Mostrando postagens com marcador Sid Watkins. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Sid Watkins. Mostrar todas as postagens

domingo, 28 de setembro de 2025

Foto 1045 - Um ato de Deus

(Foto: Sundayworld.com)

A primeira vista, a impressão é de que as noticias seriam as mais terríveis e isso era totalmente compreensível: como seria possível uma pessoa sobreviver a uma pancada tão impressionante, seguido de ser lançado à alguns metros de distância do restara do seu carro? A imagem do corpo inerte e retorcido de Martin Donnelly impressiona até hoje e naquele período, há exatos 35 anos quando faltavam dez minutos para o fim da primeira qualificação para o GP da Espanha de 1990 em Jerez de La Frontera, foi um dos momentos que impactou uma geração que ainda não tinha visto nada parecido na Fórmula-1. Algo dessa magnitude, apenas oito anos antes com o triste desfecho da vida de Gilles Villeneuve, também, nos momentos finais da qualificação para o GP da Bélgica de 1982. 

O relato de Roberto Pupo Moreno, que havia ficado de fora da qualificação e estava junto dos amigos de Donnelly, que acompanhavam a sessão com vista para a curva 14 onde aconteceu o acidente, transmite o drama que foi aquele momento: "Sim, eu estava na curva. Fiquei olhando para ele o tempo todo. Foi incrível porque eu vi que ele estava vindo, então o segui por todo o circuito. Eu o vi da curva lenta, e aumentando as marchas, e ele estava absolutamente plano em nossa direção, e então eu pude ver que ele não virou, e o motor não parou. Como piloto, eu estava dirigindo com ele quase com os meus olhos. Eu tinha visto que ele não tinha virado antes da curva e estava em aceleração máxima. No momento em que ele não virou, minha respiração parou completamente, porque eu sabia o que iria acontecer a seguir. Eu simplesmente vi uma explosão, pedaços voando para todos os lados. Eu o vi caído no chão e fechei os olhos, porque realmente pensei que ele estivesse morto." declarou Moreno ao site Motorsport Retro.

A partir deste momento, o trabalho médico entrou em ação ainda que tenha demorado um pouco a chegar no local. Segundo os relatos do Doutor Sid Watkins em seu livro "Viver nos Limites", a pista de Jerez não oferecia atalhos para que pudessem chegar mais rápido ao local - e juntando isso ao fato de não terem um carro médico mais rápido, coisa que ele também reclamou, e de não saberem o local exato do acidente, aqueles minutos eram bem arriscados. Essa demora em chegar à Donnelly gerou a necessidade de irem buscar um carro mais potente e isso foi feito na manhã do sábado, quando foram buscar um Porsche 911 em Madrid para tal. Infelizmente as coisas não iam bem naquele final de semana e o responsável em trazer o carro acabou se acidentando na estrada quando estava ao volante do Porsche. Mas ele salvou-se com uma perna quebrada. 

O atendimento à Donnelly pela equipe de Sid Watkins
(Foto: AFP)

Donnelly foi atendido ainda na pista e levado ao centro médico do circuito para continuar os procedimentos. Derek Warwick, companheiro de Martin na Lotus e que havia sofrido um mega acidente no complemento da primeira volta do GP da Itália realizado algumas semanas, foi até o local visitar o seu colega:  
"É claro que não havia nada que eu pudesse fazer. Ele deu sinais de me reconhecer. Mas tudo o que eu pude fazer foi desejar-lhe boa sorte e dizer que todos estavam pensando nele.", comentou Warwick que no dia seguinte ainda pensou em não correr aquele GP justamente com as lembranças bem frescas na memória de seu acidente em Monza e depois do que acontecera com Martin Donnelly: “No sábado de manhã me tinha ainda decidido a correr, mas Frank Dernie e Steve Hallam (responsáveis pelo Lotus 102) garantiram-me terem modificado algumas partes do carroque eventualmente poderiam ter sido a causa da falha mecânica e isso foi garantia suficiente para mim. Não poderia desapontar tanta gente que trabalhou muito.", declarou Derek ao anuário "Fórmula-1 1990/1991" do Francisco Santos.

