domingo, 27 de março de 2022

GP da Arábia Saudita - Tensões e um ótimo duelo

Max Verstappen venceu a primeira neste 2022
(Foto: Red Bull)

Com certeza existe uma alívio com o término deste GP da Arábia Saudita. O que foi sentido desde a sexta-feira após um míssil atingir as instalações da Aramco a cerca de 12km do circuito de Jeddah, abriu uma discussão antiguissima como a Fórmula-1 tem o poder de se meter em situações complicadas e, sem dúvida alguma, essa foi a mais critica que a categoria enfrentou em sua história. Das outras vezes apenas visitavam - e ainda visitam - locais onde a situação humanitária não é das mais confiáveis, mas sempre fizeram vistas grossas para isso. Dessa vez a categoria pôde sentir que o clima poderia sim atingi-los, já que um míssil que cai a 12km do local poderia muito bem ter um erro de cálculo e acertar algo perto do circuito... ou até no próprio circuito. 

Atitude dos pilotos em buscar um melhor entendimento sobre o que estava acontecendo e também em movimentar um possível boicote foi válido, mas acabou que as coisas ficaram onde estavam quando as autoridades locais garantiram aos dirigentes uma maior segurança para os próximos dias. Com o anúncio do grupo extremista Houthi em cessar os ataques pelos próximos três dias, ajudou bastante em manter o evento, mas há de convir que as discussões sobre os acontecimentos deste GP ainda vão ecoar por um bom tempo e que muitas coisas precisarão ser bem conversadas para que numa próxima visita da categoria a este local seja, pelo menos, decente. 

Sair fora desse GP saudita? É algo bem dificil, uma vez que o patrocinador master da categoria - Aramco - banca a brincadeira por lá. Então, teremos que engolir esse GP e outros problemas que venham ter em "nome do espetáculo". Infelizmente... 


Sustos




Não é novidade de como este circuito de Jeddah é veloz. Ano passado, na tensa batalha entre Max Verstappen e Lewis Hamilton, isso ficou evidente quando os primeiro carros foram à pista para os treinos livres e com a proximidade natural dos muros de concreto é de se esperar que um acidente mais forte aconteça. 

A corrida do ano passado ficou livre disso, mas durante a qualificação foi Mick Schumacher quem escapou forte num dos S rápido e bateu forte a sua Haas e o carro indo parar do outro lado do circuito tamanha foi a pancada. Com a segurança dos carros atuais, Mick saiu apenas tonto e foi ao hospital e por precaução foi recomendado não participar deste GP. Sem dúvida alguma, em outros tempos, este acidente teria causado sérias lesões no jovem alemão - ele havia batido ano passado, mas sem ter sido com essa violência, já que acertou a barreira de pneus. 

O circuito de Jeddah tem um traçado desafiador, mas é claro que a proximidade dos muros aumentam a sensação de que a qualquer momento possa ter um acidente de grandes proporções e isso é uma grande verdade. Por outro lado, a prova de 2021 e deste 2022 não foi de todo mal: ofereceu boas disputas, inclusive na batalha pela vitória nas duas etapas. 

Talvez fosse um traçado para um autódromo, seria um dos melhores do mundo. 


No final, uma boa corrida

A largada do GP da Arábia Saudita

Sim, ainda havia uma clima tenso no ar. Talvez nem tanto pelos problemas externos, mas sim por conta do acidente de Mick Schumacher durante a qualificação. Mas, ainda bem, que não teve nada demais e a prova pôde transcorrer sem maiores sustos. 

A batalha entre Max e Charles foi mais uma vez o ponto alto e assim como fora em Sakhir, ambos trocavam de posições nos dois últimos pontos de DRS: se Verstappen passava por Leclerc no final da reta que antecede a dos boxes, o piloto da Ferrari descontava em seguida. Mas faltando em torno de cinco voltas para o final, o atual campeão do mundo não caiu mais na armadilha - ou segurou seu ímpeto - e tratou de passar Charles na reta dos boxes. Isso lhe dava uma boa vantagem, já que o seu carro era bem melhor de reta do que o Ferrari. Apesar de sua qualificação no Q3, onde os pneus não aqueceram de foma adequada, Max conseguiu uma importante vitória e saiu do incômodo zero que lhe acompanhava desde Sakhir. Porém, tanto ele, quanto a Red Bull, sabem bem do desafio que a Ferrari está trazendo a eles nesse inicio do mundial, especialmente com Charles Leclerc que foi mais uma vez inteligente ao domar o ímpeto de Max até onde pôde. As corridas tendem a ser ainda mais interessantes...

Carlos Sainz e Sergio Perez não tiveram uma boa tarde em Jeddah, apesar de o desempenho nos treinos tenham dado à eles uma pequena esperança: Carlos enfrentou problemas no carro antes da largada e na corrida, a exemplo de Sakhir, não conseguiu acompanhar o ritmo dos ponteiros logo após ter herdado a terceira posição de Perez, que o espremeu quando saía dos boxes. O mexicano teve seu momento de glória no sábado com a obtenção da sua primeira pole e na corrida tudo parecia bem até o acidente de Nicholas Latifi mudar os rumos do GP, com ele aparecendo em terceiro após as paradas de box e, como já dito, tendo que ceder a posição para Sainz pela infração. Foi um final bem frustrante. 

Outro ponto interessante foi a disputa dos pilotos da Alpine, com Fernando Alonso tendo que suar o macacão para passar um ousado Esteban Ocon que dificultou bastante a ultrapassagem. Alonso estava bem na prova até abandonar na volta 35 com problemas mecânicos. Ocon terminou em sexto, garantindo uns bons pontos para a equipe francesa. 

