(Foto: John Dagys/ Sportscar 365) |
Quando escrevi o meu texto sobre as expectativas para com a
prova deste final de semana, eu tinha em mente que apenas algum problema
poderia parar a Toyota em Sarthe. Não querendo desdenhar do poderio da Audi
neste tipo de corrida, mas apenas por entender que a fábrica japonesa estava em
um momento melhor. As duas etapas anteriores foram interessantes para vermos
este aspecto: a durabilidade dos japoneses foi sempre elogiada, sendo que em
nenhum instante das provas em Silverstone e Spa eles tivessem tido algum
contratempo mecânico. Outra coisa interessante foi a velocidade deles, que foi
confrontada apenas pela Porsche em Spa, mas ainda sim não tendo um duelo que
estendesse por um longo tempo, afinal a equipe alemã enfrentaria problemas
durante o certame. Por outro lado a Audi tinha feito uma corrida desastrosa a
ponto de não chegar ao fim com nenhum dos seus dois carros em Silverstone. Um
duro golpe para eles que não tinham um resultado tão negativo desde a corrida de
Sebring de 2009. Em Spa as coisas voltaram ao normal, completando a prova com
os três carros inscritos, mas mesmo assim sem ter um desempenho tão próximo da
Toyota. Olhando por todos estes acontecimentos, era normal que a maioria
apontasse a fábrica nipônica como favorita para Sarthe. Mas lá a história é
outra. A prova tem dezoito horas a mais que as habituais seis das demais pistas
do calendário; tráfego pesado durante a corrida; o terror noturno,
principalmente quando se vai dobrar algum retardatário; a fadiga mecânica, etc,
etc, etc...
A prova deste ano foi uma das mais caóticas neste sentido,
principalmente na LMP1. Quem imaginaria que quase todos os protótipos das três
principais equipes enfrentariam problemas mecânicos ou eletrônicos? Foi uma
loteria que quase premiou a Porsche em seu retorno à classe principal após 15
anos, e isso só não foi possível porque um problema da bomba de óleo tirou o
919 #20 de combate justamente quando Mark Webber tomou posse do carro no lugar
de Timo Benhard, que havia feito um bom stint e liderado um bom par de voltas.
Talvez não conquistassem a vitória, pois o desempenho do Audi R18 e-tron #2 nas
mãos de Marcel Fässler e Andre Lotterer nas horas finais foi irretocável. Eles
sabiam que tinham que dar tudo para conseguir recuperar uma prova que escapou
das mãos da fábrica de Ingolstadt por duas vezes, devido à
troca do turbo no #1
e posteriormente no #2. Estes problemas nos turbos dos dois carros pegaram a
equipe de surpresa: primeiramente o #2 teve este contratempo quando liderava
folgadamente à frente do Porsche #20 com três voltas de vantagem na 16ª hora.
