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domingo, 1 de dezembro de 2024

Foto 1043 - Stefan Bellof, Sandown Park 1984

 

Stefan Bellof: o primeiro alemão Campeão Mundial
(Foto: Facebook)

Uma das principais lembranças quando é falado o nome de Stefan Bellof é da sua impressionante apresentação no chuvoso GP de Mônaco de 1984, o mesmo que apresentou Ayrton Senna para o mundo da Fórmula-1 como uma das principais promessas. Mas o jovem alemão também esteve em grande forma e, para muitos, ele poderia muito bem ter vencido aquela corrida caso Jacky Ickx, um velho conhecido dele das provas do World Sportcar Championship, não tivesse encerrado a prova com apenas 31 voltas. 

Outra corrida que também foi uma amostra de suas capacidades aconteceu  no Estoril 1985, em condições bem parecidas com a de Monte Carlo. Mas desta vez, a corrida transcorreu normalmente para ver a promessa de dez meses antes chegar ao seu primeiro sucesso: Ayrton Senna comprovou a sua habilidade em andar sobre águas e venceu com sobras no encharcado Estoril. Stefan não teve as mesmas condições de sonhar com uma conquista em terras portuguesas como fora no principado, mas conseguiu salvar um honroso sexto lugar com a Tyrrell. 

 A sua pole lap para os 1000km de Nurburgring de 1983, na última visita dos monstros do Grupo C no lendário Nordschleife, é sem dúvida algum um dos grandes momentos do motorsport em todos os tempos, ajudando a reforçar a popularidade que o nome de Stefan já causava naquele período. Apesar da mancada no dia seguinte, quando bateu sozinho no momento em que liderava a corrida, Bellof já havia dado mais um passo para ser uma das grandes estrelas do motorsport. 

Mas... ele seria campeão na Fórmula-1? Tal pergunta perdura até os dias atuais, ainda mais que o seu precoce desaparecimento no acidente durante os 1000km de Spa-Francorchamps de 1985 deixou essa dúvida no ar quando muitos indicavam que ele estaria de malas prontas para a Ferrari à partir de 1986, o que lhe daria uma enorme chance de ter um carro competitivo e entrar na disputa com os "donos da brincadeira" naquele momento. 

Se essa dúvida permanece, o que aconteceu em 1984 pode dar uma luz do que aquele jovem alemão nascido em Gieben faria com um melhor equipamento. 

O World Sportscar Championship de 1984 foi a 32ª temporada da história do campeonato e contou com 11 etapas, sendo oito válidas para o Mundial de Marcas (1000km de Monza, 1000km de Silverstone, 1000km de Nurburgring, 24 Horas de Le Mans, 1000km de Mosport, 1000km de Spa, 1000km de Fuji e 1000km de Kyalami) e mais três para o Mundial de Endurance para Pilotos (1000km de Brands Hatch, 1000km de Ímola e 1000km de Sandown).

O Campeonato de Marcas foi decidido à favor da Porsche com certa facilidade, tendo vencido as sete etapas das oitos, com a Lancia vencendo a última etapa deste certame (1000km de Kyalami). Para o Campeonato de Pilotos, a briga ficou restrita aos pilotos da Porsche: Stefan Bellof, que dividiu o comando do Porsche 956 Rothmans #2 com Derek Bell em boa parte do ano, chegava à última etapa com seis pontos de vantagem sobre Jochen Mass - que também pilotova o Porsche 956 #1 ao lado de Jcky Ickx, então bicampeão nos anos de 1982 e 1983. 

A conta era simples: Jochen Mass precisaria vencer de qualquer forma e torcer para que Bellof ficasse da terceira posição para baixo. O sistema de pontuação do campeonato contemplava os dez primeiros (20-15-12-10-8-6-4-3-2-1) sendo que pontuavam apenas aqueles que chegassem a porcentagem de pilotagem das provas e também se o carro completasse 90% do percurso. 

Bellof teve o descarte de um 1 ponto conquistado nos 1000km de Silverstone (segunda etapa) e Mass descartou os 4 pontos dos 1000km de Nurburgring (quarta etapa). 

A prova final foi na Austrália, no pequenino circuito de Sandown Park nos arredores de Melbourne.


Os 1000km de Sandown Park

O programa oficial da Sandown 1000


O circuito de Sandown Park nasceu como um hipódromo no século 19 para depois ser fechado nos anos 1930. No início da década de 1960 o circuito de 3,104 km foi construído, mantendo a pista para cavalos em seu interior. A corrida inaugural do circuito aconteceu em 1962 com a realização do Sandown International Cup para fórmulas com o regulamento de Formula Libre, e a corrida foi vencida pelo então bicampeão mundial Jack Brabham com um Cooper Climax - essa prova contou com a presença de Jim Clark, Graham Hill, John Surtees e Bruce Mclaren; a segunda edição dessa prova, realizada em 1963, serviu como base para a criação da Tasman Series a partir de 1964. Daí em diante o circuito de Sandown Park - mais tarde renomeado de Sandown Raceway - passou a fazer parte do calendário do automobilismo australiano, sediando provas da Tasman Series e Australian Touring Cars - estes últimos tomando de assalto as principais provas após a queda da Tasman Series no início da segunda metade dos anos 1970, quando esta passou a usar o regulamento dos F-5000.

A Light Car Club of Australia (LCCA) tentou dar um passo a mais nos anos 1980 buscando trazer para Sandown Park provas internacionais e a meta era uma etapa do Mundial de Fórmula -1. Apesar das mudanças nos boxes - que foram recuados para a reta principal -, paddock, na segunda curva do circuito original adicionando um S; e mais a frente, após a longa reta que levava a "Marlboro Country/ Rothmans Rise" uma parte sinuosa que passava no circuito para cavalos, a pista de Sandown passou a computar 3,878 Km no traçado que passou a ser chamado International. Apesar das intenções em levar a Fórmula-1 para lá, o estado de Victoria deu de ombros para essa candidatura e o primeiro GP da Fórmula-1 em terras australianas aconteceria em Adelaide, mas apenas para o ano de 1985. 

Apesar deste desaire, a guarda não foi baixada e o LCCA deu um contragolpe ao trazer para suas trincheiras o desfecho do World Sportscar de 1984 que se encontrava com o Campeonato de Pilotos em aberto entre os alemães Stefan Bellof e Jochen Mass. O contrato era de três anos.

Dessa forma, o Mundial de Sportscar passava a ser o primeiro Campeonato Mundial da FIA em solo australiano. 


Conhecidos conterrâneos

Jacky Brabham e Johnny Dumfries compatilharam o Porsche 956 GTi #56 nas cores da Rothmans
(Foto: Motorsport Images)


Após a sua aposentadoria da Fórmula-1 ao final de 1970, Jack Brabham apareceu em algumas provas esporádicas e eventos. Uma bem conhecida é o desafio entre ele e Juan Manuel Fangio ali mesmo em Sandown Park antes do GP da Austrália de 1978, com "El Penta" à bordo do Mercedes W196 e Jack Brabham com o seu Brabham Repco, do qual conquistou o tricampeonato em 1966.

Além do velho "Black Jack", os australianos veriam em ação Vern Schuppan e Alan Jones, o campeão mundial de 1980. Á disposição deles, a Porsche Rothmans inscreveu mais dois 956 que foram conduzidos por Alan Jones/ Vern Schuppan (#3) e Jack Brabham/ Johnny Dumfries (#56) - este último ficando aos cuidados da equipe de Richard Lloyd. O #56 levou uma câmera onboard.

Jack Brabham estava bastante animado naquele circuito onde vencera a primeira prova realizada em Sandown 22 anos antes, destacando a potência do Porsche 956 e a chance em pilotar: “É certamente muito mais rápido do que qualquer coisa que já dirigi antes. É a primeira vez que dirijo um carro com efeito de solo também, o que é muito interessante. Li muito sobre os Porsches e a oportunidade agora de dirigir um e ver como ele é é muito, muito boa.” 

Alan Jones também mostrou entusiasmo em ver a Austrália receber uma prova daquele porte: "É fantástico ver um evento de campeonato mundial aqui na Austrália", refletiu um Jones otimista. "Isso significa que não preciso viajar para tão longe de casa para estar nele para competir".