 

Ayrton Senna acompanhou todo processo

Sid Watkins e Ayrton Senna em conversa após o acidente de Donnelly
(Foto: Sutton Images)

Ayrton Senna, que estava na batalha pelo título daquela temporada contra Alain Prost, esteve presente em quase todo momento em que Sid Watkins e sua equipe faziam os procedimentos para recuperar a consciência de Donnelly. Senna comentou sobre o acidente, reproduzido no anuário "Fórmula-1 1990/1991" do Francisco Santos: "O acidente foi muito triste para todos nós. Fui ao local onde o Martin estava no chão, e quando vi as consequências imediatas do acidente, com os meus próprios olhos, sozinho, foi muito... dificil de aguentar, de entender e absorver tudo, e depois ter de partir para outra. Depois fui para o caminhão da equipe (Mclaren) e pedi para ficar sozinho uns momentos, para pensar, quieto. Vivi momentos muito especiais, a rebuscar tudo dentro de mim". 

Em todos aqueles anos na categoria, essa era a primeira vez que o piloto brasileiro estava face a face com a morte, mesmo que antes disso tenha visto alguns acidentes impressionantes desde a sua estréia na categoria em 1984. Mas desta vez, sendo um dos nomes mais importantes da categoria e tendo um título mundial na bagagem, ele assumiria um posto importante nas discussões pela segurança na categoria - inclusive, tendo que lidar com outros acidentes preocupantes no decorrer dos anos. Ainda em seu livro "Viver Nos Limites", Sid Watkins relata o momento em que Senna o procurou no sábado para saber os detalhes do atendimento à Martin: "Na manhã seguinte as noticias ainda eram boas e eu estava esperando à saída dos boxes que começassem os treinos da manhã de sábado quando Senna veio ter comigo. Encostando-se ao muro do boxes disse-me que tinha assistido à reanimação e, no seu estilo sério, fez-me perguntas sobre as técnicas (de reanimação) aplicadas. Tinha verificado que o tubo tinha sido metido aparentemente de forma errada, ao contrário, e depois tinha sido rodado, e que queria saber porque razão anatômica se tinha procedido dessa forma. Mostrei-lhe o estojo e ele mostrou-se intrigado com o aparelho, e também perguntou porque razão tinha metido o dedo na boca de Martin antes de meter a tubagem. Disse-lhe que era para procurar um buraco entre os dentes". Numa dessas tristes ironias da vida, quatro anos depois Sid Watkins estaria na mesma situação com o mesmo Ayrton, tentando salvá-lo naquele terrível 1º de maio em San Marino...

(Foto: Ercole Colombo)
Vinte anos após estes acontecimentos e já sabendo de tudo que acontecera nos momentos pós acidente, Martin Donnelly falou de suas impressões sobre Ayrton Senna: “Uma das coisas que me impressionou desde o acidente foi o Ayrton naquele fim de semana. Para mim, ele era um amigo distante", comentou ele ao site Motorsport Retro em 2011. "Ayrton foi andando até onde eu tinha caído. Isso é o
mais incrível para mim. O Ayrton assistiu a tudo isso, viu tudo em primeira mão, segurando meu capacete e possivelmente me vendo morrer em um acidente. Ele viu todas as agulhas, seringas e a traqueostomia. Depois, voltou para a garagem, colocou o capacete de volta, com a viseira abaixada, e com apenas 10 minutos restantes, fez a volta mais rápida de Jerez naquela pista. Como você desliga a emoção do que acabou de ver que está ali – na sua mente – e então faz esse tipo de trabalho?"
, frisou Donnelly. 

Ayrton cravou a pole para aquele GP no que consistiu na sua 50ª conquista neste quesito. Essa volta é uma das mais impressionantes da sua carreira: "A de hoje foi inacreditável para mim, porque depois do acidente de ontem com Donnelly, vivemos momentos muito tristes para todos nós. Como sabem, eu fui ao local do acidente. Depois de me recolher até pensei em não andar mais ontem, mas saí e fiz um tempo que até poderia ter-se mantido como pole até agora. Mas, hoje tive uma sensação dentro de mim de que alguém (leia-se Prost) iria bater meu o meu tempo, e que eu queria a minha 50ª pole teria que melhorar esse tempo. Aí fiz essa volta... não foi o meu máximo... até porque houve dois pilotos (Olivier Grouillard e Nelson Piquet) me fizeram perder tempo", comentário que foi reproduzido no livro "Ayrton Senna do Brasil" escrito pelo Francisco Santos. Na corrida, ele não teve melhor sorte ao abandonar na volta 52 por conta de um furo no radiador. 


