Apesar de nem sempre agradar até mesmo o mais entusiasta da
Fórmula-1, Monte Carlo sempre reserva surpresas. Se as condições climáticas
forem das mais variáveis, as coisas tendem a ser ainda mais imprevisíveis.
Edições como a de 1972, quando Jean Pierre Beltoise venceu por lá seu único GP
na categoria, foi um caso onde não apenas a chuva conseguiu atrapalhar a
maioria dos pilotos, como também foi importante para que Beltoise desfilasse a
sua finesse num traçado tão traiçoeiro e conseguisse derrotar verdadeiros
mestres que sabiam bem como “caminhar” sobre águas – Jacky Ickx e Jackie
Stewart. Passados vinte e quatro anos, foi a vez de outro francês conseguir tal
façanha e desta vez pegando uma condição tão caótica quanto aquela de 1972:
Olivier Panis passou incólume a várias situações para conquistar uma inesperada
vitória no Principado.
Olivier Panis era um daqueles talentos emergentes que quando
chegam à categoria, são alçados a um futuro campeão. O seu desempenho nas
provas do seu primeiro ano na F1 (1994) rendeu elogios e que foram reforçados
após o seu primeiro pódio conquistado em Hockenheim, quando terminou em
segundo. No ano seguinte, apesar de uma pontuação melhor que a de 1994 (16x9),
começaram os questionamentos por conta de seus erros, algo que apareceu bem
pouco no seu ano de estréia. Em 1996 teve um início até animador, quando terminou
em sexto nas provas da Austrália e Brasil; foi oitavo na Argentina e
abandonaria as duas provas seguintes em Nurburgring – que sediava o GP da
Europa – (acidente com Irvine) e San Marino (problemas de câmbio). Numa pista
como a de Monte Carlo, onde a posição de largada é vital para conseguir um bom
resultado, seria uma boa chance para ele a Ligier conseguissem algo melhor.
A classificação foi um show à parte de Michael Schumacher,
que conseguira chegar a sua segunda pole pela Ferrari e de modo consecutivo –
tinha conseguido a posição de honra semanas antes em Ímola. Com uma volta
alucinante, quase que no mesmo molde do que fizera na pista italiana,
Schumacher cravou a pole com mais de meio segundo de vantagem para Damon Hill,
sendo que o piloto inglês havia alcançado a marca minutos antes. Sem dúvida foi
uma das melhores poles da década. As outras posições foram ocupadas pelo duo da
Benetton – Jean Alesi e Gerhard Berger – e a terceira fila por David Coulthard
e Rubens Barrichello, que mostrava o bom passo dele e da Jordan nas
qualificações até ali. Irvine aparecia em sétimo, com Hakkinen logo ao seu lado
e Frentzen se posicionava em nono e Jacques Villeneuve, ainda tentando se
ambientar-se com estreito circuito, era o décimo. Com problemas de acerto,
Panis aparecia num discreto 14º lugar enquanto que seu companheiro de equipe,
Pedro Paulo Diniz, largava em 17º.
O domingo da corrida amanheceu encoberto, mas ainda sim o
warm-up foi realizado com pista seca e com um bom ritmo de... Olivier Panis,
que conquistara a primeira posição na prática de aquecimento. As coisas
começariam a mudar quando a chuva caiu logo depois do warm-up, forçando a
organização do GP a realizar uma atividade extra para que os pilotos pudessem fazer
os acertos para essa condição. Neste período foram poucos os que arriscaram a
entrar na pista, com receio de acontecer algum acidente e não ter tempo – ou
peças sobressalentes – para poder consertar a tempo de participar da prova como
foi o caso da Footwork, que não participou desta prática por não ter peças de
reposição. Andrea Montermini bateu o seu Forti Corse na saída do túnel e não
pôde participar do GP, por não ter um carro reserva. Mika Hakkinen foi o mais
veloz desta sessão, apesar de também ter sofrido avaria em seu McLaren.