Além das duas grandes estrelas do motorsport australiano, outros também marcaram presença: a FIA permitiu a inclusão dos carros de turismo que competiam na Australian GT  (Grupo B Sports Sedans e Grupo D GT cars) e nos Sportscar (Grupo A). 

Cinco carros compuseram a classe "Australian Cars":

62 - JPS Team BMW - BMW 320 GT - Jim Richards/ Tony Longhurst

63 - P.F Motor Racing P/L - Mercedes Benz 450 CSL Turbo - Bryan Thompson/ Brad Jones

64 - Re-Car Racring Pty Ltd - Chevrolet Monza - Allan Grice/ Dick Johnson

65 - Jeff Harris - J.W.S - Jeff Harris/ Ray Hanger

66 - BAP Romano Racing - Romando Cosworth - Bap Romano/ Alfredo Costanzo

Além destes, outros pilotos australianos estavam espalhados nas demais classes. 

O Porsche 956 GTi da Richard Lloyd de Jack Brabham/ Johnny Dumfries
(Foto: Alamy)


O Porsche 956 da Rothmans Porsche conduzido por Alan Jones/ Vern Schuppan
(Foto: Autopics)


Alfredo Costanzo, um dos grandes pilotos australianos, esteve presente junto de Bap Romano, que alinhou o seu Romano WE84 Ford Cosworth para a prova


Outro carro que chamou bastante atenção foi este Mercedes Benz 450SLC Turbo, conduzido por Bryan
Thompson/ Brad Jones


Todos os olhares para a decisão

Os Porsches 956 no grid para os 1000km de Fuji, nona etapa
(Foto: Porsche AG)


Para quem estuda o automobilismo sabe que a Alemanha foi uma grande potência nos anos 1930, tanto em relação à pilotos quanto à equipe (especialmente Mercedes Benz e Auto Union) cravando um domínio quase inabalável naquele período. 

Os anos 1950 viram o ressurgimento da Mercedes Benz nas competições, mas de uma forma rápida, já que a tragédia de Le Mans 1955 acabou forçando a retirada da equipe de competições. 

Mais tarde a aparição do aristocrata Wolfgang Von Trips no final dos anos 1950 indicava que a Alemanha, agora, tinha um piloto de primeira linha. E isso poderia muito bem ter acontecido em 1961 quando ele estava na luta pelo título daquele ano contra seu companheiro de Ferrari Phil Hill. Infelizmente a oportunidade de se tornar o primeiro alemão campeão mundial de automobilismo encontrou o trágico desfecho na segunda volta do GP da Itália em Monza, ao se enroscar com o Lotus de Jim Clark e ser arremessado em direção ao público na parte final da reta que antecede a Parabólica. 

Agora, 23 anos depois, a Alemanha voltava a ter a oportunidade de ter um piloto local campeão do mundo. Jochen Mass e Stefan Bellof, cada um em seus Porsche 956 nas cores da Rothmans, eram os únicos que podiam chegar a essa conquista. 

Bellof era o "Golden Boy" germânico, com boas campanhas nos fórmulas e principalmente nos protótipos, onde conseguiu um destaque ímpar ao andar no mesmo time - ou até mais - do que senhores consagrados dessa disciplina como Jacky Ickx, Derek Bell, Henri Pescarolo, Hans Joachim Stuck e outros. Era sabido de sua enorme capacidade em extrair o máximo daquele Porsche 956 e suas falas ao chegar para aquela derradeira etapa, mostrava a sua tenacidade: “Venho para a Austrália para vencer esta corrida junto com Derek e a chance é boa. Permanecemos na pole position, mas é uma corrida de 1000 km e é uma longa distância. Temos muitos carros mais lentos aqui e, portanto, temos que ir com muito cuidado.”, comentou Stefan logo após a obtenção da Pole Position em Sandown.

Ao seu lado, Jochen Mass possuía a experiência e agora tinha a oportunidade de conquistar seu primeiro título no motorsport, mas sabia que a chance de bater Bellof era bem díficil: “É particularmente desagradável para mim, porque eu só posso vencer, e se Bellof chegar em segundo, ele ainda vencerá.”. Para esta corrida final, ele e Jacky Ickx conquistaram a segunda posição, ficando ao lado do pole Bellf/ Bell.

Essa prova não teve a presença da Lancia, que havia vencido a prova de Kyalami. Com o Campeonato de Marcas já definido e sem ter nenhum de seus pilotos na disputa pelo Mundial de Pilotos, a equipe decidiu não enviar seus LC2 para Sandown.

Essa prova contou com a presença feminina: à bordo de um Gebhardt JC842-BMW #73 para Margie Smith-Haas/ Sue Ransom/ Cathy Muller. Elas abandonaram a prova na 95ª volta com problemas na suspensão.

Abaixo a lista com os 29 inscritos para a Sandown 1000, realizada no dia 2 de dezembro de 1984


A corrida

A volta de apresentação para os 1000km de Sandown Park, com o Porsche #1 liderando o #2 e o #3.
Provavelmente o #2 deve ter se atrasado, permitindo o avanço do #1 na saída


A pole position na geral ficou para o Porsche 956 #2 de Bellof/ Bell com o jovem alemão estabelecendo a marca de 1'31''600, se redimindo de uma acidente na sexta-feira quando bateu o Porsche e danificou a suspensão traseira. No Grupo C2 a pole ficou para o Tiga GC84 Ford #70 de Gordon Spice/ Neil Crang (Jim Trueman não competiu) com o tempo de 1'38''000; o Lola T600 #131 de Jim Cook/ Chuck Kendall/ Peter Fitzgerlad foi o pole na IMSA GTP com o tempo de 1'39''500; e no Grupo B o BMW M1 #106 de Helmut Gall/ Altfrid Heger ficou com a posição de honra ao marcar 1'50''00. 

A largada foi um presente momentâneo para a torcida australiana que viu Alan Jones pular de terceiro para primeiro, conseguindo ficar na primeira posição naquela volta inicial, mas Stefan Bellof recuperaria a ponta ao final daquela. Jochen Mass teria uma dificuldade a mais quando acabou rodando numa mancha de óleo e caiu para 15º. 

Enquanto a corrida estava tranquila para Bellof, os demais tinham trabalhos mais puxados: Jones precisou usar de todas táticas possíveis para segurar o Porsche 956 #33 da Skoal Bandit conduzido por Thierry Boutsen, mas perderia a segunda posição voltas depois. Outras disputas pelas demais posições, como a de Jan Lammers (Porsche 956i #14) contra os Porsches #11 de Manfred Winkelhock e #7 de Klaus Ludwig.

As paradas de box mudaram um pouco o panorâma: Bellof entregou o #2 para Derek Bell na liderança, mas essa posição seria tomada por David Hobbs quando este assumiu o comando do #33 que já havia tomado de volta a segunda posição do #1 - este que fizera uma ótima prova de recuperação pelas mãos de Jochen Mass e que agora estava sob os cuidados de Jacky Ickx, ocupando a terceira posição - quando o Safety Car saiu da pista após uma breve intervenção por conta do acidente do URD #90 de Jens Whinter. 

O Porsche 956 #33 da John Fitzpatrick Racing: foi o único a dar combate aos Porsche de fábrica
(Foto: Motorsport Images)


Com mais paradas e agora com Bellof e Boutsen assumindo seus respectivos Porsches, o duelo das duas jovens estrelas foi um dos pontos altos da corrida, com os dois entrando numa disputa acirradíssima e que seria vencida por Stefan mais adiante. Neste momento uma situação já deflagrada algumas voltas antes, foi a condição do asfalto que começou a se desfazer em algumas partes e isso passou afetar não apenas as condições de aderência, mas também causando uma série de furos de pneus. 

Nessa toada de furos que passaram a acontecer de forma corriqueira, o azar se implantou no Porsche #14 da GTi Engineering que teve um total de 12 paradas de box que não estavam no cronograma, causadas justamente pelos furos. Outra dupla que teve seus azares, complicando ainda mais o cenário já dificil, foi do Porsche #1 que teve um total de seis furos. Ao final da corrida, a Dunlop divulgou um total de 59 furos durante toda a prova.