O acidente e a recuperação

Martin Donnelly em processo de recuperação
(Foto: Getty Images)

Uma escapada naquela curva 14 que é feita de pé cravado não é nada interessante e foi isso que constataram quando viram o acontecido com Donnelly. A quebra de um dos braços do amortecedor fez com que ele não tivesse mais controle do carro, indo parar imediatamente contra o guard rail da veloz curva 14. "Se tivesse durado mais um milissegundo, a última curva (Ferrari) tinha uma grande caixa de brita e uma grande barreira de pneus. OK, provavelmente teria sido doloroso, mas o carro não teria se partido ao meio." comentou Donnelly ao "Beyond The Grid" em 2022. 

Sid Watkins encontrou Martin com o rosto bem azulado, o que indicava a falta de oxigênio: “Eu não estava respirando porque engoli minha língua”, disse Martin e a partir daí, como foi relatado antes, Sid tratou de procurar ventilar o mais rápido possível o piloto. "Mas, entre o acidente e o Sid chegar até mim e avaliar o que estava acontecendo, foram 11 minutos e meio. Então, o cérebro... as pessoas dizem que me afetou. Acho que a esposa concordaria!

Sid abriu minha viseira e viu que eu estava com um tom azul-claro. Ele pegou dois tubos, inseriu-os no meu nariz, me estabilizou respirando novamente com o oxigênio, cortou as tiras e me entregou o capacete. Ele me levou de volta ao Centro Médico e depois me levou de avião para Sevilha.”

“Acho que meu acidente foi por volta de 42G. Ele sabia por experiência própria que meus órgãos entrariam em choque e não funcionariam. Então, era importante me tirar de Sevilha, de volta para Heathrow, de volta para a Inglaterra, para o hospital dele, o Royal London Hospital, em Whitechapel. Voltei para lá na terça-feira à noite e, como ele previu, na quarta-feira, meus rins, meus pulmões... tudo simplesmente parou de funcionar. Fiquei em um respirador por sete semanas. Fiz diálise renal todos os dias durante três horas e, como a situação estava delicada, o capelão do hospital veio e me deu a extrema-unção. Duas vezes na mesa de operação, meu coração parou. Eles tiveram que se afastar, colocar os cabos de ligação antigos, me dar um choque e me trazer de volta. Então, três vezes, Sid me trouxe de volta (no primeiro atendimento na pista).

Martin ainda lutou contra um problema na perna esquerda que foi gravemente afetada correndo, inclusive, o risco de ser amputada, situação que foi descartada por conta do atendimento correto e rápido, mas que também teve a intervenção de Sid Watkins e de uma pessoa que fez a tradução do inglês para o espanhol ainda em Sevilha. “Este rapaz, Deus o abençoe, traduziu entre espanhol e inglês. Foi uma luta intensa, com gritos. Ele ficou traumatizado tentando traduzir o que Sid estava dizendo para os cirurgiões, e eles disseram 'não, temos que amputar esta perna', por causa da quantidade de sangue que eu estava perdendo. Sid tirou o cinto da própria calça e colocou em volta da minha perna para estancar o sangramento e salvar a perna. Se ele tivesse chegado uma hora, meia hora depois, aquela perna teria sido removida.” relembrou Donnelly, que devido as cirurgias - incluindo uma outra que aconteceria semanas depois por conta da perfuração de uma das artérias - sua perna esquerda ficou 2,5cm mais curta.

Ele ainda tentaria uma ajuda com Willi Dungel, o homem que ajudou no retorno de Niki Lauda após o acidente de Nurburgring em 1976. "Eu pensei que se ele conseguia consertar a Niki em seis semanas, conseguiria me consertar em dois meses, certo?”, comentou Donnelly, mas as coisas seriam bem mais complicadas, como ele mesmo relatou em seguida: "Claro que eu não imaginava o quão difícil seria. Fiquei lá (na Áustria) 13 semanas fazendo fisioterapia e hidroterapia durante oito horas por dia. Voltei para o Reino Unido para as operações e depois voltei para a clínica. Foi muito difícil. Eles finalmente disseram: 'Martin, não podemos fazer mais nada pelas suas pernas'."

