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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O desabafo de Ayrton Senna, 1991

Um ano que começou dominante, teve seus altos e baixos na metade e que terminou da melhor forma possível ao conquistar o seu terceiro mundial contra um carro que já estava a dominar as ações nos GPs. Assim foi a temporada de Ayrton Senna em 1991, que ficou marcado pelo aparecimento do já fantástico Williams FW14, conduzido por Mansell e Patrese, e pela estréia daquele que viria a ser o maior recordista da F1: Michael Schumacher.
Na coletiva de imprensa após a conquista do título, mais uma vez decidida em Suzuka, Senna desabafou. Em primeiro plano falou sobre a sua terceira conquista, em especial sobre a prova que o consagrara. “Claro que estou contente, pois foi um título difícil, de luta com uma equipe com melhor equipamento. Hoje aconteceu o acidente de Mansell e eu fiquei com o título de imediato. Depois tentei divertir-me um pouco para tentar chegar no Berger. Mas aí o Ron (Dennis) chamou-me pelo rádio para lembrar que ainda tínhamos de brigar pelo título de construtores. E logo agora, que eu queria me divertir um pouco , depois de fazer tanta prova e pensar nos pontos. Não gosto nada de correr pelos pontos. Queria mesmo era dar show, andar nos limites, para deliciar os milhares de espectadores japoneses. Aí decidi atacar. No entanto, antes da largada tínhamos acordado que nenhum dos dois atacaria o outro. Só me apercebi disso depois, quando era tarde. Tinha mesmo que ceder a vitória ao Berger. Doeu mesmo muito, já que seria muito mais bonito ganhar o título com uma vitória. Nas últimas dez voltas, quando o motor do Berger começou a dar problema pensei em perguntar pelo rádio se deveria diminuir o meu trem de corrida para deixar passar, mas não conseguia comunicação. Foi uma tremenda luta comigo mesmo. Ninguém iria acreditar se eu ganhasse e dissesse que não tinha conseguido falar com o Ron. Aí houve um momento que não acelerei para poder ouvir melhor o rádio. Foi então que para meu desgosto – mas também satisfação da minha consciência – ouvi a resposta do Box: deixar o Berger ganhar. Foi justo. Havia sido acertado, e ele merecia por tudo o que fez durante o ano.”
Por último falou, aí sim em tom de total desabafo, sobre as novelas de 89 e 90 contra Prost e Balestre: “Em 88 tive o meu melhor ano. No ano seguinte tive de lutar contra Prost na mesma equipe e também contra Balestre e a FISA. Aqui no Japão aconteceu o que todos conhecem: ataquei Prost na chicane, voltei à pista e ganhei. Mas, Balestre não quis e julgou contra mim. Depois, na época passada,pedi aos comissários para mudarem o lugar do pole, ao que eles acederam. Apareceu Balestre e mudaram tudo de volta. ‘Aqui quem manda sou eu’, foi a resposta dele. Foi só para me prejudicar. Aí pensei que não podia ser f... por pessoas estúpidas. Decidi que Prost não poderia de alguma forma sair Curva 1 na frente, para mim só haveria uma trajetória. Era melhor ele não tentar nada. Foi o que se viu. E, eu não queria que fosse assim. Ele de fato largou melhor, passou à minha frente, fechou a porta e não me desviei um centímetro. Ao me sinto culpado. Todo foi um resultado de decisões erradas e parciais por pessoas que deveriam fiscalizar e não tomar partido. Venci o campeonato e isso é que importa. Tanto 89 como 90 foram maus exemplos para o automobilismo. Na altura não me importei com o incidente. A partir do momento que Prost tentou ser primeiro, dispus-me a não o deixar passar. Tudo foi resultado do ano anterior. O importante é falarmos o que vai dentro de nós. Vivemos num mundo moderno e essas regras que proíbem os pilotos de falar verdades , são uma m... Nunca pedi desculpas a Balestre. Foi tudo mentira. Forçado pelo Ron e pela Honda, apenas assinei um acordo com alguns parâmetros, que lhe foi enviado por fax e ele mudou para divulgar.”
Sobre a primeira fala de Ayrton, é claro que nenhum piloto quer entregar uma vitória de mão beijada para o companheiro de equipe, principalmente quando se acaba de conquistar um título mundial. Mas, como já haviam apalavrado sobre o não ataque um contra o outro na primeira curva e Senna quebrado esse acordo durante a corrida (se bem que aí, com a prova já em curso, não valia muito esse acordo), isso lhe pesou na consciência e por isso decidiu dar a vitória para Berger. Se bem que poderia ter feito de um modo mais elegante, algo como ter tirado o pé algumas voltas antes e não na última curva. No seu real desabafo contra o duo Prost-Balestre, é entendível a fúria de Ayrton. Ouvi muito, e ouço, o quanto que Ayrton foi imprudente no acidente de Suzuka (o que concordo), mas pensando bem um cara que foi ferrado ao final de 89 num incidente provocado por Alain e mais tarde teria, por muito pouco, a sua super-licença cassada após correr a primeira metade de 90 sob sursis e ao final daquela temporada, na penúltima prova, exatamente em Suzuka, ter mais uma vez Balestre no seu caminho no capítulo da posição do pole, não é para menos ter aquela atitude (que mais vez digo errada) de acertar o Ferrari de Prost. Mas conhecendo bem o sangue de nós latinos e colocando-se no lugar dele naquele momento, acho que não faria diferente.
Ayrton ainda venceu a prova da Austrália última etapa daquela temporada, sob forte chuva, naquela que foi a corrida mais curta da história da F1, já que foi percorrida apenas 14 voltas das 81 programadas. Foi a coroação final para o seu tri-campeonato conquistado quinze dias antes em Suzuka, que completa hoje 20 anos.

*As falas de Ayrton Senna foram extraídas do Anuário “Fórmula-1 91/92” do jornalista português Francisco Santos

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