Esta vantagem foi importante, pois o carro foi recolocado à pista e depois teve
que retornar para fazer algum reparo. Quando voltou definitivamente, tinha
quase uma volta de desvantagem para o #20 que agora contava com os trabalhos de
Brendon Hartley na segunda posição. Marc Gene assumiu a liderança no Audi #1 e
fez um stint muito bom, a ponto de colocar quase duas voltas sobre o Porsche
#20 de Timo Benhard. Mas exatamente quando o comando do carro #1 foi passado
para Tom Kristensen, entre a 20ª e 21ª hora, o mesmo problema do turbo
aparecera agora no #1. Outro longo período nos boxes e o carro foi devolvido
com três voltas de desvantagem para o Porsche #20 que ainda estava sob os
cuidados de Benhard, mas a sombra do #2 da Audi já se fazia presente com o
ótimo turno apresentado por Lotterer que cravava voltas extremamente velozes –
algumas cerca de dez segundos melhor que o do Porsche, tanto que a melhor volta
da prova foi feita exatamente nesta caçada. Um duelo dos bons viria pela
frente! Com Webber já no volante do #20, ele entrou nos boxes para fazer mais
um pit stop, momento que Lotterer assumiu a liderança. Mark voltou em segundo e
quando todos esperavam uma briga direta pela liderança, já que Andre havia
feito a sua parada, a bomba de óleo do Porsche deixou o australiano na mão. O
carro veio lento para os boxes e a batalha ficou apenas na imaginação. O #14
também teve o mesmo problema do seu gêmeo, tanto que os dois tinham sido
declarados fora da prova. Mas a Porsche arrumou o problema e entregou os dois
carros para recebessem a quadriculada, ato que rendeu aplausos de todos nos
boxes. E para a Audi, só restou baixar a adrenalina – que havia sido altíssima
nas últimas horas – para levar os dois carros juntos para a bandeirada. Um
final de prova justo para eles que chegavam a sua 13ª conquista em Sarthe. A
estratégia de sempre levar três carros para a prova – apesar de ter perdido o
#3 ainda na segunda hora de corrida, devido o acidente com o Toyota #8 e
Ferrari #81, fazendo com que corresse “manca” pelas 22 horas seguintes –
mostrou-se eficaz mais uma vez.
Para a Toyota restou apenas o gosto do terceiro lugar obtido
pelo #8. Foi uma pena para o time japonês que teve na segunda hora de prova
este mesmo carro envolvido num acidente na Mulsanne, quando desabou o segundo
aguaceiro. Segundo Nicolas Lapierre, ele buscou o freio assim que viu alguns
carros à sua frente sem o uso da luz de chuva – que é obrigatório neste tipo de
condição – e no momento da
travagem percebeu que alguém havia tocado o seu
carro, que foi de frente no guard-rail. Sam Bird, com a Ferrari #81 da GT AM,
passou feito um raio e encontrou mais à frente o Audi #3 que estava sob o
comando de Marco Bonanomi. O acidente forçou a entrada do Safety Car para a
retirada dos carros acidentados. Milagrosamente o Toyota #8 voltou para os
boxes com a frente danificada, mas o #3 da Audi e o Ferrari #81 não tiveram a
mesma sorte e abandonaram. O Toyota ficou por um bom tempo nos boxes e voltou
após os reparos, com uma desvantagem descomunal para os ponteiros. A
performance deste trio formado por Nicolas Lapierre/ Sebastien Buemi/ Stéphane
Sarrazin mostrou o quanto que o carro estava bem acertado e resistente. A
quebra do #7 foi uma tremenda dose de azar, que fica ainda mais reforçada
quando se lembra do que aconteceu na segunda hora de corrida com o #8, que
ainda salvou um terceiro lugar. Certamente o fantasma do GT ONE deve ter sido
lembrado por aquelas bandas...
Das três grandes fábricas, eu não tinha grandes expectativas
para com a Porsche, exatamente pelos problemas que eles enfrentaram nas duas
primeiras corridas. Mas havia um trunfo na mão que era a velocidade, e isso
ficou bem claro desde as classificações e foi reforçado com o bom andamento do
#20 por quase todo certame e que ainda viria a ter a hipótese de vencer. O #14
teve uma série de problemas, principalmente no início da prova – onde ele
acabou ficando um bom tempo nos boxes e
voltando bem atrás na classificação – e depois na parte final. Mas também pôde
mostrar um bom ritmo durante a sua recuperação. Com um pouco mais de
durabilidade, será um forte concorrente para o restante do campeonato. Foi uma
boa surpresa, confesso.
