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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Os seis anos de Ayrton Senna na McLaren, por Ron Dennis




Qualquer texto que venha a ser feito sobre a estadia de Ayrton Senna na Fórmula-1 fica impossível não mencionar o nome da McLaren de forma quase automática. Você corre o risco até mesmo de repetir o nome da equipe algumas vezes na mesma frase. 

Mas não é para menos: foram seis temporadas completas, com três títulos conquistados, dois vices, 35 vitórias, 46 poles e 12 melhores voltas. Isso sem contar as batalhas contra Alain Prost, com quem dividiu o espaço da equipe anglo-neozelandesa por duas temporadas bem movimentadas. Apesar de Ayrton ter deixado a equipe no final de 1993, ele ainda é o piloto por excelência do time.

Cerca de cinco anos após a sua morte, o jornalista inglês Christopher Hilton lançou o livro “Ayrton Senna: As Time Goes By” e neste foi publicado uma entrevista com Ron Dennis. A conversa iniciou-se nas instalações da McLaren, em Woking, e depois teve continuidade no seu carro.

Ron Dennis é a pessoa perfeita, talvez a única capaz de fazer um balanço preciso dos seis anos de Senna na McLaren.

Foi um risco colocar Ayrton e Prost como parceiros? “Não acho. Ambos tinham determinação de vencer e sabiam que filosofia da nossa equipe é dar aos pilotos a mesma qualidade de equipamento, para que possam andar na frente. A competição dentro da equipe foi fantástica para o nosso time. Claro que suas personalidades eram bastante diferentes e inevitavelmente entraram em atritos ocasionais. Se alguém me perguntasse o que, particularmente, me deixou feliz na minha carreira e eu optasse mesmo pela palavra ‘agradar’ e não ‘orgulhar’, eu diria que fiz um ótimo trabalho lidando com duas personalidades tão fortes por mais de três anos”

Foi tão difícil assim para você? “Não do ponto de vista do negócio, mas do aspecto emocional. Não sou uma pessoa emotiva. Os dois sempre davam 100% dentro e fora do carro. Consequentemente, como parceiro de trabalho, você acaba se envolvendo. E quando vê duas pessoas brigando – pessoas que admira e gosta muito – então, inevitavelmente, começa a ficar afetado do ponto de vista emocional. Eu analisava os dois lados e entendia que ambos estavam genuinamente aborrecidos a respeito de certos acontecimentos. Não era uma sensação boa. Mas acabava tendo um bom pressentimento de que, quando as brigas acontecessem, conseguiria ser parte do processo de reconciliação: bastava intervir, resolver a pendenga e eles voltavam a tratar das corridas novamente.”

Na Toleman, Senna provou ter um grande futuro. Na Lotus, mostrou ser um vencedor. Na McLaren, confirmou ser um campeão mundial. “Ele sempre demonstrou sua qualidade. Nosso relacionamento mudou para um patamar diferente, para um nível único – bem, pode até ser errado dizer que era ‘único’ porque Colin Chapman e Jim Clark tinham o mesmo nível de relacionamento.”

Ayrton ficou seis anos na McLaren, o que é muito tempo. Estamos falando da conquista de três títulos mundiais e todas aquelas poles. Muitos dizem ter sido amigos próximos de Senna. Como era com você? “Para ser honesto, não quero comentar a respeito de outras pessoas e não é o caso de sair dizendo que fui mais amigo dele que os outros. Na verdade, as pessoas mais próximas eram de sua família – que tinha grande importância para Ayrton, especialmente a irmã e mãe. Há quem interprete mal as crenças e valores de Senna. Ele aprendeu com seus pais o que era certo ou errado. A família o ajudou a saber como se conduzir na vida.”
“Suponho que meu relacionamento com ele poderia ser expresso como algo complexo. Éramos meio irmãos, mas também tínhamos algo de pai e filho. Eu não era tão mais velho que ele; assim, nosso relacionamento não era exatamente de pai e filho. Também não tínhamos idades tão próximas, dando-nos a possibilidade de nos sentirmos como irmãos. Mas, com certeza, tínhamos uma amizade na qual falávamos não apenas de Fórmula-1, mas de tudo que se tem na vida. Houve momentos muito difíceis durante sua carreira na F1, nos quais ele realmente passou apertado, nada a ver com a falta de competitividade de sua parte, mas coisas relativas à política dentro da categoria. Como foi o caso do desentendimento com Balestre no Japão (quando o dirigente se negou a mudar a posição de largada do pole, que era de Senna).”

Você se deu conta de quanto esse episódio afetou Ayrton?
“Por algum tempo, ele havia decidido parar de correr. Eu nunca lhe disse para continuar. Discutimos o assunto, analisando as alternativas, e enfim a sua paixão pelas corridas superou o desprezo pela política. A politicagem sempre foi um aspecto que ele detestou.”

Você acha que a briga com Balestre em Suzuka foi traumática porque também estava envolvido? “Sim. Durante aquele período, outros pilotos estiveram envolvidos em acidentes e a visão de Ayrton era: ‘Se os outros podem fazer essas coisas e não são punidos, se essa é a regra, então que seja assim.’ Mas ele não gostava dessas situações de dois pesos e duas medidas. Acho que depois de tudo ele se arrependeu, bastante, de se rebaixar a ponto de pilotar como os outros.”