A Mercedes continua com a sua saga de tentar alcançar o forte pelotão formado por Ferrari e Red Bull. George Russell fez sua corrida de modo solitário, sem ter ninguém para incomodá-lo enquanto que Lewis Hamilton, após uma qualificação desastrosa, precisou escalar o pelotão com ultrapassagens e se beneficiando com as paradas daqueles que iam a sua frente até ficar em sexto, logo atrás de George. Mas o erro estratégico da Mercedes, ao chamá-lo para os boxes quando já havia passado pela entrada do pit, determinou o seu destino ao fechar a corrida em décimo. Talvez se tivesse parado no momento do Virtual Safety Car, quando os boxes estavam abertos - Magnussen, que estava logo atrás, fez a sua parada - poderia ter lutado por posições melhores ao final do GP. 

Apesar dos problemas que atrasaram bastante o desenrolar do seu final de semana, Kevin Magnussen esteve mais uma vez em grande forma ao largar em 10º e conseguir ficar entre os dez primeiros em todo certame e até mesmo duelando com Hamilton pela sexta posição. Ao mesmo passo de Kevin, temos Valtteri Bottas que esteve muito bem neste GP desde os treinos tanto que conseguiu uma ótima oitava posição no grid, mostrando mais vez que o Alfa Romeo é bem veloz nestas circunstâncias. Mas na corrida, apesar de ter ficado por bom tempo na casa dos pontos, o seu carro acabou apresentando problemas e ficando pelo caminho assim que parou nos boxes. 

Pierre Gasly e Lando Norris salvaram bons pontos neste GP, se recuperando do mal início que eles tiveram sem Sakhir. No entanto, seus companheiros não tiveram grande sorte: Yuki Tsunoda teve problemas no motor quando estava indo para a formação do grid e nem participou e Daniel Ricciardo teve problemas em seu Mclaren e ficou pelo caminho, em mais um final de semana dificil para o australiano. 

Com um GP tão atribulado como foi este em Jeddah, muita coisa ainda será discutida. Mas ao menos, perto de todos os temores que envolviam essa prova, foi um grande alívio quando tudo terminou.

domingo, 20 de março de 2022

GP do Bahrein - De volta ao jogo

Charles Leclerc vencendo em Sakhir: Ferrari voltando a vencer após dois anos e meio de jejum
(Foto: Ferrari)

Como eu havia escrito no texto passado, levar a sério os testes de pré temporada é sempre um risco muito grande. Nem sempre tudo que parece ser, acaba concretizando. Mas as coisas, pelo menos desta vez, pareceu bem mais reais: de fato a Ferrari tem carro bem competitivo e, talvez, dependendo de como for as próximas duas ou três corridas, podemos cravar que a equipe dos vermelhos tem o melhor carro do grid - mas ainda sim não podem se descuidar da Red Bull, que apesar do grande desaire que se abateu sobre eles nas voltas finais, mostraram um bom ritmo, ainda que pese estarem levemente atrás da equipe italiana. 

Desde a sexta-feira ficava claro que a batalha se daria entre essas duas equipes: a Ferrari não chegou marcar o melhor tempo em nenhuma das três sessões livres, mas estavam sempre com os dois carros entre os três primeiros colocados - e sempre com Charles Leclerc liderando Carlos Sainz - , enquanto que AlphaTauri - através de Pierre Gasly - e Red Bull - com Max Verstappen - faziam as melhores marcas nas práticas. A diferença entre Ferrari e Red Bull não chegava ser tão alta e isso só reforçava a impressão de uma batalha bem acirrada a partir da qualificação. 

A sessão que definiu o grid contou com as duas equipes ponteando as duas primeiras partes, com Leclerc liderando o Q1 e Max o Q2. Um duelo pela pole era certo, mas não podia descartar jamais a presença de Carlos Sainz, que também vinha fazendo um bom trabalho - e o espanhol chegou ter hipóteses de pelo menos beliscar a primeira fila, ficando seis milésimos de Verstappen e conquistando a terceira posição. Charles foi o homem da noite em Sakhir ao fazer 1'30''558 e levar a pole para casa, enquanto que Max chegava a 1'30''681: um diferença de 123 décimos que mostrou um certo equilíbrio. Tínhamos uma corrida para o domingo com alternativas? Bem provável...

A melhor largada de Charles Leclerc minou qualquer chance de Max tentar um ação nas curvas seguintes e o piloto da Ferrari conseguiu domar bem a diferença para o atual campeão do mundo. Mas aquela batalha que tanto era esperado se deu após a parada de box da Ferrari que foi um pouco mais lenta que a feita pela Red Bull em Max, e isso deu ao holandês a oportunidade de atacar Charles quando este acabara de sair dos boxes. O duelo entre eles se deu por três voltas e sempre com troco na curva 4: se Max conseguia uma bela ultrapassagem sobre Charles ao final da reta dos boxes, o monegasco conseguia recuperar três curvas depois e dando aos espectadores uma disputa bem interessante. Quando as Leclerc conseguiu ganhar alguma distância, as coisas voltaram ao normal e nem mesmo após sair do segundo pit-stop as coisas não foram tão ameaçadoras. A quebra de motor de Pierre Gasly, seguido por incêndio no AlphaTauri, obrigou a entrada do SC e este foi um momento tenso para a Ferrari, uma vez que Verstappen tinha acabado de fazer sua parada de box e anulava uma diferença confortável que Leclerc tinha naquele momento - faltando 13 voltas ele estava 27 segundos de avanço sobre Max, que agora tinha pneus macios novos. A parada foi feita e o monegasco conseguiu sustentar sua posição. Uma bela relargada, deixando Max para que Sainz atacasse encaminhou as coisas para Charles, mas o problema hidráulico no Red Bull de Verstappen agravou e ele teve que abandonar - Perez também abandonaria logo em seguida com motor travado quando era terceiro - e a festa da Ferrari, que não vencia desde o GP de Singapura 2019 - conquistada por Sebastian Vettel - acabou vindo com a dobradinha - que também não acontecia desde Singapura. Um inicio promissor para eles. 