O azar abateu sobre o Porsche #33 da Skoal Bandit, justamente o único a dar trabalho para os Porsche Rothmans nessa edição, especialmento o #2, quando o problema elétrico forçou a retirada do belo carro verde e branco na volta 171. Dessa forma, o sofrível Porsche #1 de Ickx/ Mass, com três voltas de atraso para o Porsche #2, assumia a segunda posição e o outro Porsche tão azarado quanto, o de #14 de Jonathan Palmer/ Jan Lammers, subiu para terceiro. 

(Foto: Motorsport Images)
A corrida ficou assim até o desfecho na volta 206, muito abaixo das 259 programadas, quando esta
atingiu as 6 horas regulamentares caso não chegasse aos 1000km. Dessa forma, Stefan Bellof, tornava-se o novo Campeão do Mundo de Pilotos de Endurance com 138 pontos contra 127 de Jochen Mass. Derek Bell foi quem conduziu o Porsche #2 na fase final e ajudou seu companheiro a chegar ao título, que também poderia ter sido seu caso não tivesse priorizado a IMSA naquele período. Mas o veterano inglês não lamentou: 
"Ganhei com Al Holbert na América cinco corridas este ano, e com Stefan ganhei quatro", destacou Bell que ainda completou "Foi meu ano mais agradável de corrida porque corri muito com o melhor carro do mundo."

Stefan Bellof, agora como Campeão do Mundo, também agradeceu a todos pela jornada vitoriosa: “Tenho que agradecer aos mecânicos e também ao Derek, ele fez seu trabalho muito bem e me ajudou a ganhar este título”. Vinte e três anos depois da quase conquista de Von Trips e dez anos antes do título de Michael Schumacher, Bellof tornara-se o primeiro alemão Campeão Mundial no automobilismo. 

Nas demais classes, Gordon Spice/ Neil Crang venceram na C2 com o Tiga #70; Jim Richards/ Tony Longhurst levaram o BMW 320i #62 a vitória na classe Australian Cars; o BMW M1 #106 de Helmut Gall/ Altfrid Heger venceu no Grupo B. 

Para os campeões australianos, a corrida acabou sendo bem discreta: Jones, junto de Vern Schuppan, fechou em oitavo após enfrentar problemas mecânicos e também furos nos pneus. O veterano de guerra Jack Brabham, junto do novato Johnny Dumfries, não completaram a prova. 

Apesar da corrida tenha sido muito boa pelo lado esportivo, as coisas não foram das melhores na parte financeira. A LCCA esperava um número de 40.000 espectadores para essa etapa, porém não chegou mal aos 13.800 - enquanto algumas partes indicavam que poderiam ter ficado abaixo dos 10.000 espectadores. Mas o erros operacionais em não ter fechado um acordo com uma grande patrocinadora e também não ter uma TV para a transmissão da corrida - que foi fechada em cima da hora com a ABC assumindo a função - foi um dos pontos levados para este fracasso; isso sem contar com a data sendo marcada no mesmo dia de dois grandes eventos esportivos na Austrália, onde os principais canais de TV estavam engajados: o Aberto da Austrália em Melbourne (que foi transmitido pela Seven Network) e uma partida de Críquete entre Victoria e as Índias Ocidentais, também em Melbourne (transmitido pelo Canal 9). Além destes eventos esportivos, adiciona o fato da eleição australiana ter acontecido no mesmo dia (este sendo acompanhado pelo Canal 10), o que complicou bastante o acordo para que algum canal pudesse assumir a retransmissão para o exterior. Todo essa pacote de desastres contribuiu para que o prejuízo financeiro do Light Car Club of Australia girasse em torno dos 300.000 e/ou 500.000. O maior problema é que não aprenderam com a lição e em 1988 organizaram uma prova de 360km ali mesmo em Sandown Park que foi de igual fracasso, destruindo de vez o Clube.


Os Porsches na Princes Highway

A foto que tornou-se um clássico dos anos 1980: a trinca de Porsche 956 na Princes Highway
(Foto: Porsche Cars Australia)


Bem, hoje em dia este tipo de ação é bem comum, ao levar carros de corridas para um desfile pelas ruas da cidade que vai receber o evento. É uma ótima forma de mostrar aquelas máquinas para o público e atiçar a curiosidade para que possam conferir um pouco mais destes no autódromo. Mas ali, na metade dos anos 1980, não era uma prática tão comum. 

Allan Hamilton foi um piloto australiano que construiu sua carreira pilotando Porsches nos anos 1960 e 1970. Ele fundou a Porsche Cars Australia no decorrer dos anos e para aquela etapa do World Sportscar Championship de 1984 os três carros oficiais da Rothmans Porsche ficaram por lá na quinta-feira que antecedeu o fim de semana da prova após um treino para reconhecimento do circuito. 

Mas na manhã de sexta-feira, bem antes do inicio das atividades oficiais, os três Porsche 956 #1, #2 e #3 foram levados rodando pela Princes Highway, uma das principais avenidas da Noble Park, subúrbio de Melbourne, para o circuito de Sandown Park. Com a oficina ficando à 5km de distância, a ideia de Allan foi justamente em chamar a atenção e promover a prova - algo muito mais inteligente que a turma do LCCA. 

O fotógrafo Tony Johns estava nessa empreitada e relatou o acontecido: 

(Foto: Tony Johns)


“Marque uma boa postagem, mais algumas fotos daquele fim de semana. Eu fui um dos três sortudos membros da equipe a pegar uma carona naquela manhã!”

(Foto: Porsche Cars Australia)
“O que aconteceu foi que os três carros foram levados de volta após o treino de quinta-feira para uma função realizada na sede da Porsche Cars Austrália, e na manhã de sexta-feira foram levados
de volta ao circuito pelos mecânicos. Minha foto (acima) mostra Roger Watts subindo e a seção do nariz sendo encaixada após cruzar a sarjeta.”

“Um vizinho reclamou com a polícia, que veio e esperou o dia todo para pegá-los retornando, mas isso nunca aconteceu. Após a vitória e o campeonato mundial, os carros foram transportados de caminhão para Tullamarine e enviados de avião de volta para a Alemanha.”

“Allan recebeu todas as equipes no Noble Park, mas os Porsche de fábrica foram preparados em sua própria oficina de corrida.”

Apesar dos pesares, essa corrida em Sandown Park colocou a Austrália de volta no mapa dos grandes centros. Em um ano eles estavam recebendo o GP da Austrália na sempre festiva Adelaide - que nunca deixou de ofererer uma corrida modorrenta em suas 11 edições recebendo a Fórmula-1 (1985-1995) e mais tarde era a vez da Indycar invadir o belo traçado de Surfer's Paradise à beira mar para ótimas corridas. 

E sobre Stefan Bellof, essa conquista era um belo cartão de visitas para aquele que muitos apostavam ser um futuro campeão mundial de Fórmula-1. 

Vai saber o que teria sido dele caso não tivesse desafiado Jacky Ickx em Spa 1985.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Foto 1042 - Uma imagem simbólica


Naquela época, para aqueles que vivenciaram as entranhas da Fórmula-1, o final daquele GP da Austrália de 1994, na sempre festiva e acolhedora Adelaide, foi um alívio que aquela temporada tenha chegado ao final. Era possível sentir que a carga de um ano tão complicado e traumático trazia um cansaço mental absurdo - se colocando no lugar daqueles que estiveram naqueles dias acompanhando a Fórmula-1 in loco, imagino que a cada final de semana de Grande Prêmio houvesse um questionamento clássico do "O que estou fazendo aqui?". Era um pensamento natural após tantos acontecimentos que trouxeram inúmeros dissabores e também lembranças não tão boas, das quais muitos carregariam as marcas para o resto de suas vidas. 

Olhando hoje, exatos 30 anos, é possível saborear aquele capítulo final em Adelaide onde dois novos contendores ao título de pilotos se preparavam para o último duelo que poderiam levá-los ao olimpo do esporte à motor: o jovem e espetacular Michael Schumacher, o expoente de uma nação que agora tinha por quem reverenciar após anos sendo apenas meros coadjuvantes num esporte onde haviam sido reis num passado bem distante. Do outro lado vinha Damon Hill, o cara que foi alçado de mero segundo piloto a primeiro da Williams após a perda de sua principal referência em Ímola, tornando-se um líder para enfrentar a potência que havia se tornado a Benetton Ford com Michael Schumacher no comando. Era a batalha do novo gênio da categoria vs a persistência daquele que poderia muito ter jogado tudo para o alto e seguido uma vida comum após a passagem de seu pai Graham Hill, que deixara a família numa pior. 