Em sua opinião, qual a melhor corrida de Senna?
“O GP do Brasil de 1991. A Honda havia contratado um novo diretor técnico para seu programa na F1. Ele era pouco experiente e isso acabou aparecendo na perda de desempenho do motor. Como resultado, disputamos aquela corrida com bem menos potência que havíamos tido na temporada anterior. Mas tínhamos feito um carro muito melhor e felizmente ainda estávamos competitivos. O talento de Ayrton brilhava em condições extremamente difíceis, que se tornaram ainda mais complicadas no final da corrida. Mas, subitamente, todo mecanismo do câmbio travou e ele ficou apenas com uma marcha durante a prova. Pilotou muitas voltas com apenas aquela marcha, conseguiu continuar na corrida e ainda venceu. Lembro-me de que começou a chover e Ricardo Patrese (da Williams, se aproximando de Senna) diminuiu o ritmo. O italiano não imaginava que Senna tinha um problema tão grande.”

Como foi a saída da McLaren? “Não foi nenhum pouco difícil de entender. É preciso recordar que ele venceu cinco corridas em 1993 e que naquele ano construímos o melhor carro que já havíamos feito, com um sistema ativo de suspensão muito sofisticado. E mesmo com problemas no motor Ford, vencemos cinco corridas. Senna chegou à conclusão de que tinha de mudar de equipe por duas razões. Primeiro, era claro que não íamos ter um bom motor naquele momento. De fato, nós assinamos contrato com a Peugeot e acho que se tivéssemos fechado o acordo antes ele teria ficado. Mas, mais importante, e isso nunca foi admitido porque eu nunca disse isso antes, ele sempre teve um apetite financeiro enorme. Para satisfazer esse apetite, nós reduzimos os gastos em várias áreas. Em 1993, de fato, ele recebia à medida que o ano se desenvolvia e o último pagamento foi em 1994. Foi um período bastante difícil para nós.”
“Foi então que mudamos nossa política de contratação de pilotos e passamos a desenvolver jovens aspirantes. Chegamos a uma situação que a Williams tinha na época, quando estava fazendo carros muito superiores, nos quais diversos pilotos podiam vencer. Aqueles carros eram a salvação de alguns pilotos. Muitas pessoas, e eu certamente era uma delas, reconheciam isso e então nossa atitude foi do tipo: ‘Vamos investir na empresa, vamos trabalhar mais duro, vamos melhorar os recursos da fábrica. Então, poderemos escolher entre vários pilotos e ainda vencer corridas.’ E foi isso o que fizemos. Sabíamos que iríamos ter uma fase difícil, que exigiria tempo para se resolver, mas conseguimos seguir o plano de revitalizar a nossa engenharia.”

Eu sei que Senna foi muito emotivo em sua partida. “Era como se estivesse sendo ‘emprestado’ para outra equipe. Era assim que eu sentia, que ele sentia. Não havia acordo formal, mas ele deveria voltar. Assim, não foi difícil. Era melhor que reconstruíssemos a equipe e resolvêssemos os problemas, era melhor que ele fosse, continuasse a vencer e voltasse para a equipe quando quisesse. Acho que, no fim das contas, Ayrton não teria abandonado as corridas. Sei que ficaria na Fórmula-1 por um longo tempo e, quando decidisse se aposentar, seria na McLaren, a nossa equipe. Estou absolutamente certo que seria assim.”

 Acredito que Ayrton não teria alongado a sua carreira até os 40 anos. Existia uma história de que o seu desejo era de se aposentar quando atingisse a marca de cinco títulos de Juan Manuel Fangio. Levando em conta que a Williams conseguiu reagir naquele ano de 1994 e pelo ótimo carro que preparara em 1995, ano que terminaria o seu contrato com o time de Frank Williams, é bem provável que ele conseguisse esse feito. Ok! Existia a presença de Michael Schumacher e isso poderia atrapalhar os seus planos, mas creio que conseguiria. E convenhamos, seria uma luta titânica naquelas duas temporadas.

Existia também a história de que ele poderia ir para a Ferrari, local onde ele encerraria a carreira. São apenas hipóteses, mas a ida de Schumacher em 96 para Maranello vai de encontro com essa possibilidade que foi levantada logo em seguida – mas deve ser verdade mesmo, uma vez que a casa estava sendo “ajeitada” para a chegada do brasileiro, já que Jean Todt havia manifestado interesse e pelo que parece tinham apalavrado algo sobre.

Sobre a McLaren se aprumar financeiramente e resolver todos os problemas internos acabou sendo o caminho seguido por Ron Dennis e que foi executado com maestria: a chegada da Mercedes em 1995 e duas temporadas depois a contratação de Adrian Newey junto à Williams, recolocou a equipe no topo da F1 após três temporadas de transição. A coroação de tudo isso foram os três títulos entre 98 e 99 (o bi-campeonato de Hakkinen e Construtores em 1999), isso sem contar as lutas pelos mundiais seguintes. Sobre contratar jovens pilotos, Ron manteve Hakkinen no time desde o final de 1993 e colocou como companheiro dele Martin Brundle em 1994 e Mark Blundell em 1995 (Jan Magnussen pilotou em uma ocasião naquele ano, no GP do Pacífico) e depois contratou David Coulthard, que ficou no time até 2004. Mika saiu no final de 2001, quando deu lugar ao jovem Kimi Raikkonen.

Apesar da crença de Ron Dennis em achar que Senna ainda correria para ele, continuo com a idéia de que isto não aconteceria – isso, claro, se ele não desembarcasse na Ferrari. Senna teria 38 anos e se isso acontecesse como estaria a sua forma física naquela altura, mesmo ele sendo um obcecado pelo preparo físico como era conhecido? Isso sem contar o seu estado civil, já que ele havia engatado um namoro com a Adriane Galisteu e que para os mais chegados, seria ela que o levaria ao altar.

Como tudo que acontece desde o seu desaparecimento em 1º de maio de 1994, tudo não passa de hipóteses. E certamente este desejo de Ron Dennis foi apenas mais destas inúmeras imaginações.  

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