Por outro lado, os problemas da Red Bull foram apenas um golpe de azar: estiveram com boas chances de tentar alcançar a Ferrari sempre com o seu valente Max Verstappen, mas sabiam que desafiar os vermelhos não seria nada fácil. O ritmo apresentado sempre por Max é encorajador e são eles que vão batalhar contra a Ferrari neste inicio de ano - mas terão de ficar de olho na durabilidade do motor Honda. A Mercedes, como era de se esperar, não teve fôlego suficiente para alcançar Ferrari e Red Bull - ainda que o ritmo inicial de Lewis Hamilton tenha dado um pequeno indício de que poderiam acompanhar de forma mais próxima, mas o ritmo despencou logo em seguida por conta dos pneus e depois, pelo resto da prova, se estabilizou com as trocas de pneus. Mas pelo que se desenhava desde a sexta, aparentava que teriam muito mais dificuldade e isso começou a esvair já na qualificação com Lewis conseguindo a quinta posição - o máximo que podia - enquanto que George Russel não acertou a sua volta, ficando apenas com a nona posição. A corrida em si, seus pilotos não tiveram grande ameaça e o pódio de Hamilton ficou creditado ao abandono dos dois Red Bull do que pela performance do carro - apesar de Lewis ter feito uma boa corrida dentro daquilo que o W13 lhe oferecia. Mas ainda é um caminho árduo para que os multicampeões voltem ao patamar de sempre. 

Destaques positivos ficam por conta do ótimo retorno de Kevin Magnussen, que qualificou o carro da Haas na sétima posição e ficou entre os dez primeiros por toda a prova e terminando num ótimo quinto lugar, em contraste de seu companheiro Mick Schumacher que não conseguiu avançar na classificação da prova. Valtteri Bottas foi outro que esteve muito bem com a sua Alfa Romeo, marcando a estréia dele na equipe, mas a péssima largada - após uma bela classificação ao ficar em sexto - dificultou bastante o seu andamento ao ter que escalar o pelotão para terminar em sexto. Na mesma esteira de Bottas, a estréia de Guanyu Zhou também foi promissora com uma tocada bem precisa e sem exageros para terminar em 10º e marcar seu primeiro ponto logo na primeira prova. 

Para os demais, apenas o sinal de alerta: os Alpines não impressionaram muito, apesar de terem ficado na zona dos pontos com Esteban Ocon em sétimo e Fernando Alonso em nono; Williams, exceto Alexander Albon, que fez uma boa reestréia, não foi nada demais; Aston Martin não contou com Sebastian Vettel que esteve com Covid e foi substituído por Nico Hulkenberg que conseguiu ficar a frente de Lance Stroll na qualificação, mas na corrida não teve grandes avanços e terminou em 17º, enquanto que Stroll ficou em 12º. A Mclaren que talvez tenha sido a grande decepção dessa abertura, ainda sofrendo com os problemas de freios que atrasaram um pouco o seus testes no Bahrein na semana anterior. Daniel Ricciardo terminou em 14º e Lando Norris em 15º.

O GP da Arábia Saudita, no veloz circuito de rua de Jeddah, é mais uma oportunidade de vermos se o capítulo escrito em Sakhir continuará ou se terá novas nuances para este campeonato que está iniciando. 

quinta-feira, 17 de março de 2022

73º Campeonato Mundial de Fórmula-1: Abrindo uma nova era

(Foto: The Race)

É dificil nos situarmos das coisas após dias de testes em Barcelona e Sakhir. As armadilhas causadas pelos testes sempre nos deixam numa expectativa altíssima de como serão as coisas quando as luzes vermelhas se apagarem. Para esta nova fase da Fórmula-1, com carros tão belos e complexos para que pilotos e equipes consigam achar o ponto certo, a imaginação de que tenhamos provas "caóticas", onde o status quo seja abalado ou até mesmo mudado, nos deixa num êxtase absurdo. E com o passar das horas, isso aumenta ainda mais e quando o primeiro carro romper o silêncio para o primeiro treino livre em Sakhir, talvez as unhas já tenham sido devoradas e nem sobre para a corrida de domingo. 

Mesmo sabendo dessas armadilhas, ainda tentamos adivinhar como serão as coisas: uma Red Bull e Ferrari fortes, demonstrando um bom ritmo e com os carros bem alinhados que podem dar a seus pilotos a chance de abrirem o mundial com reais chances de vitória; a Mercedes não pode ser descartada jamais, mesmo que ainda precise resolver os problemas com o já famoso porpoising, que tem afetado e muitos carros - mas com alguns já resolvendo quase que por inteiro, como é o caso de Red Bull e Ferrari -; a Mclaren que teve um bom início de testes, mas os problemas nos freios atrasaram um pouco o cronograma. 

O meio do pelotão, mais uma vez, promete ter grandes batalhas, mas desta vez, caso o gap seja diminuído para o pelotão dianteiro, as coisas tendem a ser interessantes: Aston Martin apresentou bom pace, dando uma pequena esperança de que os dias para Lance Stroll e Sebastian Vettel sejam bem melhores; ao mesmo nivel, a Alpha Tauri deve figurar por ali assim como tem sido nos últimos anos; e essas equipes podem ter muito tem a companhia da Haas que iniciou o ano da forma mais atribulada possível com a saída de Nikita Mazepin e, consequentemente, do patrocínio da Uralkali para chamar de volta o velho conhecido da casa Kevin Magnussen, que já estava se acertando nos EUA correndo na IMSA e que faria parte do programa Hypercar da Peugeot no WEC. Apesar dos problemas que tiveram nos testes, o carro se mostrou veloz, mas é claro que isso tem de ser visto durante as atividades oficiais. 

Para Alpine, Alfa Romeo e Williams, resta o sinal de alerta. Apesar de terem tido seus brilharecos em alguns dos seis dias de testes, os problemas também se fizeram presentes e isso atrapalhou bastante a evolução destes times. Talvez a Alfa Romeo é quem tenha um motivo para abrir um sorriso amarelo ao menos, já que, aparentemente, em voltas lançadas seu carro aparece ter bom rendimento. E isso para circuitos de ruas e autódromos travados, pode ser uma boa caso consiga largar em boas posições. 