Para os ponteiros a largada foi a mais limpa possível, com
Hill a conseguir tracionar melhor que Schumacher e virar a Saint Devote na
frente. Mais para o meio do pelotão, Jos Verstappen, que arriscara no tudo ou
nada para um futuro pulo do gato, largou com slicks numa pista ainda molhada
para bater de frente na proteção de pneus da primeira curva e dar adeus à
prova. Um erro pra lá de crasso... Giancarlo Fisichella e Pedro Lamy, os
garotos da Minardi, acabaram abandonando no mesmo ponto após se enroscarem. Mais
adiante aconteceria a primeira grande surpresa da corrida: ao subir
demasiadamente na zebra a caminho da Portier, Michael Schumacher acabou
perdendo o controle de sua Ferrari e batendo no guard-rail e danificando a
suspensão dianteira. Todo esforço de uma soberba pole tinha sido jogada no
lixo, num dos raríssimos erros do piloto alemão. Para a corrida, aquele
abandono significava que Damon Hill teria caminho aberto para enfim conquistar
uma vitória numa pista onde seu pai, Graham Hill, tinha feito história ao
vencer por cinco vezes nos anos 60.
A prova foi caótica até a nona volta, com nada mais que nove
pilotos abandonando a prova. A maioria foi por erros próprios – dos três
brasileiros que estavam em pista, Barrichello e Ricardo Rosset, foram os que
erraram – e apenas Berger e Diniz é que abandonaram por problemas mecânicos.
Panis havia feito uma boa largada ao pular para 12º e escalar posições até
ficar em oitavo e subiria mais ao ultrapassar Hakkinen e mais tarde Eddie
Irvine, na marra, no contorno da Lowes. As paradas de box e abandonos, como o
de Martin Brundle, ajudaram bastante o francês, que passava a se encontrar na terceira
posição após o duelo com Irvine.
Mais à frente, de forma imaculada, pilotava sem erros e
pressões, Hill que conseguira uma diferença bem confortável para Jean Alesi.
Damon só perderia a liderança nos momentos de pit-stop pra Alesi, e que logo
recuperaria quando o piloto da Benetton fosse aos boxes. Mas o desejo de vencer
em Monte Carlo se esfumaçou literalmente, quando motor Renault de sua Williams
teve uma rara quebra e deixou o piloto inglês na mão na 40ª volta. Jean assumia
a liderança neste momento e com Panis em segundo, um resultado pra lá de
inesperado para ambos os pilotos e também para os franceses que ali estavam. O
aguerrido Alesi também lideraria por quase vinte voltas, quando a suspensão da
Benetton quebrou e assim o caminho estava aberto para que Panis chegasse a
liderança de um GP pela primeira vez na sua carreira.
Apesar dos contratempos que a Ligier, e consequentemente
seus pilotos tiveram na classificação, o desfecho do GP de Mônaco foi algo que
nem mesmo Guy Ligier podia ter sonhado: Olivier Panis conduziu de forma precisa
até chegar a sua primeira vitória na F1 e a primeira da Ligier em 15 anos,
desde o GP do Canadá de 1981 com Jacques Laffite que também tinha sido com
pista molhada. O triunfo para a equipe francesa teve seu momento chave quando,
ao perceber que Frentzen teve um desempenho assombroso com pneus slick, ao
virar cerca de três segundos mais rápido logo no segundo setor, fez com que a
equipe chamasse Panis para a troca na 27ª volta. Dessa forma, Olivier conseguiu
salvar um bom tempo sobre qualquer outro piloto na pista, inclusive o líder
Damon Hill, o que deu ao francês uma condição de brilhar mais adiante.
As posições restantes foram tomadas por David Coulthard –
que correu com o capacete de Schumacher, pois o seu teve problemas na
comunicação do rádio –, Johnny Herbert, Frentzen – que não passou pela linha de
chegada, indo direto para os boxes – Mika Salo, Mika Hakkinen e Eddie Irvine –
estes três últimos não completaram o GP, pois colidiram com a Ferrari de Irvine
quando este, num péssimo dia, acabou batendo no mesmo ponto que Schumcher e
logo em seguida teve Salo que bateu na traseira para depois ser a vez de
Hakkinen, a formar o “trenzinho” de três carros acidentados na descida para a
Portier na 70ª volta. Mesmo não completando a corrida, que teve o seu
encerramento nas duas horas ditadas pelo regulamento, eles foram classificados.
Foi um domingo bem caótico aquele em Monte Carlo, que
terminou de uma forma bem inesperada. Enquanto que Panis conquistava aquele que
seria seu único triunfo na categoria, para a Ligier foi o canto do cisne na F1,
já que para 1997 ela seria vendida para Alain Prost.
Acabou por ser, de forma involuntária, um ponto final na
grande era dos franceses na categoria.