Esta entrevista foi publicada na edição de fevereiro de 1977 da Quatro Rodas e nela, Bernie Ecclestone fala sobre o seu início no automobilismo, sobre a Brabham, Carlos Pace, a Associação dos Construtores e também sobre a crise do petróleo e a futura chegada dos motores turbos à F1:
Ele é considerado o homem forte da Fórmula 1. Proprietário da equipe Martini-Brabham, esse inglês (1,60 de altura), no entanto, não se acha tão poderoso quanto dizem, embora a cada dia consiga ser ainda mais respeitado.
A fama de ser “o dono do circo” ele ganhou por suas participações como presidente da Associação dos Construtores de Fórmula 1, sempre decidido, muito atuante- talvez até mais do que em sua própria equipe- onde até já delegou grandes poderes a Gordon Murray e Carlo Chitti.
É que Bernie Ecclestone, 43 anos, é mais um homem de bastidores. Prefere fazer os acertos nos corredores dos hotéis do que resolver qualquer coisa nas pistas dos autódromos. É muito temido pelos organizadores de Grandes Prêmios por sua coragem altamente contrastante com sua altura e, sempre que se vê no direito, está desafiando a FIA. Faz questão de receber o dinheiro correspondente à Associação dos Construtores dois meses antes da corrida, para fazer a partilha entre os sócios de acordo com a importância de cada equipe e a fama de seus pilotos.
As corridas sempre fizeram parte da vida de Bernie Ecclestone. Aos 16 anos, já tocava moto; depois, tornou-se piloto de carro. Mas ele mesmo viu que não levava jeito. Virou manager e, já em 1960, destacou-se com sua equipe de Fórmula 2, onde despontava Jochen Rindt. Passou para a Fórmula 1, ainda na Lotus, e foi levado por Graham Hill para a Brabham, que acabou comprando.
Quatro Rodas – Quem é você?
Bernie Ecclestone – Não sou muito alto, como você pode ver. Tenho 43 anos e nasci em St. Peters Suffolk, na Inglaterra. Trabalho sete dias por semana, 16 horas por dia, na minha equipe, Martini-Brabham, e também como presidente da Associação dos Construtores de Fórmula 1. Não me considero um homem poderoso na Fórmula 1, como muitos pensam. Apenas sou um dos que trabalham mais com vontade.
QR – Como você começou?
BE – Estou ligado às corridas há muitos anos. Antes de entrar para a Fórmula 1, eu corri de moto e automóveis, até me dedicar somente a dirigir equipes. Comecei a correr com 16 anos, após abandonar os estudos para participar de competições de mototrial (uma categoria parecida com o Motocross) e velocidade. Em 1958, juntamente com Tim O’Connors, montei uma fábrica de motocicletas e participamos de várias corridas, até que ele resolveu partir para outros negócios. Eu continuei a competir de moto, mas resolvi experimentar o automobilismo. Foi uma experiência curta, pois sofri um acidente em Brands Hatch e parei por algum tempo. Depois de dois anos comprei um Cooper Bristol 2000 para fazer algumas corridas, mas acabei descobrindo que não tinha talento para isso. Como não queria ficar fora do ambiente, do que gosto muito, resolvi me dedicar à carreira de manager. Minhas primeiras experiências nessa nova atividade ocorreram em 1957/58, quando comprei uns Connaughts e contratei os pilotos Stewart Lewis Evans, Roy Salvadori, Archie Scott e Ivor Bueb. Conseguimos algum sucesso, mas Evans acabou morrendo num acidente e novamente me afastei das corridas. Voltei em 1960, como manager de Jochen Rindt na equipe Lotus de Fórmula 2. Fiquei na Lotus vários anos, até ser convidado por Graham Hill para ser seu manager na Brabham, em 1971. Logo depois, Jack Brabham me vendeu a equipe e estou com ela até hoje. Em resumo, é isto.
QR – Você sempre esteve ligado aos motores Ford Cosworth na Fórmula 1. Por que a mudança para s Alfa em 1976?
BE – Enquanto os Ford Cosworth foram competitivos, estive com eles. Com o domínio da Ferrari com seus motores de 12 cilindros em 1975, começamos a pensar seriamente num novo motor. A Alfa Romeo mostrou ter um motor competitivo no Campeonato Mundial de Marcas e experimentá-lo na Fórmula 1 seria uma solução para combater a Ferrari. Fizemos um acordo comercial com a Alfa Romeo, mas confesso que tivemos muitos problemas na temporada passada, pois estes motores não se mostraram muito eficientes. Mas sabia que pesquisando e investindo conseguiríamos sucesso, como está ocorrendo no início desta temporada. A Alfa Romeo, através de seu engenheiro Carlo Chitti, contribuiu bastante em pesquisas com o motor, que se tornou mais leve com o uso de ligas espaciais de magnésio nas peças não sujeitas ao esforço, além de diferentes tipos de admissão e escapamento. De nossa parte, o Gordon Murray pesquisou novos materiais para diminuir o peso do carro, que agora é um dos mais competitivos da Fórmula 1.
QR – Um dos problemas da equipe no ano passado não foi com os mecânicos, já que os italianos mexiam apenas nos motores e os ingleses nos chassis?
BE - Efetivamente tivemos alguns problemas nesse setor. Quando o carro parava nos boxes, era difícil entender o motivo, pois a mistura de línguas era muito grande. Eu particularmente tive um trabalho redobrado. Porém, tanto os italianos como os ingleses são ótimos mecânicos e o que faltava era um melhor entrosamento. Este ano o problema está totalmente resolvido, pois o Gordon Murray e o Carlo Chitti estão trabalhando com bastante afinidade.