De todo modo, são apenas devaneios causados por seis dias de testes onde as equipes tiveram tempo para testarem todos os componentes, estratégias, programas e outras situações. O real teste acontecerá nesta primeira etapa em Sakhir, onde teremos a ideia concreta das forças em cada "grupo" - mesmo que isso ainda possa ter suas mudanças pelas próximas etapas, uma vez que com carros totalmente novos as mudanças de forças pode acontecer de uma etapa para outra, ainda mais com carros que podem andar próximos um dos outros sem ter o grave problema da turbulência. 

Ao final das 57 voltas programadas para este GP do Bahrein, teremos uma parte de nossas dúvidas respondidas. Ou ainda mais embaralhadas... 

domingo, 14 de novembro de 2021

GP de São Paulo - It's a Kind of Magic

 

Lewis Hamilton festejando sua vitória em Interlagos com a bandeira do Brasil
(Foto: Mercedes AMG/ Twitter)

Já devo ter escrito em alguma oportunidade que Interlagos tem uma atmosfera única. É algo que chega beirar a magia quando uma corrida grande se avizinha. Ainda me lembro de quando pisei os pés no Autódromo José Carlos Pace pela primeira vez e por mais que tenha sido um evento pequeno, consegui assimilar bem o significado daquele complexo para o motorsport. E essa impressão foi confirmada no decorrer dos anos em que entrei para trabalhar como comissário de pista: seja uma corrida de regional, uma etapa de Campeonato Brasileiro, um Mundial de Endurance ou a gloriosa Fórmula-1, o nosso autódromo velho de guerra ganha uma forma única que desperta em todos uma sensação de fazermos, de fato, parte de todo espetáculo. E Lewis Hamilton contribuiu com doses cavalares para que mais esta história fosse impressionantemente especial. 

Se olharmos o desempenho de Hamilton desde a formação do grid para a Sprint Race, não era de duvidar que o inglês vencesse a pequena prova com os pés nas costas: sua volta havia sido quase meio segundo melhor que a de Max Verstappen e com a adição de que esta foi feita com os três setores roxos - isso sem contar com o amplo domínio nas três partes do treino. A festa que foi feita após a obtenção dessa primeira posição acabou sendo ofuscada com a irregularidade no DRS - que acabou sendo descoberta por acaso, uma vez que o foco era na flexibilidade da asa traseira, uma vez que Adrian Newey e outro representante da Red Bull levaram alguns papéis para os comissários técnicos indicando que a asa traseira de Lewis se curvaria quando o chegasse aos 260km/h. Mas a procura pela tal flexibilidade acabou abrindo caminho para acharem a irregularidade no DRS que abria além dos 85mm regulamentares. Isso poderia causar uma desqualificação de Hamilton, o que o jogaria para o fundo do grid da Sprint Race. Conclusão: após quase 24 horas, e com o adendo de Max Verstappen ter também ter sido chamado pelos comissários para se explicar por ter tocado na famigerada asa traseira do Mercedes de Lewis, o inglês foi punido e precisou largar em último. Algo que poderia ser bem catastrófico em outras situações, já que ele também iria perder cinco posições pela troca do motor a combustão. 

A tarde fria do sábado paulistano viu um Lewis Hamilton aproveitar-se integralmente de sua superioridade mecânica para escalar o pelotão de forma insana e brindar seus fãs com uma grande pilotagem: ele acabara de sair de 20º para 5º em 24 voltas para anular uma desvantagem que poderia colocá-lo numa situação um pouco mais dificil para o domingo. Como bem dito, ele perderia a cinco posições e agora saíria em 10º na corrida. Cinquenta por cento do caminho havia sido salvo. 

Com a prova tendo a sua largada duas horas e meia adiantada em relação ao que foi a Sprint Race, esta começou com sol e isso poderia indicar uma certa dificuldade, mas as coisas foram bem diferentes: mais uma vez Lewis resolveu seus problemas na largada e em poucas voltas já estava em terceiro para iniciar uma batalha contra as Red Bull. A sua disputa contra Sergio Perez, após duas intervenções de Safety Car e Virtual Safety Car por conta de detritos no S do Senna, foi animada: foram três lances, sendo que ele passou por Perez por fora no S do Senna e depois tomou o troco no final da reta oposta e da mesma forma. Oras, Sergio Perez seria páreo para Lewis e agora ajudaria seu colega Max Verstappen? A destreza de Hamilton foi brilhante e ele acabaria por passar Sergio poucas voltas depois com manobra idêntica no S do Senna, mas desta vez tracionando melhor e abrindo uma distância considerável para que o mexicano não tivesse chance de revidar na reta oposta. Mas buscar Max Verstappen, que já levava quatro segundos não seria tão fácil...

As paradas de box, onde os dois principais rivais pelo título colocaram pneus duros, deixou Hamilton mais próximo de Verstappen e essa caçada chegou ao seu primeiro ponto alto quando o heptacampeão tentou a ultrapassagem e foi rechaçado por Max, num movimento onde os dois saíram para área de escape da descida do lago - isso gerou algumas rusgas com entre a Mercedes e a direção de prova, mas nada foi tomado. Após a segunda parada de box, onde os dois colocaram novo jogo de pneus duros, Lewis voltou mais forte e após uma série de tentativas e ameaças, o inglês conseguiu assumir a liderança na reta oposta e partiu para construir uma confortável diferença de dez segundos sobre Verstappen para vencer uma corrida que parecia perdida após todos os imbróglios. 

A conquista de Hamilton hoje em Interlagos foi grande e isso foi ainda mais imponente - não apenas por tudo que aconteceu de sexta para sábado e pela sua enorme atuação na Sprint Race - por conta de disputas tão duras com Max Verstappen que vendeu caríssimo a primeira posição - e claro, tivemos Sergio Perez que também foi duro e leal no seu breve duelo com Lewis. Temos que destacar que Lewis e Max estão elevando um ao outro a patamares mais altos nessa eletrizante disputa. E hoje foi mais um capitulo disso, que agora reduz para 14 pontos. 