Donnelly em seu teste com a Jordan em 1993
(Foto: Motorsport Magazine)
Apesar da sua vontade em voltar às Fórmula 1, Donnelly sabia que era bem complicado. Ele ficou ao lado de Mika Hakkinen em algumas provas da temporada de 1991 e continuou com a equipe - pela qual
ele havia acertado na manhã do acidente uma extensão do contrato para 1991 - virando um embaixador da Lotus. Em 2011 ele reencontrou o Lotus 102 no Festival de Goodwood onde pôde conduzi-lo no trajeto e ser aplaudido pelo público. Voltando ao passado, ele ainda teve contato com um Fórmula-1 em 1993 quando Eddie Jordan lhe proporcionou a condução no Jordan em Silverstone.

Ainda quando estava com a mentalidade de tentar voltar para a categoria, Donnelly recebeu um importante conselho de um dos cirurgiões que cuidaram dele: "O cara lá de cima estava tentando te dizer. Eles te trouxeram de volta à vida três vezes. Você tem uma família, você tem uma vida. Deixe para lá." - mesmo não voltando à Fórmula 1, Martin teve algumas passagens por outras categorias incluindo o RallyCross em 1992; passagem com vitória na Fórmula Classic em 1995 e também em duas provas da Elise Trophy em 2007, isso sem contar participações em outras provas e categorias.

Juntanto o conselho com o desfecho de Ayrton Senna, Martin descartou de vez o sonho de voltar à Fórmula-1. “A morte de Ayrton em 1994 foi o último prego no caixão. Ele teve uma vida ótima, três vezes campeão mundial — quem sou eu comparado a ele? Então, me concentrei no meu próprio negócio.", completou Donnelly.

Como bem disse Derek Warwick, "Para Martin Donnelly, ter sobrevivido ao acidente foi um ato de Deus." e essa segunda chance tem que ser muito bem aproveitada.

Vida longa a Martin Donnelly.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Revista Speed, Edição 4

A quarta edição da Revista Speed trás este mês 80 páginas dedicadas a F1 e ao Endurance. Paulo Alexandre Teixeira, com a sua coluna "O Grande Circo", fala sobre o momento de baixa audiência das corridas de F1 aqui no Brasil. Além da desta coluna, ele fala também sobre os 35 anos da chegada de Gilles Villeneuve na F1 e os relatos do GP do Canadá de 1977, disputado em Mosport, onde também ele reservou um texto sobre James Hunt que resolveu dar um soco num fiscal de pista exatamente nesta corrida.
O mundial 2012 de F1 tem o seu espaço, onde Daniel Machado disseca as corridas da fase asiática que deu ao campeonato uma reviravolta à favor de Sebastian Vettel e Red Bull.
Bruno Mendonça e Patricia Sayuri escreveram sobre a etapa brasileira do WEC, que foi disputada em setembro. Enquanto que Bruno falou sobre a magistral primeira vitória dos japoneses no campeonato, Patricia esteve por dentro do evento trazendo a sua visão sobre esta primeira corrida do Mundial de Endurance sob a chancela da FIA. E o Bruno ainda escreveu sobre a carreira de Wurz, dos seus tempos de F1 até os atuais, onde ele divide o belo Toyota TS30 Hybrid com Nicolas Lapierre.
Não esquecemos, claro, de Alessandro Zanardi e Sid Watkins. O italiano emocionou e fez história em Brands Hatch, aos levar 3 medalhas paralímpicas nas provas de Handycycling da Paralímpiada de Londres. Bruno Mendonça escreveu sobre Sid Watkins, que faleceu no dia 12 de setembro.
Além do texto de Zanardi, eu também assinei o texto que conta a trajetória do primeiro e único título de Raul Boesel no Mundial de Marcas, a bordo do belo Jaguar XJR-8, que completou 25 anos no mês passado.
Pois bem, com essa apresentação, deixo com vocês o link da revista e desejo-lhe boa leitura!

http://speedrevista.wordpress.com/

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A contribuição de Sid Watkins à segurança da F1 e do automobilismo em geral




Sid Watkins trabalhou por 26 anos como Delegado Médico da F1, aposentando-se em 2005. Naquele ano ele continuou na Presidência do Instituto de Segurança do Esporte a Motor da FIA. Em 2008 ele deixou esse cargo, sendo nomeado Presidente Honorário do Instituto.
(Foto: Divulgação)

