítulo final em Adelaide onde dois novos contendores ao título de pilotos se preparavam para o último duelo que poderiam levá-los ao olimpo do esporte à motor: o jovem e espetacular Michael Schumacher, o expoente de uma nação que agora tinha por quem reverenciar após anos sendo apenas meros coadjuvantes num esporte onde haviam sido reis num passado bem distante. Do outro lado vinha Damon Hill, o cara que foi alçado de mero segundo piloto a primeiro da Williams após a perda de sua principal referência em Ímola, tornando-se um líder para enfrentar a potência que havia se tornado a Benetton Ford com Michael Schumacher no comando. Era a batalha do novo gênio da categoria vs a persistência daquele que poderia muito ter jogado tudo para o alto e seguido uma vida comum após a passagem de seu pai Graham Hill, que deixara a família numa pior. 

Aquela tarde de 13 de novembro de 1994 assistiu o embate entre estes dois contendores, onde Michael Schumacher liderava fortemente, mas sem nunca deixar de ver em seu retrovisor um esforçado Damon Hill que parecia querer repetir uma brilhante atuação como fizera semanas antes no dilúvio de Suzuka. A 36ª volta o controverso acidente entre os dois, selou a conquista à favor de Michael Schumacher abrindo, assim, o caminho para mais outros seis que viriam pelos próximos dez anos. Para Damon Hill, a coroação viria dois anos depois após uma disputa interna com Jacques Villeneuve.

Campeonato resolvido, mas não a corrida que agora estava entre dois veteranos de guerra: Nigel Mansell procurando a sua readaptação após ser chamado às pressas para ser um nome de peso no lugar de Ayrton Senna e ajudar Damon na cruzada pelo título, estava no encalço do seu antigo companheiro de Ferrari Gerhard Berger, que havia assumido a liderança - então com Mansell - após a parada de boxe de ambos. Reviveram as disputas de um passado recente, mas agora pela honra de vencer a derradeira do campeonato. Berger parecia ter as coisas sob controle quando errou na entrada da curva Stag e Nigel o passou para assumir a liderança e partir para a sua 33ª e derradeira conquista na Fórmula-1. Berger fechou em segundo e Martin Brundle acabou herdando uma improvável terceira após a punição de Stop & Go de Rubens Barrichello (quando este era terceiro) e o acidente de Mika Hakkinen quando, também, ocupava a terceira posição a três voltas do fim. 

A reunião destes três decanos no pódio foi uma bela festa, com Mansell chamando Berger e Brundle no ponto mais alto do pódio e depois "regendo" as entregas dos troféus para seus rivais. Foi um momento memorável e hoje, trinta anos depois, até mesmo emotivo se olharmos com atenção de que foi o fechamento de uma era muito boa para a categoria - ainda que os três tenham ficado por mais algum tempo, com Mansell saindo pelas portas dos fundos após a desastrosa passagem pela Mclaren em 1995; Brundle encerrando sua estadia pela Jordan em 1996; e Berger conseguindo um final mais digno, ao conquistar a vitória no GP da Alemanha de 1997 pela Benetton e fechando o campeonato na quinta colocação.

Apesar daquele final de campeonato ter sido um grande alívio para muitos, não se pode negar que, após trinta anos, o simbolismo de uma geração tão interessante acabou sendo representada por aqueles três que tiveram uma ligação quase que umbilical com os gigantes que habitaram a Fórmula-1 de 1980 até 1994. 

Era uma passagem de bastão até mesmo melancólica para a geração que tomava conta da categoria de forma feroz capitaneada por Michael Schumacher, mas que hoje é carregada de saudosismo. 

Foi uma bela época, sem dúvida.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

GP de São Paulo - Até a chuva veio aplaudir

 

(Foto: F1 - X Twitter)

É chover no molhado dizer que Interlagos é um lugar especial, e isso sabemos muito bem. Mas é quase impossível não falarmos isso em alguns momentos, justamente quando este palco recebe grandes eventos e acaba se transformando em lugar um mágico e ativa imediatamente o melhor que temos de lembrança. Este final de semana foi exatamente assim. 