Mas não podia deixar de lado a imagem que levou uma galera a se emocionar imensamente quando Hamilton pegou a bandeira brasileira de um comissário no Bico de Pato e desfilou com ela até chegar aos boxes, arrancando lágrimas e trazendo lembranças de conquistas de seu ídolo maior Ayrton Senna - e nem mesmo a chamada por ter feito o restante da volta sem o cinto de segurança, que lhe rendeu multa de 5 mil Euros, ofuscou toda essa apoteótica conquista. 

E mais uma vez Interlagos entregando um final de semana mágico, seja como Grande Prêmio do Brasil, seja como Grande Prêmio de São Paulo. 

domingo, 7 de novembro de 2021

GP do México: Não contavam com a sua astúcia

 


As duas últimas corridas realizadas foram boas chances da Mercedes e Hamilton abrirem bons pontos para a Max Verstappen, porém algumas coisas fugiram de seus controles: primeiramente na Turquia onde a Mercedes venceu, mas com Valtteri Bottas, enquanto que Hamilton precisou pagar sua punição por trocar algumas peças do motor e sair apenas em 11º após ter feito a pole. Sua corrida foi ótima, mas não o suficiente para ganhar pontos importantes ao ficar apenas em quinto; no GP dos EUA, um território bem conhecido por ele e Mercedes, a chance de sair de lá com uma vitória era grande, mas esbarraram no eficiente jogo do duo Red Bull/ Max Verstappen que levaram uma vitória maiúscula. Ou seja: o momento que eles tinham até ali um conjunto que parecia melhor, não foi aproveitado de uma forma que lhes dessem todos os pontos possíveis para assumir a liderança do mundial de pilotos e ampliar nos construtores. Isso a face de mergulhar em duas pistas que são reconhecidamente locais onde a combinação Red Bull Honda é favorita disparada. 

É bem a verdade que todos sabiam disso, principalmente a Mercedes, mas a qualificação foi uma mega surpresa até mesmo para eles quando Bottas encaixou uma tremenda volta e fez a pole com Lewis Hamilton logo em seguida. Isso daria um ânimo a mais para eles, já que até a Red Bull parecia ter sentido a pancada uma vez que a primeira fila parecia ser favas contadas. Mas a largada assombrosa de Max Verstappen - assim como a sua relargada - resolveu os problemas e talvez, mesmo que tivesse ficado encaixotado atrás do duo da Mercedes, seria bem dificil pará-lo hoje no Hermanos Rodriguez. Foi uma corrida a parte o que Max fizera, ao colocar um ritmo diabólico e abrir dez segundos de diferença quando a primeira parada de box foi feita e depois apenas aumentar no decorrer da prova para um vitória que começa a dar contornos a uma possivel conquista. 

Sem muito o que fazer, a corrida de Lewis Hamilton foi mais para diminuir os danos do que para tentar a vitória. Sabiam bem de como seria o desafio na Cidade do México e saíram bem a medida do possível. Sem Bottas por perto - que levara um toque de Daniel Ricciardo e caíra para o fundo do pelotão, inclusive ficando boa parte batalhando contra o mesmo Ricciardo -, o inglês precisou se virar como podia para tentar deixar um empolgado Sergio Perez o mais longe possivel antes e depois da parada de box. O blefe da Mercedes em parar Hamilton um pouco antes do combinado via rádio, ajudou a mantê-lo na segunda posição mesmo com Perez bem mais veloz com o mesmo composto (duro). 

Para Sergio Perez foi um final de semana dos sonhos, mesmo que ainda tivesse uma pequena esperança de vitória - e que dependeria bastante do que Verstappen entregasse. As suas hipóteses de chegar ao menos em segundo, esbarraram na boa performance de Lewis e também na estratégia da Mercedes para defender a posição de seu piloto. Mas de toda forma, Perez conseguiu a sua melhor posição de chegada num GP do México, assim como de um piloto mexicano nesta prova. 

O GP do México não foi das melhores e talvez o único momento onde teve alguma ação real, foi o confronto entre Lewis e Sergio. Mas este GP serviu para que Max ampliasse a sua diferença para 19 pontos sobre Lewis (312.5 x 293.5) e a Red Bull encostando na Mercedes na tabela dos construtores por 1 ponto (478.5 x 477.5).  

O GP de São Paulo pode ser um palco interessante para pavimentar ainda mais a futura conquista de Max Verstappen, mas ao mesmo tempo, por ser um local onde o tempo varia bastante, pode trazer algumas surpresas. 

domingo, 24 de outubro de 2021

GP do Japão de 1976: Muito além da decisão


A largada para uma prova para lá de cáotica em Fuji
(Foto: Motorsport Images)

Quando a Fórmula-1 chegou ao circuito de Fuji para a derradeira etapa da temporada de 1976, a única coisa que se passava pela mente dos demais era sobre a decisão de um campeonato que havia mudado de feição em algumas oportunidades: primeiramente esperava-se que Niki Lauda e Ferrari tivessem o campeonato sob total controle, mesmo com a crescente da Mclaren e James Hunt durante o certame. Porém, o terrível acidente de Lauda em Nurburgring deu ao mundial novos rumos: Hunt aproveitou-se bem da melhora do M23 da Mclaren e partiu para tirar a confortável vantagem de seu rival que ainda lutava pela vida. O retorno de Lauda no GP da Itália e mais a sua quarta colocação nesta prova - aliado ao abandono de Hunt -, mostrava que o mundial ainda estava na rota do austríaco, mas as duas corridas seguintes em Mosport (Canadá) e Watkins Glen (EUA) foram vencidas por James enquanto que Lauda marcava apenas quatro pontos nessas duas etapas. A diferença de 17 pontos que separavam os dois pilotos após o GP italiano, agora estava por apenas três pontos à favor de Lauda (68 x 65). 

Fuji seria o grande palco para esta decisão, mas ao mesmo tempo teria a sua própria história o que daria tons ainda mais dramáticos para uma corrida extremamente tensa.