Houve um tempo em que morrer pilotando um carro de corrida – não especialmente um F1 – era tão fácil quanto tomar um copo d’água. Era uma época em que os pensamentos dirigiam ao mantra que “vai acontecer com o cara ao lado, e não comigo”. Aliás, é um pensamento que ainda permanece em menor escala, mas naqueles tempos era muito normal. A F1 tinha, em média, de uma a duas mortes por temporada e pouco era feito para melhorasse a segurança dos carros. No início dos anos 60 começaram as primeiras novidades nesse campo, como cintos de segurança, capacetes e roupas anti-chama (Nomex). Mas como qualquer novidade, havia os que resistiam em absorvê-las mesmo sabendo que aquilo poderia salvar-lhes de algum imprevisto. O cinto de segurança talvez tenha sido o que mais causou resistência, pois os pilotos acreditavam que aquela novidade poderia causar dificuldades de sair do carro em caso de um incêndio e estando soltos ficaria mais fácil sair. Mas foi algo que acabou sendo aceito com o decorrer dos anos, assim como as vestimentas anti-chamas que substituíram as camisetas e os capacetes de face aberta, que tomaram o lugar dos capacetes em formato de “pinico”. Olhando depois de tanto tempo, você pensará “mas era o mínimo que podiam fazer”, mas também tem que levar em conta que naquela época a morte em uma corrida era algo “aceitável”. Ignorante, mas essa era a verdade.
As coisas mudaram de figura quando Jackie Stewart, durante o chuvoso GP da Bélgica de 1966, disputado em Spa-Francorchamps, quase morreu ao derrapar na pista molhada e destruir uma casa de lenhador na curva Masta Kink. Não fosse a sorte de um espectador ter uma caixa de ferramentas por perto e Graham Hill e Bob Bondurant serrarem cuidadosamente para não fazer qualquer faísca (Stewart estava ensopado de água e... gasolina), Jackie teria agonizado no meio dos destroços de sua BRM ou virado um torresmo. Como o próprio Jackie disse mais tarde “não me preocupava com a questão da segurança até aquele dia”, o piloto escocês começou uma cruzada forte pela segurança, em especial nas pistas. Circuitos tradicionais como Spa (que ele odiava) e Nurburgring (que ele também não era muito fã), foram alvos de críticas ferozes por parte dele. A pista belga foi limada para 1971, depois de sofrer um boicote dos pilotos em 1969 e Nurburgring gastou os tubos em reformas para melhorar o asfalto e a segurança ao redor do traçado, prolongando a sua vida no calendário até 76. Outra coisa que apareceu no fim dos anos 60 e foi vergonhosamente rechaçada pelos organizadores de GPs, foi a criação de um centro médico que acompanharia a categoria nas corridas realizadas na Europa. Louis Stanley, então dono da BRM, transformou um caminhão de 14 rodas num ambulatório que foi nomeado de “International Grand Prix Medical Service” e que foi rejeitado pelos inteligentes donos de circuitos por entender que aquilo não era necessário. Também deve ser dito que, além dessa criação geniosa, numa época em que morrer em corridas era totalmente "normal", Louis Stanley fez este caminhão pensando não somente nos pilotos, mas também nas pessoas que trabalhavam nas provas e no público. Ele também foi quem começou trabalhar incasalvemente pela melhoria das vestimentas dos pilotos contra o fogo, depois do acidente que matou Jo Siffert em 1971.
A cruzada de Stewart pela segurança continuou mesmo após a sua saída. Emerson Fittipaldi, Dennis Hulme e Graham Hill ficaram a frente dessa idéia e as coisas melhoraram um pouco: fardos de feno não existiam mais, dando lugar as barreiras de Armco (guard-rails) e as telas de proteção; as pistas eram inspecionadas, apesar de não ser nada parecido como hoje; os pilotos tinham consciência do perigo e usavam macacões, luvas e sapatilhas anti-chamas e capacetes fechados. Mas ainda faltava um treinamento melhor para os socorristas, tanto que alguns acidentes, que se tornaram mortais, poderiam ter sido evitados como o de Piers Courage (Zandvoort, 1970), Roger Williamson (Zandvoort, 1973) – se bem que neste caso foi mais covardia, do que falta de preparo – Peter Revson (Kyalami, 1974) – não havia socorristas por perto – e Tom Pryce (Kyalami, 1977) – quando dois bandeirinhas mostraram como não se deve correr no meio da pista com carros andando, e ainda portando um extintor. Era claro que, além do espírito corajoso dos pilotos em melhorar o seu ambiente de trabalho e dar ao público um espetáculo que não fosse uma carnificina a cada quinze dias, eles precisavam de mais alguém engajado e que pudesse ajudá-los nessas melhorias.