Aquela tarde de 13 de novembro de 1994 assistiu o embate entre estes dois contendores, onde Michael Schumacher liderava fortemente, mas sem nunca deixar de ver em seu retrovisor um esforçado Damon Hill que parecia querer repetir uma brilhante atuação como fizera semanas antes no dilúvio de Suzuka. A 36ª volta o controverso acidente entre os dois, selou a conquista à favor de Michael Schumacher abrindo, assim, o caminho para mais outros seis que viriam pelos próximos dez anos. Para Damon Hill, a coroação viria dois anos depois após uma disputa interna com Jacques Villeneuve.

Campeonato resolvido, mas não a corrida que agora estava entre dois veteranos de guerra: Nigel Mansell procurando a sua readaptação após ser chamado às pressas para ser um nome de peso no lugar de Ayrton Senna e ajudar Damon na cruzada pelo título, estava no encalço do seu antigo companheiro de Ferrari Gerhard Berger, que havia assumido a liderança - então com Mansell - após a parada de boxe de ambos. Reviveram as disputas de um passado recente, mas agora pela honra de vencer a derradeira do campeonato. Berger parecia ter as coisas sob controle quando errou na entrada da curva Stag e Nigel o passou para assumir a liderança e partir para a sua 33ª e derradeira conquista na Fórmula-1. Berger fechou em segundo e Martin Brundle acabou herdando uma improvável terceira após a punição de Stop & Go de Rubens Barrichello (quando este era terceiro) e o acidente de Mika Hakkinen quando, também, ocupava a terceira posição a três voltas do fim. 

A reunião destes três decanos no pódio foi uma bela festa, com Mansell chamando Berger e Brundle no ponto mais alto do pódio e depois "regendo" as entregas dos troféus para seus rivais. Foi um momento memorável e hoje, trinta anos depois, até mesmo emotivo se olharmos com atenção de que foi o fechamento de uma era muito boa para a categoria - ainda que os três tenham ficado por mais algum tempo, com Mansell saindo pelas portas dos fundos após a desastrosa passagem pela Mclaren em 1995; Brundle encerrando sua estadia pela Jordan em 1996; e Berger conseguindo um final mais digno, ao conquistar a vitória no GP da Alemanha de 1997 pela Benetton e fechando o campeonato na quinta colocação.

Apesar daquele final de campeonato ter sido um grande alívio para muitos, não se pode negar que, após trinta anos, o simbolismo de uma geração tão interessante acabou sendo representada por aqueles três que tiveram uma ligação quase que umbilical com os gigantes que habitaram a Fórmula-1 de 1980 até 1994. 

Era uma passagem de bastão até mesmo melancólica para a geração que tomava conta da categoria de forma feroz capitaneada por Michael Schumacher, mas que hoje é carregada de saudosismo. 

Foi uma bela época, sem dúvida.

domingo, 6 de outubro de 2024

Foto 1041 - José Carlos Pace, 1000km de Osterreichring 1972

 

(Foto: David Phipps/ 4Quatro Rodas)

Não é tão fácil ingressar numa equipe de ponta de uma grande categoria, e a coisa parece ainda mais complicada quando se trata da Ferrari que era uma das rainhas do World Sportscar Championship. José Carlos Pace era um dos pilotos brasileiros emergentes naquele período e sua ótima prestação no Campeonato de Fórmula 2 em 1971 fez abrir o interesse de Enzo Ferrari em tê-lo num dos protótipos da Scuderia. 

As ótimas impressões sobre Moco foram bem vistas quando ele participou de um teste com a 312P no início de junho de 1972 e na ocasião, em poucas voltas após alguns acertos - que incluíram o recuo no banco e regulagem na suspensão dianteira -, Pace conseguiu bater o recorde do circuito de Fiorano para os protótipos que era de Arturo Merzario. Além do recorde, conseguia, também, um vaga para pilotar um dos quatro 312P que seriam inscritos para os 1000km de Osterreichring, então 10ª etapa do Mundial de Marcas. 

Pace, incialmente, faria dupla com Brian Redman no comando do 312P #3, mas Clay Regazzoni acabou quebrando o braço quando jogava futebol e dessa forma algumas mudanças foram feitas: Redman passou para o carro #1 ao lado de Jacky Ickx, enquanto que Helmut Marko foi fazer dupla com Moco no #3. O Ferrari #2 ficou sob os cuidados de Ronnie Peterson/ Tim Schenken e o #4 para Arturo Merzario/ Sandro Munari. 

Pace e Marko fizeram bons treinos livres, incluindo a primeira posição de Moco no segundo treino livre quando pegou a pior situação de pista quando chovia forte. A dupla, através de Helmut Marko, ficou com a quinta posição no grid ao anotar 1'42''18. A pole foi do Mirage Ford de Gijs Van Lennep/ Derek Bell que anotou 1'40''60. 

Essa pole do Mirage Ford, assim como a segunda posição da dupla formada por Gerard Larousse/ Vic Elford (Lola T-280 da Écurie Bonnier), não foi páreo para a esquadra da Ferrari que já ocupava as 4 primeiras posições no fim da primeira volta (#1, #3, #2 e #4). A batalha ficava, assim, restrita aos quatro carros vermelhos, em especial os de #1 e #3 .

Houve uma série de revezamentos entres as duas duplas na ponta da corrida, chegando um ponto que ficava difícil apontar quem poderia, de fato, levar a conquista daquela décima etapa. Mas no final da última hora é que as coisas se decidiram: Pace assumiu o #3 na última hora e os contratempos começaram quando ele teve uma escapada e precisou trocar os pneus. O azar continuaria imediatamente após essa parada, quando um dos pneus furou em seguida e obrigou o brasileiro voltar para os boxes e realizar uma nova troca de pneus. Todos estes problemas fizeram perder duas voltas para o duo Ickx/ Redman. A parte final da corrida foi de pura velocidade de Pace, que conseguiu descontar uma volta para o 312P #1, garantindo de vez a segunda posição da dupla. A Ferrari ainda fecharia as outras duas posições com o #2 em terceiro e o #4 em quarto.

Essa prova contou com a participação de Luiz Pereira Bueno e Tite Catapani com o Porsche 908/2 inscrito pela Equipe Hollywood. A dupla marcou o sétimo melhor tempo na qualificação e na corrida ocupava a mesma posição quando, após um toque do Ferrari #3 pilotado por Helmut Marko, o Porsche acabou escapando e batendo. Apesar do esforço de Luiz, tiveram que abandonar no final da primeira hora. 

Ainda sobre José Carlos Pace, ele elogiou o carro, ainda que tivesse lidado com saída de traseira e também com problemas na direção do Ferrari. 

Na etapa final do campeonato, nas 6 Horas de Watkins Glen, ele correu pela Gulf Racing dividindo o Mirage Ford com Derek Bell. A dupla fechou em terceiro na ocasião. 

Pace completaria neste 6 de outubro, exatos 80 anos.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Foto 1040 - Charles Pozzi, 24 Horas de Le Mans 1949

 


O Delahaye 17S da equipe de Charles Pozzi num dos estágios das 24 Horas de Le Mans de 1949. O próprio Pozzi, em dupla com Eugène Chaboud, estiveram no comando do carro francês até a volta 52 quando abandonaram por problemas elétricos.

Essa edição de 1949 das 24 Horas de Le Mans era a retomada da famosa prova após dez anos e no final desta, que contou com 49 carros, teve a vitória na geral do Ferrari 166MM #22 inscrito por Lord Selsdon que dividiu o comando com Luigi Chinetti - onde Chinetti teria conduzido por 23 horas, já que Selsdon estaria embriagado por conta de altas doses de conhaque. 

Sobre Charles Pozzi, este acabaria por ter uma passagem bem pitoresca: quando Pozzi estava no comando do Delahaye, ele se deparou com a falta de água no radiador - ele e Chaboud realizavam suas paradas de box a cada 25 voltas e neste intervalo não podiam parar para reporem os líquidos - e com o carro superaquecendo cada vez mais, ele precisou recorrer a um grupo de pessoas que estavam realizando um pique-nique próximo a Tertre Rouge, pedindo um pouco água. Para seu azar, eles não tinham, mas o problema foi parcialmente resolvido quando eles ofereceram... leite para que fosse usado no radiador. Charles não pensou duas vezes e colocou no radiador do Delahaye, mas talvez ele não soubesse que o leite chega à fervura aos 90 graus e durante o trajeto para conseguir chegar aos boxes, ele pôde observar que a bebida havia fervido e vazado pelos escapes. 