Bernie Ecclestone no comando

Esta prova no Japão era a segunda a estrear no calendário daquele 1976: Long Beach foi o palco da terceira prova do campeonato e fez a sua estréia na categoria, realizando um sonho antigo de Chris Pook que promoveu a corrida e desenhou o traçado que recortava a bela cidade californiana - era a vontade de Pook em transformar essa prova em uma "American Monaco" e que de certa forma ganharia uma bela popularidade no decorrer dos anos, até que a ganância de Bernie Ecclestone colocasse tudo a perder quando quando exigiu mais dinheiro de Chris para renovação do contrato a partir de 1984. 

Bernie Ecclestone já era um pilar importantíssimo na categoria naquele período ao assumir o controle dos interesses das equipes particulares desde o inicio dos anos 1970. Por conta disso, sua figura não era bem vista pelos homens da FIA/ CSI e acabaria por desencadear uma batalha pelo controle dos contratos com os organizadores dos GPs, coisa que Ecclestone, muito astuto, passou a representar as equipes - é claro que as equipes particulares sempre ficaram escanteadas quando os contratos com os organizadores de GPs eram feitos na presença da CSI e Ferrari. Portanto, a guerra pelo dinheiro que entrava nos contratos assinados para levar a Fórmula-1 era o grande pano de fundo. 

A corrida no Japão não foi diferente e em julho de 1976, durante o final de semana do GP da França, Bernie reuniu-se com os representantes japoneses e exigiu deles algumas garantias, como o pagamento de todo transporte para Fuji. Caso isso não fosse possível, as equipes integrantes da F1CA (Formula 1 Constructors Association) não iria para a corrida - uma artimanha que ele usou por muitas décadas e funcionando em quase todas. 

Um pouco antes disso, numa tentativa de colocar alguém que pudesse confrontar Ecclestone, Pierre Ugeux, então Presidente da CSI (Commission Sportive Internationale) achou em Patrick Duffeler essa figura que podia fazer frente a Bernie nas negociações. Sua escolha era a melhor, diga-se: Duffeler esteve a frente da entrada da Marlboro na Fórmula-1 via BRM, para depois desembarcar na Mclaren onde começou a render frutos com a conquista de Emerson Fittipaldi em 1974 - também é preciso ser dito que o nome de Duffeler foi indicando em conjunto com Fritz Huscke von Hanstein, ex-piloto e um dos conselheiros da CSI, que nutria nenhuma simpatia por Ecclestone. Outro ponto interessante é que Patrick era amigo de Bernie e chegou tentar levara a Marlboro para patrocinar a Brabham já em 1973, mas a negociação, que foi tratada como tensa, acabou fracassando na ocasião. 

Voltando às tratativas para a prova no Japão, a primeira cartada de Duffeler foi aconselhar os japoneses a não aceitar o que foi pedido por Bernie. Porém, o outro braço de Bernie, Max Mosley, entrou em ação para negociar com Patrick - sem que Pierre Ugeux soubesse - uma situação que fosse boa para ambos os lados. Mas com a corrida para ser feita dentro três meses e levando em conta a possível ameaça de Bernie, os japoneses acabaram aceitando pagar um pouco mais para realizar o GP pela primeira vez. Uma cartada e tanto do inglês... 

Mais a frente, quando corria-se o final de semana do GP dos EUA em Watkins Glen, Bernie Ecclestone tinha a crença de que aquele mundial seria definido apenas na derradeira etapa - justamente o GP no Japão - e se ateve a isso para que o evento em Fuji fosse televisionado. O que acontece é que houve algumas discussões em torno da longa viagem para lá e também por conta das propagandas de cigarros e bebidas - isso já havia causado uma certa confusão no GP de Mônaco daquele ano quando a TV francesa se recusou a transmitir a etapa. Mas desta vez, talvez calejado por aquele problema em Monte Carlo, Bernie jogou com a possibilidade de se ganhar muito com aquelas propagandas sendo mostradas, afinal um público estaria atento para a decisão do campeonato - e também - com um certo potencial de consumo.  

A European Brodcasting ficou responsável pela geração das imagens e a BBC, que confrontou a ideia inicial, acabou cedendo e transmitiria a prova. 

Apesar das inúmeras críticas que possam ser feitas a Bernie Ecclestone, o seu faro comercial jamais pode entrar nessa conta. Era um negociante nato. 

Teste secreto, cascalhos e grades para a Ferrari

Alastair Caldwell, Teddy Mayer e James Hunt em 1976
(Foto: Motorsport Magazine)

A Mclaren estava a face de disputar pela terceira vez em sua história um título mundial na Fórmula-1. Havia provado este gosto em 1974 com Emerson Fittipaldi e passado perto em 1975 novamente com o brasileiro, mas desta vez esbarrando numa simbiose fortíssima entre Niki Lauda e Ferrari - já vista em 1974, mas dificultado devido os inúmeros problemas que enfrentara. Agora, em 1976, as coisas pareciam indicar mais um título para o duo austro-italiano até que os acontecimentos de Nurburgring dessem outros rumos para o campeonato. Porém, após o retorno de Lauda em Monza e confirmação da desclassificação de Hunt no GP da Grã-Bretanha - ele se envolveu num acidente com Jacques Laffite (Ligier) e Clay Regazzoni (Ferrari) logo na largada e acabaram sendo excluídos inicialmente por não terem completado a primeira volta. O apelo da torcida (leia-se revolta) em ver Hunt de fora foi levado em conta e tanto ele quanto Regazzoni e Laffite foram autorizados a largarem. Mas ninguém imaginaria que James venceria a prova e isso causou confusão quando Clay e Jacques foram desclassificados, mesmo após terem abandonado a prova. Ferrari, Tyrrell e Copersucar pediram a exclusão de Hunt e isso foi levado para os tribunais mais tarde, quando a decisão pela desqualificação foi oficializada no final de semana do GP do Canadá. 