Sid e Bernie numa conversa durante o fim de semana do GP da Argentina de 1979.
(Foto: Sutton Images)
A vinda de Sid Watkins, um renomado neurocirurgião, mudou as coisas por lá. Sid já estava envolvido no automobilismo desde os anos 60, quando montou uma equipe, com recursos próprios, para trabalhar na pista de Watkins Glen numa altura em que foi convidado a dar aulas na Universidade Estadual de Nova Iorque. Quando voltou para a Inglaterra, em 1970, foi trabalhar como chefe de neurocirurgia do Hospital de Londres e no mesmo ano, passou a integrar a junta médica do RAC (Royal Automobile Club). Watkins conheceu Bernie Ecclestone em 1978 e o velho o convidou para ser o Delegado Médico da F1 já naquele ano, que foi aceito por Sid que desse modo passou a conciliar o seu trabalho de neurocirurgião com as provas nos fins de semana.   
Mas a entrada de um médico nas corridas não foi fácil. A mentalidade retrógrada dos donos de autódromos e organizadores, que ainda tinham em mente que os acidentes mortais faziam parte do espetáculo, não aceitavam a presença de um profissional da medicina em seus eventos. O chilique dos donos de circuitos tinha uma razão clara: as instalações médicas eram as piores possíveis e a melhor se resumia a uma tenda armada para primeiros socorros. Portanto, com a presença de um médico geral, eles teriam que atender a todos os pedidos deste e os custos com construção de ambulatórios de pronto atendimento, com equipamentos de última geração para fazer os primeiros socorros a pilotos em caso de graves acidentes, seriam altíssimos. 
A primeira corrida em que Sid Watkins trabalhou foi o GP da Suécia, mas foi em Hockenheim que ele enfrentou a ignorância dos organizadores ao ser proibido de exercer o seu trabalho. Após uma série e discussões e ameaças de não haver corrida, é que sossegou a ira dos alemães e Sid pôde trabalhar em paz. O GP da Itália também foi desastroso. O acidente que moeu as pernas de Ronnie Peterson na largada poderia ter tido conseqüências menores se Sid Watkins tivesse chegado à tempo ao local do acidente, mas ele foi barrado pelos policiais que formaram uma corrente humana na área dos boxes, não permitindo a passagem de ninguém. Foram mais de 18 minutos entre os primeiros atendimentos e a chegada de uma ambulância para levar Ronnie para o hospital, onde morreria no dia seguinte devido uma embolia múltipla. As reações nestes dois episódios, principalmente o de Monza, levou Sid a exigir de Bernie um anestesista, carro médico, helicóptero médico e melhores equipamentos para pronto atendimento. Outra coisa que passou a ser inserida nas corridas foi a presença do carro médico logo atrás do pelotão no momento da largada para uma rápida intervenção em caso de acidente. Assim o risco de demora num atendimento em uma carambola como aquela de Monza, diminuiria ao máximo.
Apesar da dureza dos donos/organizadores de corridas, essa bolha foi furada e a segurança passou a primeiro plano. Qualquer pista que quisesse sediar um GP deveria ter os requisitos de segurança, como guard-rails reforçados, barreiras de pneus em locais mais perigosos, ambulatório com aparelhagens para primeiros socorros e pessoas, desde bandeirinhas, passando por bombeiros, médicos e enfermeiros treinados para o evento. Dessa forma, junto da melhora dos carros que também tornaram-se mais seguros devido à adoção da fibra de carbono no lugar de chapas de aço, discos de freios mais eficientes, capacetes mais resistentes, roupas anti-chamas com o dobro, ou triplo, de resistência ao fogo e outras melhorias, os números de acidentes com pilotos feridos ou mortos diminuíram.