O ronco do Honda RA100E V10 acoplado no já mítico Mclaren MP4/5B chassi de #7, o mesmo do famoso acidente na primeira curva em Suzuka com Alain Prost 1990, começou a ecoar no autódromo ainda no meio da semana da 21ª etapa do Mundial de Fórmula 1 e isso passou a aguçar instantaneamente a curiosidade em ver aquela jóia de 34 anos desfilando pelo autódromo paulistano em poucos dias. 

Ainda que a famosa - e violenta - chuva paulistana, que tem batido ponto nas tardes do GP nos últimos anos ter aparecido, ela amansou para a manhã de domingo e aquelas voltas que deveriam ter sido feitas na tarde do sábado, acontecera à partir das 10:15 do horário de Brasília para um dos belos momentos dos últimos anos. Lewis Hamilton foi escalado para tal honra, da qual ele confessou ter sido contactado sobre a possibilidade de conduzir o clássico bólido e no qual não hesitou, saiu lentamente do estande montado para guardar o Mclaren para ganhar a pista de Interlagos. 

Como bem disse algumas pessoas, foi um momento único ao ver o público silenciar para ouvir o lendário Honda V10 ganhar vida e rugir pelos 4.309 metros do Autódromo José Carlos Pace 34 anos depois e impressionar a turma que não teve a oportunidade de sentir e ouvir um dos monstros da era dos V10, e também resgatar a memória daqueles que tiveram a chance de curtir para decibel daquela era fantástica da qual tivemos uma salada muito gostosa de V8, V10, V12 e até mesmo W12 (olá, Life). O spray d'água levantando pelo Mclaren só aumentou a sensação de êxtase e isso intensificou quando foi aos alto falantes do autódromo a lendária narração do GP do Brasil de 1991, feita de forma magistral por Galvão Bueno.

Perto de encerrar as suas voltas, Lewis recebeu a bandeira brasileira antes de chegar no topo da Curva do Café e desfilou pela última vez fazendo com que o tema da vitória se entremeasse com os gritos de "SENNA, SENNA" e aumentasse ainda mais a nostalgia. 

Sem dúvida alguma, de todas a homenagens feitas desde 2004, quando Bruno Senna desfilou com a Lotus 98T na mesma Interlagos, momentos antes do GP daquele ano, esta foi de longe a mais emotiva. 

Que volte em outras oportunidades - não apenas para o Ayrton, mas também para Nelson Piquet (que teve em 2011), Emerson Fittipaldi (em 2009) e José Carlos Pace (afinal de contas, em 2025, completará 50 anos da lendária vitória do Moco neste local).


Mais um mega GP

Max Verstappen - O dono da tarde em Interlagos
(Foto: Max Verstappen - X Twitter)

Chuva em Interlagos é sinônimo de caos e dessa vez a coisa bem interessante. A Sprint Race foi uma boa corrida no sábado - vencida por Lando Norris -, mas todo o tempero começou a ser despejado naquela tarde quando a chuva impossibilitou a realização da qualificação e esta foi jogada para a manhã de domingo, com os carros entrando na pista a partir do incomum horário das 7:30.

Com a chuva acontecendo nesta prática, mas com menos intensidade, ela não deixou fazer suas vitimas: Alexander Albon, Franco Colapinto, Carlos Sainz, Lance Stroll e Fernando Alonso provaram dos muros de Interlagos e fizeram a qualificação alongar por quase duas horas para vermos Lando Norris marcar a pole e Max Verstappen ser eliminado no Q2, aumentando o suspense de como seria o desfecho da corrida, com a  (grande) chance de Norris sair e Interlagos com uma diferença menor para Max. 

Porém, contar com um piloto do calibre de Max Verstappen no grid e na fase que atravessa, é preciso fazer algo beirando o impossível para conseguir batê-lo. Em poucas volta, o tricampeão já estava entre os dez primeiros e estava cerca de 10 segundos de atraso para um desastrado Lando Norris que, mais uma vez, não soube aproveitar a sua posição de honra para passar quase que toda prova atrás de George Russell, seja disputando a liderança, seja pela quarta posição. Ele terminaria num melancólico sexto lugar, minando de vez a suas já bem remotas chances de, ao menos, empurrar a decisão do mundial mais pra frente. 