Com esta decisão e estando 17 pontos atrás de Niki Lauda com três corridas para serem feitas, o desânimo bateu forte na equipe inglesa. Alastair Caldwell, então gerente da equipe Mclaren na ocasião, confirmou que a ideia de vencer o campeonato foi deixada de lado e isso o fez libertar James Hunt de suas amarras de "bom moço" do qual ele havia tornado durante aquela temporada. Mas as coisas seriam bem diferentes quando as duas corridas da America do Norte foram realizadas: James venceu ambas - com direito a uma bela noitada na véspera do GP canadense - e somou os 18 pontos necessários que o trouxe de volta para o jogo e que também foi ajudado pela baixa pontuação de Lauda que foi de apenas 4 pontos do terceiro lugar em Watkins Glen. 

Com tudo isso, não é para menos que a Mclaren tenha se animado para aquele GP final em Fuji. A equipe usou de uma velha artimanha de treinar no circuito e foi para lá uma semana antes da realização da prova para conhecer o circuito e já se ambientando ao local. Juntando isso ao fato de James Hunt ter ido para o Japão dez dias antes, foi um trunfo e tanto: uma equipe já bem adaptada ao local, sem jetlag e conhecendo cada metro de um circuito novo para eles, era uma vantagem importante para aquela decisão.

Mas, num período de uma semana o que uma equipe teria a fazer mais após tantos testes? Alastair Caldwell, apenas para se divertir, chegou a dizer para um jornalista que a "pista era boa, mas tinha muito cascalho pelo traçado", uma maneira de jogar uma pressão para cima dos demais que estavam chegando à pista ainda durante a semana. E as coisas não pararam por aí: no embalo da história dos cascalhos, Caldwell cehgou pedir que seus mecânicos colocassem grades para proteger as entradas de freios e radiadores. “Como estávamos entediados e não tínhamos mais nada para fazer, os mecânicos fizeram coberturas de malha para todas as entradas de ar do carro, para 'proteger' os dutos de freio e as entradas de ar.", comentou Alastair que ainda completou com uma pequena história sobre a presença de Niki Lauda, que sempre que podia estava nos boxes da Mclaren para conversar - e claro - espionar: “Niki veio ver o que tínhamos feito com os carros, pois ele também era um espião. Então eu disse aos mecânicos, 'por engano', para tirar as lonas dos carros para que você pudesse ver as grades em todas as entradas. Eles fizeram isso e então colocaram de volta rapidamente enquanto eu 'parecia aborrecido'."

A trolagem por parte de Alastair e toda Mclaren surtiu efeito: Lauda comentou sobre o que havia visto na equipe inglesa e relatou a Ferrari, que de imediato tratou de ir atrás de grades para colocar em seus carros. Pouco tempo depois, quando a equipe italiana havia conseguido e já instalado todas as grades em seus carros, pode-se ver que os da Mclaren - inclusive o carro reserva - não tinha mais as tais grades. Automaticamente Niki Lauda desceu furioso e soltou um "Bastardos de merda!" assim que avistou os Mclaren sem as grades. E claro, ele voltou aos boxes da Ferrari pedindo para que tirassem as peças. 

E a Mclaren havia achado um modo bem sarcástico para pressionar a Ferrari em meio a toda tensão que aquela corrida japonesa estaria sujeita em poucos dias.


Um GP para lá de confuso


James Hunt, Niki Lauda, Bernie Ecclestone e Ronnie Peterson, durante o vai ou racha sobre a 
realiazção do GP do Japão
(Foto: Mclaren)

Essa prova em Fuji não recebeu o nome de "Grande Prêmio do Japão": este pertencia às provas locais, mas especificamente a Fórmula-2, e a prova da Fórmula-1 levou o nome de "Campeonato Mundial de Fórmula-1 no Japão". Mas isso valeu apenas em terras locais. 

Para um ano que foi tenso tanto fora quanto dentro das pistas, a derradeira corrida não seria diferente: em meio a batalha entre a F1CA e FIA/ CSI, Patrick Duffeler estava preparando um contra-ataque as intenções da F1CA - leia-se Bernie Ecclestone - onde uma entidade representaria os organizadores de GPs para discutir os acordos dos GPs com a F1CA. Uma bela cartada visto que o campeonato de 1976 estava para acabar e que a de 1977 começaria já em janeiro - a entidade chamaria-se WCR (World Championship Racing) e aumentaria ainda mais a tensão entre as partes. 

O que poderia piorar ainda mais o clima tenso do que uma batalha política e uma decisão de título? A chuva se fez presente em Fuji e embaralhou as coisas naquele início de prova. Houve muita conversa, especialmente entre a GPDA (Grand Prix Drivers Association), Bernie Ecclestone e a direção de prova sobre realizar ou não a corrida. Os pilotos, liderados por James Hunt, Niki Lauda e Ronnie Peterson, estavam relutantes a não correr naquelas condições, enquanto do outro lado os organizadores do GP tinham enorme receio de que esta não fosse realizada e perdessem todo dinheiro - este também era o medo de Ecclestone, uma vez que neste momento ele estava em situação bem critica já que respondia pelos pilotos de sua F1CA e também pelos japoneses. O dinheiro que estava em jogo era bastante e ainda tinha os contratos com as TVs para a transmissão dessa prova. A cada minuto que se passava, mais complicado ficava.

Algumas equipes como a March, Surtees e Shadow sinalizaram que queriam correr, enquanto que outras, como a Ferrari, indicavam que não gostariam e isso levou Bernie a dizer que quem quisesse correr ficaria a vontade, porém este GP não contaria pontos para o mundial. Havia também a pressão por parte da FIA/CSI, representado por Paul Metternich (Presidente da FIA) e Pierre Ugeux (Presidente da CSI), para que a prova acontecesse. 

Depois de um período conturbado entre realizar ou não a corrida, esta foi feita assim que a chuva diminuiu e quando os carros alinharam já não havia quase chuva. Porém alguns pilotos decidiram não continuar assim que a largada foi dada e algumas voltas foram realizadas. 