Isso aconteceria novamente no ano seguinte, quando ele, em posse do Delahaye de mesmo modelo, mas agora inscrito pela Equipe Lutetia e tendo Pierre Flahault como parceiro, precisou abastecer com água - que desta vez conseguiu, através de um senhor que trabalhava numa lavoura ali próxima - e completou o reservatória que estava sem o lacre de inspeção, que foi colocado justamente para que os pilotos não colocassem mais água sem que fosse nos boxes. Charles Faroux, um dos três que ajudaram a criar as 24 Horas de Le Mans, era o diretor da prova (tendo exercido essa função desde 1923 até 1956) e acabou desqualificando Pozzi. Segundo relatos, a decisão foi anunciada nos alto falantes e o público presente teceu "elogios carinhosos" à Faroux, com os operadores de som precisando abafar os protestos com música alta. 

Charles Pozzi foi um bom piloto em voiturettes e sport, tendo conquistado vitórias no GP de Comminges de 1949 e as 12 Horas de Casablanca de 1952. Em Le Mans, como piloto, ele teve 4 participações e a sua melhor colocação foi em 1953 quando ficou em oitavo na geral com um Talbot Lago T 26 GS que dividiu com Pierre Levegh. 

Além de piloto, Pozzi foi o principal importador da Ferrari na França por mais de três décadas, sendo que a sua importadora foi adquirida pela Ferrari no final dos anos 90.

Pozzi faleceu em fevereiro de 2001 aos 91 anos na cidade de Levallois-Perret.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Foto 1039 - Bernd Rosemeyer, Roosevelt Raceway 1937

 

(Foto: Adam Gawliczek) 

Um momento de descontração antes do embate dos europeus vs americanos pela 13ª edição da Vanderbilt Cup, realizada no antigo Roosevelt Raceway. 

Essa corrida foi uma semana antes do GP da Bélgica, o que forçou as equipes da Mercedes, Auto Union e Scuderia Ferrari a dividirem o contingente para cobrir os dois eventos - como não havia vôos comerciais naquele período, os pilotos que competiram na Vanderbilt Cup acabaram voltando de navio com chegada prevista para 13 de julho, dois dias após a realização do GP belga. No lado da Mercedes, com os seus W125, Rudolf Caracciola e Richard Seaman seguiram para os EUA enquanto que Hermann Lang, Manfred Von Brauschitsch e Christian Kautz pilotaram em Spa; a Auto Union levou dois Type C para Bernd Rosemeyer e Ernst Von Delius para o Roosevelt Raceway e quatro Type C ficaram para Hans Stuck, Luigi Fagioli, Rudolf Hasse e Hermann Müller na Bélgica; a Scuderia Ferrari seguiu o mesmo caminho ao levar dois Alfa Romeo 12C-36 para Tazio Nuvolari - então vencedor da edição de 1936 da Vanderbilt Cup - e Giuseppe Farina e na Bélgica Raymond Sommer e Carlo Felice Trossi comandaram os outros dois 12C-36. 

A corrida na América teve um grande contingente contando um total de 38 inscritos para 30 lugares no grid de largada. Na grande lista contavam nomes como os de Kelly Petillo, Wilbur Shaw, Bill Cummings, Milt Marion, Rex Mays, Babe Stapp, Joel Thorne, personagens que dentro de pouco tempo estariam gravadas na história do motorsport americano. A prova distribuiu prêmios do primeiro ao décimo, sendo que o vencedor levava 20 mil dólares e o décimo 1.400 dólares e os outros vinte levando uma quantia de 500 dólares.

A qualificação consistiu na média de nove voltas (dividida a cada três passagens) e Rudolf Caracciola acabou por fazer a pole, seguido por Bernd Rosemeyer e Rex Mays, que conseguiu um ótimo terceiro lugar com uma Alfa Romeo 8C-35 cujo carro foi o reserva da Ferrari na edição de 1936.

No dia da corrida, que seria num sábado, dia 3 de julho, acabou não acontecendo devido as fortes chuvas que caíram justamente quando os carros estavam no grid. Isso levou a organização a não realizar a prova, visto que o perigo era considerável naquela condição - e você pensando que isso acontece apenas nos dias atuais, não é mesmo caro leitor. Dessa forma, a prova foi transferida para a segunda-feira, 5 de julho. Curiosamente o sol chegou a voltar, secando parcialmente a pista, mas em seguida voltaria a chover com força. 

A corrida foi realizada na segunda-feira com a largada às 14 horas locais. Rosemeyer e Caracciola travaram grande duelo desde a primeira volta, com o piloto da Auto Union conseguindo um melhor arranque, mas perdendo a liderança para Rudolf na terceira volta. A disputa entre os dois melhores pilotos da Alemanha continuou até o momento em que Rosemeyer reassumiu a liderança na volta 11 e terminaria a batalha quando Caracciola abandonou a corrida na volta 17 por problemas de motor. 

Esta prova teve bons destaques, começando por Rex Mays que se manteve entre os primeiros durante toda a prova e fecharia num ótimo terceiro lugar; Billy Winn, pilotando um Summers-Miller, teve um inicio promissor chegando a ocupar a quinta colocação, mas teria uma avaria na transmissão que forçou o seu abandono na volta 8; o mestre Tazio Nuvolari estava em grande forma nessa edição, mas o fato de forçar demais os Alfa Romeo, custou caro: inicialmente teve uma quebra de motor na volta 16 quando estava em quarto e se aproximando de Mays. Ele abandonou, mas acabaria pegando o carro de Farina - que ocupava a quinta posição - para tentar escalar o pelotão. O mantuano continuou à toda velocidade, mas teria novamente problemas no motor na volta 50 quando havia subido para quarto. Ele abandonou a corrida definitivamente após entregar o agora problemático Alfa à Farina que ainda salvou um quinto lugar. 

Apesar do abandono de Caracciola parecer ter facilitado as coisas para Rosemeyer, o piloto alemão ainda teve em Richard Seaman um oponente a se preocupar. O inglês da Mercedes chegou liderar a corrida nas ocasiões onde Bernd ia aos boxes para as suas paradas, mas chegando ao final da corrida é que o perigo pareceu mais claro quando Richard se aproximava rapidamente de Rosemeyer. Para azar de Seaman - e sorte de Bernd - o inglês teve que realizar uma parada extra nos boxes. 

Bernd Rosemeyer venceu a prova com 51 segundos de vantagem sobre Seaman, que foram acompanhados por Rex Mays em terceiro, o melhor piloto americano na prova, Von Delius em quarto e Farina/ Nuvolari em quinto. Os americanos ainda tiveram Joel Thorne em sexto; Snowberger em sétimo; Wilbur Shaw em oitavo; Bill Cummings, que teve queimaduras no braço e tornozelo por conta de um vazamento de óleo, ficou em nono; e Herb Ardinger em décimo. 

Essa edição da Vanderbilt Cup foi a última realizada, voltando apenas em 1960 com a vitória ficando para Harry Carter com um Stanguelini da Fórmula Júnior no mesmo Roosevelt Raceway - esta que foi a última edição famosa prova neste circuito.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Foto 1038 - Quando conheci Wilson Fittipaldi

Wilson Fittipaldi na época da GT3 Brasil
(Foto: Instagram)


Nestes quase 22 anos frequentando Interlagos, tive a oportunidade de estar junto de pessoas que até então eram praticamente inalcançáveis, justamente por estar apenas do outro lado da telinha e ver aquilo como um sonho que, um dia, quem sabe, poderia realizar.

Nessa toada de poder dividir espaço com pessoas divinas, estive ao lado do Wilsinho Fittipaldi em algumas ocasiões quando ele foi por algum tempo comissário nas provas do Campeonato Paulista de Automobilismo ali no finalzinho dos anos 2000, justamente num período que ele retomou a sua vida de piloto para correr em algumas temporadas do saudoso GT Brasil ao lado do seu grande irmão Emerson Fittipaldi no Porsche 911 da equipe do Washington Bezerra - para nós que não pudermos vê-los no auge de sua juventude, foi uma dádiva vê-los em competição.