Max Verstappen foi o homem da tarde, e nisso não há dúvidas. Sair de uma 17ª posição e escalar bravamente o pelotão para estar na liderança no momento certo quando Franco Colapinto, o garoto de ouro da Argentina, estampou o muro da subida da Junção obrigando a bandeira vermelha, deu a ele a chance definitiva de conseguir trocar os pneus e partir para cima de um igualmente surpreendente Esteban Ocon que, assim como Max e seu companheiro de Alpine, Pierre Gasly, postergaram ao máximo a parada de box, e agora estavam com borracha nova e mantendo as posições para aquela parte final de GP. 

Verstappen não apenas assumiu a liderança com o seu já clássico "dive bomb", mas fez o favor de disparar feito um foguete na liderança e cravar incríveis dezessete voltas mais rápidas consecutivas para abrir quase 20s (para ser mais exato, 19''477s) sobre Ocon. Uma pilotagem digna dos grandes momentos que podemos vivenciar, como a de Ayrton em Donington 1993; Michael Schumacher em Spa 1995 e Barcelona 1996; Lewis em Fuji 2007 e Istanbul 2020 e do próprio Max em Interlagos 2016, quando ele mostrou as suas credenciais de forma mais visceral. E claro, aproveitando para sair de uma seca de 10 GPs sem vitória, sendo a última em Barcelona. 

Agora, para o mundial, basta a ele um segundo lugar em Las Vegas para que possa entrar no clube dos tetra-campeões. 

De resto, a corrida em Interlagos entregou tudo que se pode esperar: passando pela já história barbeiragem de Lance Stroll; o calvário de Lewis Hamilton para salvar um ponto com a Mercedes, num dos piores finais de semana dele na F1; Fernando Alonso com as costas detonadas e levando o Aston Martin até o final em respeito aos mecânicos, que tiveram um trabalho absurdo para recuperarem os carros para a prova; Yuki Tsunoda fazendo a sua melhor corrida até aqui, contando desde uma ótima qualificação (fez o terceiro tempo) e terminou o GP em sétimo e sempre combativo; as duas Alpines conquistando 33 pontos que ajudaram a alavancar a sua ascensão no Mundial de Construtores; Liam Lawson reforçando a cada prova a sua reputação de piloto extremamente barra pesada nas disputas de posições.  

Mais um GP de ótimas lembranças para quem esteve in loco ou apenas assistindo de casa.


As equipes de sinalização e resgate 

A galera do posto 6 em Interlagos, com parte das equipes de sinalização e resgate: um baita trabalho de todos em mais um GP de São Paulo
(Foto: Vanderley Soares)

Impossível não mencionar o trabalho daqueles que chegam super cedo no autódromo para estes três dias - que na verdade começam bem antes, cerca de dois meses antes com todos os treinamentos para que cheguem nos dias do evento para desempenhar o melhor trabalho possivel. 

Corridas com esse tipo de clima requer uma atenção infinitamente redobrada e o deste final de semana não foi diferente, especialmente com o domingo que foi puxado desde a chegada na madrugada, passando pelo resgate, limpeza e recolocação dos locais afetados de forma recorde. Já faz alguns anos que vemos as equipes de resgate serem bem lentas na hora de realizar a remoção do carro, limpeza e também arrumar o local acidentado em vários GPs, mas o desta corrida em São Paulo foi algo que não víamos há algum tempo e isso é louvável. Tendo trabalhado em alguns GPs do Brasil e no GP de São Paulo de 2022, é sempre bom ver essa galera trabalhando firme para manter uma fama de melhor equipe desde os anos 1970, com elogios rasgados por parte da FIA. 

Aqui deixo o meu abraço e agradecimento por mais uma grande jornada de todos, mantendo essa tradição e honrando todos aqueles que ajudaram a construir um pouco desse GP de São Paulo (e claro, do Brasil) desde 1972.