Durante estes quase cinco anos do blog, procurei não me
manifestar sobre o Ayrton Senna. Apesar da sua Tag estar entre as cinco que
mais tem postagem por aqui, nenhuma delas tem a minha opinião direta sobre o
piloto brasileiro. A não ser um texto que escrevi em 2010 sobre os seus duelos
com Alain Prost, onde num parágrafo e outro expressei a minha visão sobre
aqueles fatos de modo rápido sem tirar o foco com relação ao que eu escrevia na
ocasião. Nesta data onde se completa 20 anos de seu desaparecimento, achei
justo escrever um texto sobre ele.
Antes de tudo, declaro que sou sim, um fã do Senna. Mas não
daqueles fãs ardorosos, que defende ele a unhas e dentes, consideram ele quase
um santo, um Deus das pistas ou qualquer outro exagero que tenha se propagado
durante este período. Na verdade, eu fico até incomodado com tudo isso. Acho
que não precisa de tudo isso para dizer quem foi o Ayrton. Também acho que as
pessoas que gostem dele, ou não, deveriam preservar um pouco mais a sua memória.
Sei que é difícil, principalmente porque a cada transmissão da F1 o narrador
sempre faz questão de exaltar os feitos do Senna. Sinceramente, já nos últimos
anos, eu tenho baixado o som da TV e aumentado o da rádio. Tem sido muito mais
lucrativo, afinal a informação vem mais rápido lá do que na TV. Sem contar que
é muito mais agradável do que ficar ouvido as baboseiras “viuvistícas” dele.
Creio que a cada lembrança que ele faça durante os GPs, o falecido se revire no
caixão. Pobre Senna... Por outro lado, acho que é uma época inevitável essa em
que vivemos: o período que vai de março a maio, é carregada de lembranças do
piloto brasileiro. A estréia do piloto na categoria, o seu aniversário, a data
da primeira vitória, a data de morte dele... E por aí vai. Ao menos nos locais
que costumo ler, o pessoal é bem ponderado e isso me deixa feliz.
O que procuro preservar do Ayrton é a sua pilotagem. Esqueça
toda aquela história de “túnel”, “Deus numa das curvas de Suzuka” e outras
histórias famosas dele. Até porque tudo isso que ele falou era algo de sua
crença e cada um acredita se quiser. Guardo apenas a sua pilotagem precisa, as
poles com aquelas voltas canhão – apesar de ter perdido boa parte delas, pois a
Globo começou a passar as classificações apenas em 1991 e quando transmitia a
pole já estava garantida desde a sexta. Mas hoje, com a ajuda da internet, é
possível ver uma boa parte delas. As corridas também são marcantes: não me
esqueço da vitória de 1991 – eu estava com o dedão da mão direita machucado,
mas me esqueci totalmente quando vi aquela conquista. Ou de Suzuka, 1988,
quando eu fiquei acordado pela primeira vez para assistir uma prova de F1. No
ano seguinte o incidente com Prost – me lembro de ter soltado um palavrão e ter
sido repreendido pelo meu pai logo em seguida. Mas não adiantou: soltei outro
palavrão na corrida de 1990, com a famosa porrada no Alain na primeira curva de
Suzuka. Mais uma vez varei a madrugada acordado para assistir a decisão de
1991. Ah, a vitória em Mônaco 1992... Interlagos 1993, Donington... Foi bela
época para um garoto que avançou dos cinco aos 10 anos de idade vendo as
vitórias do Senna. Época boa.
Por outro lado, com o passar dos anos, percebi que o mesmo
Ayrton fazia de tudo para conquistar o seu espaço: a famosa entrada na pista de
Mônaco em 1985, andando lentamente atrapalhando os demais para que não tomassem
a sua pole, despertando assim a ira de Niki Lauda e Michelle Alboreto; o não a
possível contratação de Derek Warwick para ser o seu parceiro na Lotus em 1986;
a assinatura do contrato com a McLaren por debaixo dos panos sem que os homens
da Lotus soubessem – se bem que ele fizera isso em 84, quando assinou com a
mesma Lotus deixando Alex Hawkdridge, chefe da Toleman, furioso a ponto
deixá-lo de fora do GP da Itália daquele ano. E ainda tem toda aquela epopéia
com o Prost, que muitos taxam da briga entre o “Bem contra o Mal” – outro
exagero absurdo. Ayrton não era bonzinho e isso ficou bem claro naquela manobra
de Suzuka em 1990, quando a gota d’água de tudo que vinha acontecendo desde
1989, foi a não troca da posição do pole. Apesar de achar que ele exagerou – e
muito – na dose, sendo que mais um pouco o acidente poderia tomar proporções
catastróficas. Mas vindo de um piloto sul-americano, de temperamento forte,
dificilmente poderia ter uma atitude racional.
Por mais que ele fosse duro nas disputas, também era
preocupado com os outros pilotos e a segurança nas corridas. O acidente de
Martin Donnelly em Jerez, 1990, foi talvez a primeira vez que as pessoas tenham
visto Ayrton preocupado com a questão da segurança nos carros e pista, tanto
que conversou com Derek Warwick sobre a fragilidade do carro da Lotus naquela
ocasião. Dois anos mais tarde encostou o carro na beira da pista para tentar
salvar Eric Comas, que havia batido a sua Ligier na Blanchimont e voltado para
o meio da pista. Segundo o próprio Comas, caso Ayrton não tivesse parado para
socorrê-lo, talvez tivesse morrido sufocado – mais tarde o piloto francês
declarou que, ao passar ao lado do Williams de Senna em Ímola, teria ficado
impotente em não poder ajudá-lo. E ainda teve o acidente de Alessandro Zanardi
em Spa, 1993, na subida da Eau Rouge... Como bem disse Martin Brundle, ele era
um piloto que estava prestes a por a vida dele e outro piloto em jogo numa disputa,
mas que era extremamente preocupado com os demais.
Para muitos o destino de Senna após a aposentadoria das
pistas, seria a vida política. Assim acredita Jo Ramirez e o já falecido Sid
Watkins. Para mim ele estaria engajado em algum projeto social além do
Instituto que leva o seu nome. Para alguém que nunca gostou da política da F1,
acho que ele sairia vomitando do que poderia vir a assistir no Planalto. Ayrton
foi um cara que soube bem trabalhar a sua imagem com a imprensa, passando a
imagem do bom garoto que durou até o início dos anos 90, dissipando exatamente
após aqueles acontecimentos de Suzuka. Portanto toda essa comoção e exageros
que aparecem de ano em ano, é fruto do que foi plantado por aquele naqueles
tempos. Vale lembrar que foi uma época em que o futebol brasileiro não
conseguia grandes feitos nas Copas e a economia estava uma lástima.
Passados estes vinte anos as lembranças do primeiro de maio
continuarão vivas na minha memória e no dos outros que assistiram aquele final
de semana em Ímola. Apesar de uma boa parte achar tudo isso um porre, uma
encheção de saco, o tempo vai se encarregar de que a memória sobre Ayrton Senna
vá se perdendo pelas décadas seguintes, até porque a geração que presenciou a
sua pilotagem vai desaparecer aos poucos e a próxima não tem idéia da magnitude
que Ayrton alcançou por aqui e sua imagem passará a fazer parte dos livros de
história, assim como aconteceu com Jim Clark no passado.
O mais importante é que o legado deixado por ele e Ratzenberger depois daqueles dias negros em Ímola para a F1, continuam em voga - mesmo que isso tenha deixado a categoria insossa, mas por outro lado ajudou a safar algumas vidas com o aumento da segurança.
E para aqueles que os viram correr e conviveram com eles, a saudade só aumenta.