As outras categorias
Na LMP2 o domínio foi quase que constante do Ligier JSP2 #35
Nissan de Alex Brundle/ Jan Mardenborough/ Mark Shulzhitskiy durante boa parte
da corrida, tendo em alguns momentos a oposição do outro Ligier JSP2 #46 Nissan
de Pierre Thiriet/ Ludovic Badey/ Tristan Gommendy. Porém, problemas mecânicos
com tiraram o Ligier #35 de combate já na fase final da prova, deixando caminho
aberto para o
outro Ligier #46 chegar à vitória. Mas o Zytek Z11SN Nissan #38
de Simon Dolan/ Harry Tincknell/ Oliver Turvey deu o bote na hora final após um
ótimo duelo com o Ligier #46 e chegando assim a sua vitória nesta classe. A
terceira colocação ficou com o Alpine A450 Nissan de Nelson Panciatici/ Pierre
Chatin/ Oliver Webb. Para os protótipos que disputam regularmente o Mundial de
Endurance, foi uma jornada desastrosa em Le Mans, sendo que o único a chegar ao
final foi o Oreca 03 Nissan #27 da SMP. Os demais saíram por acidente ou falha
mecânica.
A LMGTE PRO manteve a sua sina de nunca desapontar os fãs
desta classe ao oferecer ótimos duelos pela liderança, que teve certos momentos
que quatro ou até cinco carros estiveram discutindo a posição de honra. Coube à
Ferrari 458 #51 da AF Corse de Giancarlo Fisichella/ Gianmaria Bruni/ Toni
Villander conquistar a vitória com uma certa folga até, depois de longas horas
sob batalha duríssima contra os Corvetes, Porsches e Aston Martin, em especial
o #97 de Darren Turner/ Bruno Senna/ Stefan Mücke. Infelizmente o Aston Martin
#97 teve problemas hidráulicos na 19ª extamente quando Bruno lutava contra
Villander pela liderança da classe. Foi uma pena, pois tanto ele quanto os
outros dois companheiros de Aston, estavam em perfeita sintonia: o trio liderou
a classe da 7ª hora até a 19ª, quando aconteceu o problema, excetuando-se os
momentos em que paravam para o pit-stop. Foi mais um duro golpe para a equipe
inglesa, que também teve azar ano passado com o acidente de Fred Makowiecki –
que este ano pilotou para a Porsche – num momento em que estava bem na GTE PRO.
Na segunda posição, com uma volta de desvantagem, ficou o belo Corvete C7 #73
de Jan Magnussen/ Andy Taylor/ Antonio Garcia e a terceira com o Porsche 911
#92 de Marc Holzer/ Fred Makowiecki/ Richard Lietz.
Se na GT PRO a Aston não teve sorte, na LMGTE AM as coisas
foram muito positivas com a vitória irretocável do trio dinamarquês formado por
Nicki Thiim/ David Heinemeier-Hänsson/ Kristian Poulsen no Aston Martin #95, o
mesmo carro com o qual Allan Simonsen perdera a vida lá mesmo em Le Mans. O
domínio deles foi tão grande que a equipe se deu ao luxo de recolher o carro
para os boxes e fazer um rápido check-up e entregar o carro de volta à pista,
sendo que a vantagem que eles tinham sobre o Porsche 911 #88 de Klaus Bachler/
Khaled Al Qubaisi/ Christian Ried era de três voltas quando foram para o pit
stop, e ainda voltaram com duas de folga. A terceira posição ficou para a
Ferrari 458 #61 da AF Corse conduzido por Luis Perez-Companc/ Mirko Venturi/
Marco Cioci.
Apesar de estar do outro lado da tela, há centenas de
quilômetros da pista francesa, foi mais uma vez muito agradável acompanhar às
24 Horas de Le Mans que merecidamente, segundo a National Geographic, é o melhor
evento esportivo do mundo. A volta da Porsche, a batalha entre Toyota e Audi e
os inúmeros duelos nas demais classes, deram o tom para esta edição - a 82ª da
história – que foi uma das mais dramáticas e tensas dos últimos anos,
rivalizando com a prova de 2010 e 2011 – a meu ver, pelo menos.
E assim, como nas edições de 2010 e 2011, a Audi deu mais
uma lição de como vencer em Sarthe. E pela 13ª vez na sua história.
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