Foi um belo avanço e desde o acidente que matou De Angelis nos testes em Paul Ricard, em 1986, é que a categoria não registrou nenhum acidente fatal nem em testes e muito menos nos fins de semana dos GPs. Os sustos com acidentes como os de Piquet (Ímola 87), Berger (Ímola 89), Donnelly (Jerez 1990), Eric Comas (Spa 1992) e Zanardi (Spa 1993) mostraram o quanto os chassis eram fortes, mesmo que o de Martin Donnelly tenha se desintegrado completamente em Jerez, aquilo foi encarado como uma fatalidade. Para Sid Watkins a sua maior preocupação sempre foi a elevada velocidade dos carros, que estavam atingindo níveis parecidos com os dos carros asa e turbo dos anos 80. E ele tinha razão. O fim de semana do GP de San Marino de 1994 revelou que os carros e circuitos ainda tinham muito que melhorar, depois de Ratzenberger e Senna morreram em frente as câmeras de TV do mundo. E tudo piorou quando Karl Wendlinger quase foi junto depois de um acidente na chicane do porto, em Mônaco quinze dias depois. Aquilo tinha sido a gota d’água.
Aquela hibernação da F1 em volto de uma segurança que apenas recebia retoques, foi radicalmente melhorada. Crash tests nos cockpits, em vários ângulos, tornou-se obrigatório; a redução na potência dos motores, passando de 3.500cc para 3.000cc, foi adotada; os difusores foram revisados a fim de diminuir a força descendente, que grudava os carros no chão mesmo nas curvas (algo que parecia o efeito-solo), e assim diminuía a velocidade; e as laterais do cockpit foram aumentadas para proteger a cabeça, pescoço e tórax dos pilotos. As pistas passaram a ser inspecionadas com mais rigorosidade e tiveram o aumento das áreas de escape (que mais tarde seriam asfaltadas, tirando de linha as caixas de brita); barreiras de pneus foram instaladas em todos os cantos possíveis e as chicanes apareceram e se alastraram feito uma praga em todos os circuitos. E no campo médico, além do treinamento que ficou mais rigoroso para os profissionais que trabalham nas corridas, os melhores equipamentos estavam à disposição. A F1 passava a ficar mais segura e profissional desse modo.
Sid Watkins apresentando o HANS - e usando Nick Heidfeld como manequim - em 2002
(Foto:Action Press)
“Na minha opinião, as mudanças realmente grandes já aconteceram. O que veremos nos próximos 50 anos será, tenho certeza, um refinamento dos temas básicos da Fórmula 1. Por exemplo: como médico, eu não estaria interessado em ver os carros mais rápidos contornando as curvas. Acho também que as velocidades nas retas estão bastante apropriadas. Então tenho a impressão de que vai ocorrer uma constante elaboração de regras a fim de manter os carros em torno do nível em que estão hoje.” Este é um trecho, inicial de um artigo que Sid Watkins escreveu para o terceiro volume da revista “Fórmula-1 – 50 Anos Dourados” onde ele fala do que já foi feito e o que ainda poderia ser melhorado no esporte pelos próximos 50 anos. Neste artigo ele ainda fala do seu desejo de implantar air bags nos carros de F1, mas devido o pouco espaço do cockpit, este era um item que demoraria um tempo para ser inserido na construção dos monolugares. Pouco tempo depois, ele apresentou ao mundo o HANS (Head And Neck Suport) que evita a cabeça do piloto de ir para frente após um acidente frontal, protegendo a cabeça e a coluna cervical.
Nestes seus 26 anos de trabalhos prestados a FIA, muito tem que ser creditado e agradecido a Sid Watkins. Apesar de ter perdido algumas vidas neste período, ele conseguiu salvar outras tantas e deu a sua contribuição para o que automobilismo em geral melhorasse consideravelmente neste campo da segurança, apesar de ele sempre saber que o risco jamais será eliminado.
Se hoje nenhum piloto tem que ir ao enterro de um colega às terças pela manhã, como disse certa vez Denny Hulme, é a Sid Watkins que devemos agradecer.

sábado, 22 de setembro de 2012

O tributo da BBC à Sid Watkins

E a BBC fez um belo tributo à memória de Sid Watkins, que faleceu na semana passado aos 84 anos e que dedicou 26 deles a F1, transformando-a mais segura e deixando de lado o dias de carnificina que marcou boa parte da categoria nestes suas seis décadas de existência.

Foto 1045 - Um ato de Deus

(Foto: Sundayworld.com) A primeira vista, a impressão é de que as noticias seriam as mais terríveis e isso era totalmente compreensível: com...