Naquele tempo eu ficava na antiga torre de controle de Interlagos - como um conhecido meu dizia, “era de lá que víamos o bicho pegar” - e de vez em quando levava anuários e revistas do meu acervo para que pudéssemos folheá-las quando as coisas estivessem mais “calmas”. Foi exatamente numa dessa que levei o anuário “O Ano do Automóvel 1974/ 1975” para que ele pudesse autografar. Ficávamos no terceiro andar e num dos raros momentos de pausa que o Campeonato Paulista nos dá, fui até ele e pedi para autografar uma das páginas, onde ele justamente aparecia a bordo de sua obra prima, o FD-01. Sentado no canto direito da antiga torre, que dava vista a toda reta oposta e entrada e contorno do Larajinha, ele gentilmente pegou a caneta, abriu um sorriso, escreveu seu nome de forma abreviada “W.Fittipaldi” e me entregou o anuário. Agradeci e saí para o outro lado, feliz como uma criança que havia acabado de ganhar um brinquedo - e detalhe é que este mesmo anuário seria autografado meses depois pelo Emerson em duas páginas.

A primeira vez que tive contato com o nome do Wilsinho remonta a sua participação na Stock Car, principalmente quando ele pilotou um Omega com as cores da Marlboro que, para nós que vivenciamos a era de ouro dos patrocínios marcantes, este é um dos mais emblemáticos da história do motorsport. Ter um carro com as cores da famosa marca de cigarros correndo num campeonato nacional, era sinônimo de associar de imediato com os carros da Mclaren e Penske.

O Manual do Automobilismo da Disney também deu um pequeno espaço para o Copersucar Fittipaldi, trazendo um resuminho bem bacana para a molecada se interar sobre a equipe brasileira chefiada por Wilsinho. Foi naquele momento, lá na metade dos anos 1990, que pude começar a entender a grandeza de Wilson à frente do projeto brasileiro que, junto do saudoso Ricardo Divila e Emerson Fittipaldi, puderam colocar o sonho de entrar no mais alto nível de competição que era a Fórmula-1 já naquele período da década de 1970. Foi uma epopeia árdua, que renderam momentos magníficos para o nosso motorsport nacional, quando Emerson chegou ao segundo lugar no GP do Brasil de 1978 realizado em Jacarepaguá. Uma pena que a falta de apoio e maior paciência não deram um norte à equipe, mas ficava claro que se as coisas caminhassem bem, podiam ter ido muito além.

Eu já em Interlagos, agora em 2006, tive a oportunidade de ver o FD-01 lindamente restaurado com apoio da DANA e que foi levado à pista algumas semanas antes e depois foi o carro madrinha nas Mil Milhas daquele ano e claro, com Wilsinho ao volante de sua cria.

Mas de todas essas a que mais eu tive satisfação em ver, ainda que não tenha sido em loco, foi a sua vitória nas Mil Milhas de 1994 ao lado de seu filho Christian Fittipaldi. Foi justamente nessa que eu pude descobrir a grande prova e ao mesmo tempo, presenciar uma das mais emotivas conquistas de pilotos brasileiros nessa prova, justamente envolvendo pai e filho numa mítica corrida criada ainda nos anos 1950 e realizada pela primeira vez em 1956 pelo Grande Wilson “Barão” Fittipaldi ao lado de Eloy Gogliano. Certamente o Barão, que esteve no grid da prova, ficou feliz em ver seus herdeiros vencendo pela primeira vez a lendária corrida.

Wilsinho ainda teve todo tempo para ajudar a desenvolver o forte campeonato da Fórmula Vee - revivendo sua criação que ele e Emerson fizeram por aqui nos 1960 - aqui em São Paulo, que faz parte do nosso Campeonato Paulista há mais de dez anos. Junto de seu amigo de longa data, Ricardo Divila, esteve no comando da reformulação do carro e também atuou como conselheiro por ali. É mais um dos legados deixados por estes dois grandes gênios do nosso motorsport.

Wilson fazia aniversário dois dias após este que vos escreve, tendo nascido em 25 de dezembro de 1943 e vivido uma vida a pleno, conseguindo deixar uma marca indelevel no nosso motorsport de uma forma que, para aqueles que um dia possam ler sobre a sua vida, possam saber o tamanho da contribuição que ele deu ao no automobilismo.

O homem que ajudou a dar vida a um dos mais corajosos projetos do nosso automobilismo, nos deixou hoje aos 80 anos.

Nosso eterno agradecimento.

 

Parte do Manual de Automobilismo lançado ainda nos anos 1970

O autógrafo de Wilson Fittipaldi no Anuário "O Ano do Automóvel 1974/ 1975"

sábado, 30 de dezembro de 2023

Foto 1037 - Adeus, Gil


Gil De Ferran em Portland 2001 
(Foto: Rick Cameron/ Flicker)


Gil De Ferran desempenhou um papel importante no nosso automobilismo lá fora. Ele e André Ribeiro, para falar a verdade, foram caras importantes para manter a moral do torcedor brasileiro elevada após os acontecimentos de 1994 e a forçada aposentadoria de Emerson Fittipaldi em 1996.


Eram dois caras dos quais a gente depositava uma mega esperança nas corridas quando ligávamos a TV no domingo, trocando a tradicional manhãs pelas tardes, esperando ansiosamente pela performance destes - ao lado de Christian Fittipaldi - na esperança de vitórias. Foi emocionante ver a gigante conquista de Ribeiro em Jacarepaguá 1996 e de bater palmas pela magnífica conquista de Gil em Portland no mesmo ano. Estávamos bem representados e melhor: o sentimento de que poderíamos voltar a gritar a plenos pulmões que éramos campeões de uma categoria top, era bem possível.

Como sabemos bem - aprendendo as duras penas - vimos que o automobilismo é ingrato - apenas a vitória de Maurício Gugelmin em Vancouver 1997 foi o fio de esperança que nos agarramos por quase dois anos até Gil voltar a vencer em Portland 1999. Um alívio e tanto, diga-se.

A transferência de Gil para a Penske renovava ess esperança a partir de 2000 e ele não decepcionou, ao cravar os dois títulos na categoria em 2000 e 2001 de forma espetacular - como não vibrar com a ultrapassagem sobre Kenny Brack em Rockingham nas voltas finais? De quebra, ele ainda se tornaria o homem mais veloz do mundo num circuito ao cravar 241,428 mph (388,541 km/h) na qualificação para as 500 Milhas de Fontana de 2000, prova que ele acabaria por vencer. E três anos depois, ele entraria para o Olimpo do Motorsport mundial ao vencer as 500 Milhas de Indianápolis, formando uma inédita trinca brasileira, com Hélio Castroneves em segundo e Tony Kanaan em terceiro.

A imagem de Gil vencendo com um carro nas cores da Marlboro, automaticamente o associou a um dos momentos mais brilhantes do nosso esporte onde Emerson e Ayrton conseguiram boa parte de seus feitos trajando as cores da famosa marca de cigarros, que virou sinônimo de vitória por aqui e ajudou a resgatar o orgulho de vermos um piloto brasileiro no mais alto lugar do pódio. E claro, ajudou a pavimentar um caminho que já estava sendo muito bem aproveitado por Hélio Castroneves e Tony Kanaan.

A sua partida neste 29 de dezembro deixa uma lacuna imensurável no nosso motorsport, mas ao mesmo tempo nos trás as melhores lembranças de um período vitorioso quando ainda olhávamos com desconfiança se algum piloto daqui ainda chegaria a um importante título.

Foi um período glorioso e podemos, sim, afirmar, que foi a segunda era dourada do nosso Motorsport, mas desta vez na terra dos ianques.

O que nos resta agora é fazer um tributo e não deixar que seu legado seja esquecido.