Larry Perkins, que estava a serviço da Brabham naquele final de semana e foi um dos pilotos a abandonar a corrida, relata a sua impressão sobre aquele GP: "Não queria acreditar quando soube que o diretor da corrida decidiu levar a coisa por diante. Quando os carros começam a “acquaplanar” na reta, está demasiado molhado para correr. Mas esta aconteceu e eu parei após uma volta. Disse ao Bernie: “Eu até posso continuar, mas depois destruo o teu carro num despiste, logo, não vejo a utilidade em continuar por ali”. Não abandonei porque tinha medo, era jovem e não me preocupava com a minha segurança. Parei porque não queria estragar outro dos carros do Bernie Ecclestone. E na volta seguinte, Lauda decidiu retirar-se. E isso foi bem dramático, posso-te dizer.". Além de Perkins, Niki Lauda, Emerson Fittipaldi e José Carlos Pace foram os outros que abandonaram a corrida dentro das primeiras 10 voltas. 

A atitude de Niki Lauda em abandonar a corrida foi vista como heróica algum tempo depois, principalmente após o ocorrido em Nurburgring e todo processo a seguir, mas dentro da Ferrari, não foi bem vista. Há de ser dito que isso já vinha desde o inicio da temporada após a vitória de Clay Regazzoni em Long Beach, onde Lauda acredita que Danielle Audetto, então chefe de equipe da Ferrari, preferiu ver Regazzoni vencedor naquela prova. O acidente que austríaco sofreu de trator, quando este trabalhava numa lavoura em sua fazenda e que quase lhe custou a vida, foi um dos momentos críticos entre eles e que se estendeu até Enzo Ferrari - e sempre inflado pela apaixonada e falante imprensa italiana via Gazzeta Dello Sporte, que já indicava uma campanha para que algum piloto italiano substituísse Lauda. Apesar dos temores de Lauda não participar da prova na Espanha, então quarta etapa de 1976, o austríaco contrariou a previsão de seis semanas para recuperar-se e estava ao volante do Ferrari em Jarama para conquistar um honroso segundo lugar, com a vitória ficando para James Hunt. E claro, depois veio o acidente em Nurburgring...

John Watson foi um dos que comentaram sobre aquela decisão de Lauda em abandonar o GP japonês na segunda volta: "Houve muitas razões pelo qual ele decidiu abandonar. Os eventos no Japão mostraram até que ponto as condições eram ou não aceitáveis. Niki abandonou porque as condições eram inaceitávelmente perigosas, mas também porque ele tinha problemas em controlar um canal lacrimal, que tinha sido danificado por causa do incêndio. E também ele jogou com a situação, lançando os dados: James tinha de acabar em primeiro, segundo ou terceiro para ser campeão do mundo, e naquelas condições, não havia a garantia de que ele iria conseguir. A decisão do Niki era baseado no que aconteceu na Alemanha, mas também no seu pragmatismo. Ninguém conseguiria prever o que James iria fazer durante a corrida. Chegaria em terceiro? Ou poderia ter um acidente ou uma falha mecânica? Naqueles tempos, as falhas mecânicas eram bem mais frequentes do que agora. Não tinhas garantias de que irias acabar a corrida. Então, Niki Jogou os dados e… perdeu." . 

Todos os desdobramentos após a desistência de Lauda aconteceu logo após ele voltar para a Europa: Enzo Ferrari teria cogitado dar a Lauda um cargo de Diretor Esportivo - a cabeça de Audetto estava à prêmio já que ele teria sido incapaz de dar ordens para que Clay Regazzoni, que terminou em quinto, tentasse atrapalhar a escalada de Hunt após o pit-stop. Lauda reclinou na ideia e de imediato usou uma cartada de que se transferiria para a Mclaren e isso funcionou: a Ferrari recuou e assinou o contrato com ele para 1977. A verdade é que as relações já estavam desgastadas demais e ao final de 1977 isso ficaria muito claro. 

A corrida no Japão foi vencida por Mario Andretti e mais atrás James Hunt terminava em terceiro para conquistar o seu título mundial, mas ele não sabia que havia chegado ao triunfo: “Ele não olhou para a placa e quando entrou nos boxes começou a gritar com a gente, porque não sabia o que acontecia. Ele foi incrivelmente irritante no dia. Ele pilotou magnificamente, manteve-o na pista - esse é um ponto de vista. Do meu ponto de vista, foi o dia mais frustrante - eu poderia ter acertado ele com um taco de beisebol!" comenta Alastair Caldwell que ainda disse que voltaram para a Europa sem tocar no assunto, com ele os demais membros da equipe ainda chateados. Mas de toda forma, o título de pilotos estava com eles pela segunda vez em três temporadas. 

O GP do Japão voltou a ser realizado um ano depois e desta vez com o tempo seco: James Hunt venceu aquela prova, o que foi a sua última na categoria, mas a prova não deixou de lado o caos quando Gilles Villeneuve decolou sobre o Tyrrell de Ronnie Peterson e acabou indo de encontro a área de escape onde tinha algumas pessoas. O acidente acabou custando a vida de duas pessoas. Em 1978 prova seria realizada em no mês de abril, mas acabou sendo cancelada. 

Demoraria dez anos para a Fórmula-1 voltasse ao Japão, desta vez em Suzuka. E de uma forma muito mais organizada.

O pódio com Hunt (terceiro) e Mario Andretti, o vencedor. Patrick Depailler foi o segundo.
(Foto: Motorsport Images)




O link com a entrevista de Alaistar Caldwell para a Motorsport Magazine: 

https://www.motorsportmagazine.com/articles/single-seaters/f1/f1s-great-drives-james-hunt-1976-japanese-grand-prix

O link com a entrevista de Mario Andretti, Jody Scheckter, John Watson e Larry Perkins sobre aquele GP do Japão de 1976: 

https://continentalcircus.wordpress.com/2013/09/10/a-dramatica-corrida-de-fuji-contada-por-quatro-dos-pilotos-que-estiveram-la/

domingo, 26 de setembro de 2021

Vídeo: Sobre o título de Alex Palou na Indycar

 

(Foto: Bernardo Bercht)

Os comentários sobre a conquista de Alex Palou, que chega ao seu primeiro título na Indycar, e também sobre esta temporada 2021 da categoria. 


4 Horas de Goiânia - Uma estreia e tanto para Renan Guerra e Marco Pisani

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