Obrigado por tudo, Gil de Ferran.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Foto 1036 - O fim de uma bela época

(Foto: Sutton Images)

Final de temporada no GP da Austrália era sempre uma bela festa. Talvez pudéssemos até mesmo considerar como um "GP Amistoso", já que quase sempre o campeonato chegava ali decidido - exceto a excelente prova de 1986 que coroava pela segunda vez consecutiva Alain Prost como campeão do mundo. Mas aquela de 1993 envolvia muita coisa, não apenas por se tratar da corrida final daquela temporada, mas também por ser os derradeiros de dois dos maiores personagens da categoria naqueles últimos nove anos: Alain Prost e Ayrton Senna chegavam ao final de suas carreiras, mas de formas diferentes. O francês estava na sua última jornada num carro de Fórmula-1 já carregando seu recente quarto título mundial que fora conquistado no Estoril. O brasileiro, ainda em forma, estava discutindo o vice campeonato contra Damon Hill que seria o seu futuro companheiro de Williams em 1994, justamente no lugar de Prost. 

O final de semana foi o melhor dos mundos para o piloto brasileiro: motivado, ele conquistou uma impressionante pole com mais de meio segundo de vantagem sobre Alain e Hill, que apareciam em segundo e terceiro respectivamente. Na corrida, a vitória veio quase de ponta a ponta - Prost conseguiu liderar entre as volta 24 à 29 -, e Ayrton acabou chegando com nove segundos de vantagem sobre o francês e trinta e três sobre Damon, numa corrida em pista seca onde ele pôde dominar amplamente os pilotos da Williams que experimentavam novos acertos em seus FW15 já que os problemas nos treinos os deixaram bem abaixo de uma possível luta contra Ayrton Senna e sua Mclaren Ford. Azar de uns, sorte de outros e nisso Senna acabava por conquistar seu vice-campeonato com 73 pontos contra 69 de Hill.

Emoções

(Foto: Pinterest)

Bem como dito anteriormente, essa prova australiana era uma tremenda festa de encerramento, mas desta vez as coisas estão mais sensíveis. Ayrton Senna está em sua derradeira corrida pela Mclaren, um local que lhe deu a oportunidade de conquistar seus três títulos mundiais e automaticamente ser lançado à piloto por excelência da história da equipe - algo que perdura até os dias atuais. Todos os movimentos ali dentro parecem ser bem cuidadosos para que fosse um desfecho dos melhores para todos - e o que acabou sendo com a conquista de Ayrton, que ainda renderia à equipe o vice no Mundial de Construtores e o recorde absoluto de vitórias na F1 (104) , além do próprio ter ampliado sua marca pessoal na equipe para 35 vitórias. "O mais importante é guardar os bons momentos que vivemos juntos, e quero agradecer a todos os patrocinadores como Shell, Marlboro, Boss, Honda, e todos os que me ajudaram. Ganhei amigos e o respeito deles. E tenho por eles os mesmo sentimentos. Isso é o mais importante. Esta temporada deu-nos um desafio muito duro, que enfrentamos".

Do outro lado da trincheira, Alain Prost também sinalizava o fim de sua estadia na categoria o que viu erguer quatro taças de Campeão Mundial e, obviamente, tornar-se um dos maiores da história, ficando agora apenas atrás de Juan Manuel Fangio em número de títulos, mas carregando para ele o recorde absoluto de vitórias (51). "Quando se sabe que enfiamos o capacete integral pela última vez, e que pomos as luvas pela última vez, e que escorregamos para dentro do cockpit de um F1 pela última vez, é muito dificil manter a concentração. Hoje estava realmente motivado. Queria fazer uma boa corrida. Mentalmente não é nada fácil abordar a nossa última corrida: queremos fazer o melhor possível, evitando ao máximo cometer um erro. Fiquei feliz em por ter subido ao pódio. Claro que teria gostado ganhar, mas foi dificil. Esforcei-me muito para manter a concentração. Paciência: é o fim da história. Depois da bandeirada, na minha volta de arrefecimento, disse para mim próprio que podia suspirar: em treze temporadas de F1, nunca me feri gravemente!''

Em torno de toda essa atmosfera e fim de festa - e até mesmo com uma pitada de melancolia - o que boa parte esperava era de uma reconciliação entre os dois melhores pilotos dos últimos tempos. Segundo Prost, ele chegou procurar Senna entre as duas provas finais, mas o brasileiro não lhe deu retorno. Porém, um primeiro gesto dado pelo brasileiro assim que terminou o briefing dos pilotos - onde Roland Bruynsereade encerrou a reunião com "Alain, obrigado por tudo que você fez e boa sorte em sua vida", que logo tomada por uma salva de palmas e cumprimentos dos pilotos que lá estavam, inclusive Senna. 

Ao terminar da corrida, no parque fechado, eles também se cumprimentaram, sempre com Ayrton a dar o primeiro passo. No pódio, a cena que tornou-se icônica: um pouco antes da premiação, Ayrton puxou Prost para o alto do pódio e fez o mesmo com Damon Hill. Pouco tempo depois, voltaria a fazer ao puxar Alain para o primeiro lugar quando os troféus foram distribuídos. Os aplausos esfuziantes do público que estava logo abaixo do pódio, demonstra o tamanho da admiração por estes dois gênios e também da atitude de Senna para com Prost. 

A coletiva de imprensa continuou com a mesma atmosfera alegre entre os dois agora ex-rivais, com risadas e desabafos alegres dos dois grandes pilotos: "Devemos privilegiar essa imagem desportiva. Ayrton e eu passamos bons momentos juntos, principalmente em 1988. Com a minha saída, o melhor é relembrar apenas as boas lembranças, os aspectos bons da nossa rivalidade esportiva", disse Alain Prost que foi seguido por uma fala descontraída de Senna: "Na Mclaren, o maior problema que encontramos foi simples: Alain queria sair do circuito o mais rápido possível para ir jogar golfe! Impossível, forcei muito, os briefings duraram horas! Ele ficava me dizendo: 'Vamos, acabe com isso, quero ir jogar golfe!' Lembro-me perfeitamente!." Ayrton encerraria a conversa naquela coletiva ao analisar rapidamente aquele pódio em Adelaide: “O que podemos dizer hoje? Nossa atitude falou mais do que todas as palavras que poderíamos dizer com mais ou menos habilidade. Apenas os gestos realmente contam. Foi um belo pódio. Ele refletiu meus sentimentos. Dele também, eu acho".  

Alain já havia se reunido com os membros da Williams na quinta-feira em um restaurante no centro de Adelaide, onde acabou recebendo de presente dos mecânicos uma embreagem de presente após uma sessão no karaokê. 

Já Ayrton reuniu-se com o pessoal da Mclaren naquela mesma noite do GP para a confraternização final, onde o brasileiro foi agraciado com um quadro entregue por Jo Ramirez e mais tarde ele foi ao show da Tina Turner que o convidou para o palco quando ela estava para cantar "Simply The Best", tornando único aquele momento.


A melhor tradução de uma história


(Foto: Pinterest)

"
Como nas cédulas de dinheiro, revelando em filigrana o rosto de uma personagem célebre, a carreira de Alain Prost teve sempre a sombra de Ayrton Senna. Desde 2 de junho de 1984, num GP do Mónaco chuvoso que revelara o novo prodígio, o cenário da Formula 1 se articulou à volta destas duas personagens principais, que chegaram ao paroxismo de sua rivalidade em 1988 e 1989, os anos da sua coabitação na McLaren, levados com inteligência, mas pontuados por uma severa rutura.

Durante estes quase dez anos, os feitos de Prost não teriam talvez tido a mesma importância se Senna não existisse, e o contrário também é verdade. Será agora necessário nos habituarmos à ideia de um sem o outro. Como um casal jamais separado. Senna sem Prost, será um pouco D.Quixote sem o seu Sancho Pança.

Se já dá para sentir o vazio que a aposentadoria de Prost vai trazer a partir de 1994, Senna ficará ainda mais orfão que todos nós. Ao volante do seu Williams-Renault, o brasileiro, o último Campeão do Mundo ainda em atividade, vai se sentir bem solitário, mau grado todos esses jovens ainda longe de terem atingido a sua dimensão: Schumacher, Hill, Hakkinen e o nosso Alesi.

A sua caça aos recordes de Prost, notadamente o de vitórias, para o qual já só restam dez sucessos, fará provavelmente sobresair ainda mais a sua ausência do seu alter ego. Senna sabe tudo isso. como homem inteligente e sensível, não pode deixar de pensar nisso no momento em que derramou uma lágrima dpeois da chegada deste emocional GP da Austrália. Este romance que acaba de chegar ao fim com o adeu de Alain Prost, é também um livro que se fecha sobre ele. Na sua nova vida que chega, haverá um pouco da sua juventude que se vai."

Tive contato com este texto assim que ganhei o anuário 93/94 do grande Francisco Santos, jornalista português que é uma das minhas grandes fontes de inspiração, e ele foi reproduzido na parte final que trata do GP da Austrália. Este foi escrito pelo francês Francis Reste e foi publicado na segunda-feira do pós GP no jornal francês L'Équipe. 

Foi a tradução perfeita de dois personagens que tiveram suas carreiras intrisecamente ligadas desde o famoso evento da Mercedes na inauguração do novo traçado de Nurburgring intitulado de "Race Of Champions", onde Alain cravou a pole e teve ao seu lado o jovem piloto em segundo e que o passaria imediatamente após a largada para uma imponente vitória. “A primeira vez que eu realmente conheci, e falei com ele, foi em 84. Era um evento da Mercedes na Alemanha, onde fizemos uma pequena corrida em Nürburgring com um novo modelo da Mercedes, onde alguns pilotos e ex-pilotos de Fórmula 1 participaram. Alguém da Mercedes me perguntou se eu podia esperar Ayrton aeroporto, pois seu voo chegaria 15 minutos depois do meu e tínhamos somente um carro para ir até a pista. Essa foi a primeira vez que nós conversamos. Nosso papo durou cerca de três horas. Foi muito bom. Ficamos muito próximos, porque o Ayrton não conhecia ninguém lá. Ele estava sempre perto de mim durante os primeiros dias” falou o francês alguns anos depois. E pouco tempo depois, num chuvoso 3 de junho, em Mônaco, ambos quase entraram em duelo pela vitória no Principado e mais tarde dividiriam os pódio, com o francês a ficar com a primeira posição e Senna com o segundo. 

E foi interessante ver que ambos se esbarraram tantas vezes na corridas para depois dividirem o espaço na Mclaren, onde formaram, talvez, o Dream Team da Fórmula-1 e onde desencadearam a maior rivalidade da história da categoria. O pódio carregado de emoção em Adelaide, foi um desfecho memorável para uma história igualmente memorável. 

Mas a história não tinha acabado e a última página seria escrita em Paris pouco tempo depois.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Foto 1035 - Tazio Nuvolari, GP da Hungria 1936

 

(Foto: Az Autotó)

O sempre astuto Tazio Nuvolari durante o Grande Prêmio da Hungria de 1936, naquele que foi o primeiro GP, realizado nas ruas do Parque Nepligét em 21 de Junho.

Antes que a Fórmula-1 colocasse seus carros para competir no novo - e sinuoso - circuito de Hungaroring, cinquenta anos antes os pilotos da Era de Ouro dos Grandes Prêmios tiveram a primazia de estarem presentes no primeiro GP húngaro da história, ainda que este não fizesse parte do Campeonato Europeu de Pilotos do ano de 1936. O Királyi Magyar Automobil Club (KMAC) organizou aquele GP após receber o sinal verde do AIACR (Association Internationale des Automobile Club Reconnus), realizando a corrida em 21 de junho - inicialmente a data seria em maio, mas acabou sendo transferida para junho a pedido dos organizadores. 

O circuito estava localizado no Parque Nepligét e tinha uma extensão de 5km e a prova teria uma distância de 250km, o que daria um total de 50 voltas. Essa prova foi bem recebida pelo público e isso deu a impressão que poderia ser um sucesso lucrativo para os organizadores, porém acabaria por ser um tremendo prejuízo para eles. Suspeitas de que teriam tido fraudes com relação ao ingressos foi levantada, já que o número de parte destes bilhetes não batiam com os do registro ou até mesmo eram iguais a outros. Depois de uma severa investigação, ficou claro que os bilhetes suspeitos eram originais, porém o papel usado neles diferiam dos outros e até mesmo a parte do corte - onde se destacava o canhoto - não era precisa. No entanto, apesar do prejuízo financeiro que a prova proporcionou, a parte de divulgação foi ampla e satisfatória, com grande repercussão da mídia local e estrangeira. 

Um total de 11 pilotos foram inscritos para este GP húngaro: a Mercedes levou três W25K para Rudolf Caracciola, Manfred Von Brauchitsch e Louis Chiron; Auto Union também inscreveu três Type C para Bernd Rosemeyer, Achille Varzi e Hans Stuck; a Scuderia Ferrari levaria três Alfa Romeo 8C-35 para Tazio Nuvolari, Antonio Brivio e Mario Tadini, mas Brivio acabaria por não ir; outros três Alfa Romeo, todos P3, seriam inscritos, mas apenas os de Austin Dobson e Charles Martin - inscritos individulmente - é que alinhariam para a prova. A Maserti também teria três carros nessa prova, mas apenas o piloto local, László Hartmann, com um 6CM da equipe oficial, é que conseguiu competir. 

O forte calor trouxe alguns problemas relacionados ao asfalto que começou a desintegrar durante os treinos livres e que duraria até a qualificação, que viu Rosemeyer cravar a pole com o tempo de 2'38''15. Stuck aparecia em segundo com 1''7 de desvantagem para Bernd e em terceiro Nuvolari, que se intrometeu entre os seis carros alemães, alimentando a esperança de que, numa pista sinuosa como aquela de Nepligét, o seu Alfa Romeo poderia fazer frente a Mercedes e Auto Union. 

O cenário da corrida apresentava uma batalha particular entre Rudolf Caracciola e Bernd Rosemeyer, com ambos se marcando de muito perto. Mas isso duraria apenas por 28 voltas, já que Caracciola perderia terreno e abandonaria com problemas no motor de seu Mercedes, do mesmo modo que acontecera na prova de Eifelrennen da semana anterior.

Após o abandono de Caracciola é que a maestria de Tazio Nuvolari entrou em cena. Com um ritmo mais cadenciado para conservar os pneus de seu Alfa Romeo, o mantuano conseguiu, ainda assim, manter os carros alemães em sua alça de mira e quando viu que estes enfrentavam problemas, partiu para o ataque: Brauchitsch foi o primeiro ser ultrapassado por Tazio, quando o italiano aproveitou-se de um erro de Manfred - ou, talvez, levado um toque de Nuvolari - para assumir a segunda posição quando o piloto da Mercedes escapou.

Nuvolari continuava com a sua impressionante forma quando descontou oito segundos em três voltas para então líder Bernd Rosemeyer, que enfrentava problemas com a direção do Auto Union. Na volta 35 Tazio assumiu a liderança e partiu para aumentar a diferença até chegar aos 16 segundos sobre Bernd que, segundo relatos, estava com sérias dificuldades com direção que estava vibrando fortemente a ponto de chegar rasgar as suas luvas e causar ferimentos em suas mãos - a situação foi tão critica que, ao final da prova, ele foi retirado do carro e atendido de imediato por Dr. Gläser - então médico que acompanhava a equipe da Auto Union - e mais tarde seria levado ao hospital. 

Nuvolari passou para completar as 50 voltas deste GP húngaro em primeiro após 2 horas e 14 minutos de duração, mostrando mais uma vez a sua genialidade num carro de corrida. Essa corrida acabou por ser bem desastrosa para a Mercedes que não teve nenhum carro completando a prova - Chiron abandonou na volta 19 por problemas no compressor e Caracciola, como dito mais acima, com problemas de motor. Brauchitsch abandonou quando faltando duas voltas para o fim com um braço de suspensão torto, resultado da sua escapada, mas acabou sendo classificado em quarto. A Auto Union teve seus três carros classificados, com Rosemeyer em segundo e Varzi em terceiro. Stuck passou mal e deixou o comando de seu Type C para Ernst Von Delius a partir da volta 22, que levou o carro até a quinta posição. 

 Apesar de ter sido uma brilhante vitória - mais uma - da enorme carreira de Nuvolari, o piloto italiano quase não competiu nesse primeiro GP da Hungria já que seu filho Giorgio estava muito doente - infelizmente ele morreria um ano depois por conta de uma miocardite, quando tinha 19 anos.

Apesar das tentativas frustradas de realizar as edições dos anos seguintes, que foram impossibilitadas por problemas financeiros, a Hungria só voltaria a receber um GP cinquenta anos depois quando passaram a fazer parte do calendário da Fórmula-1 em 1986.

Foto 1043 - Stefan Bellof, Sandown Park 1984

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