QR – Para deixar o carro competitivo, qual o investimento feito na equipe?
BE – Além de uma série de pesquisas, treinos e outras coisas, partimos para a construção de um carro totalmente sofisticado. Nosso maior problema era o peso do chassis, principalmente no início da corrida, quando largava com os tanques cheios, com maior quantidade de combustível do que os outros carros. A solução para diminuir o peso do chassis sem tirar-lhe a robustez, foi utilizar titânio, material muito resistente a altas temperaturas e , o que é mais importante, muito leve. Entretanto, esse material, muito utilizado na construção de foguetes e naves espaciais, é caríssimo e, por isso, gastamos 1,5 milhões de dólares para construir dois carros. Ao mesmo tempo, a Alfa Romeo desenvolvia o motor, com menor peso. Pesquisamos bastante também a parte aerodinâmica do chassis e freios, utilizando, pela primeira vez no setor automobilístico, freios com pastilhas em fibra de carbono, do mesmo tipo dos usados nos aviões Concorde.
Estranho prejuízo
QR – Compensa manter uma equipe de Fórmula 1? Ganha-se dinheiro com ela?
BE – O investimento feito numa equipe é quase 10 vezes maior do que o que arrecadamos com patrocínio e prêmios. Eu não estou na Fórmula 1 para conseguir lucros nem ficar rico, para isso tenho meus próprios negócios particulares. Mantenho uma equipe porque gosto muito do automobilismo e continuarei investindo enquanto o que faço me der uma satisfação pessoal.
QR – Como vê a nova associação, a World Championship Association, presidida por Patt Duffeler?
BE – Não a conheço. Não temos nenhuma negociação com essa associação.
QR – Mas vocês tiveram problemas com essa associação, principalmente em relação ao GP da Argentina.
BE – É difícil explicar isso, até mesmo para vocês. Essa associação é a terceira a ser fundada nos últimos anos e o seu objetivo é arrecadar dinheiro dos organizadores para fazer os GPs. Ora, por que pagar a eles se os organizadores já realizam os GPs tendo sua própria infra-estrutura? Nossa associação cuida dos interesses dos construtores, as demais estão interessadas apenas na parte comercial das corridas.
QR – Como surgiu a Associação dos Construtores de Fórmula 1?
BE – A Associação existe há muitos anos e foi fundada com o objetivo de reunir todas as equipes participantes da Fórmula 1, tentando diminuir as despesas com transporte, contatos com organizadores e para atuar junto à FIA nas decisões referentes ao Campeonato Mundial de Pilotos.
QR – Mas parece que somente nos últimos anos a Associação está mais atuante e respeitada?
BE – Realmente, agora temos a força de uma verdadeira associação de classe. Parece que todos estão satisfeitos com meu trabalho, porque eu procuro defender o interesse de todos, não apenas os meus. Estou fazendo justamente aquilo que todos precisam e continuo na presidência porque acho que nossa união é importante e parece que estou conseguindo isso. Até mesmo os organizadores de GPs estão satisfeitos com meu trabalho, por isso pretendo continuar lá.
QR – Por que Carlos Reutemann saiu da equipe Brabham?
BE – É um cara gozado o Reutemann. Eu não acredito que ele se entendesse bem com José Carlos Pace. É o tipo de pessoa que não gosta muito de ajudar os colegas, como pace faz, e por isso o brasileiro começou a encará-lo de forma diferente. Estava insatisfeito, reclamando muito do dinheiro que recebia e do desempenho do carro, mas não poderia deixar a equipe porque tinha um contrato a cumprir por dois anos. Mas a situação chegou a tal ponto e o ambiente na equipe era tão ruim que resolvi liberá-lo. Era o que ele queria, ir embora.
QR – E por que o Alex Dias Ribeiro não foi contratado, já que iniciaram entendimentos?
BE – Esse menino fez boas coisas na March no Campeonato de Fórmula 2, mas não sei quem o convidou para a equipe. Apenas o Pace veio me dizer que não custaria nada experimentá-lo num dos carros. Concordei porque o Pace me pediu, mas não sei os motivos de seu afastamento de nós assinando com a March para a F1.
Elogio a Pace
QR – Como você vê o José Carlos Pace?
BE – Ele tem tudo que um campeão precisa. É uma boa pessoa, trata todo mundo bem, dedicando muito tempo aos mecânicos e demais membros da equipe, por isso todos gostam muito dele. Pra mim é autêntico corredor de primeira classe e acredito que será um excelente campeão, ainda este ano. Na minha opinião, sua principal virtude é a vontade de lutar. Como dizem vocês no Brasil: tem muita garra.
QR – E o Watson?
BE – Ele é imprevisível, um maluco. Posso dizer isso porque já pilotou para mim em 1970/71 na Fórmula 2 e em 1973 na Fórmula 1, com um Brabham semi-oficial. Gosto muito dele e ele se abre muito comigo, indo sempre à minha casa para fazer confidências. Conversamos sobre vários assuntos nessas reuniões, menos corridas. É um piloto muito veloz e isso é muito bom para nossa equipe.
QR – Você acha que a crise mundial do petróleo poderá acabar com a F1?
BE – Eu não acredito nisso.
QR – E no Brasil, acha que a s corridas nacionais irão terminar?
BE – Também não acredito nisso. É só o Governo voltar dois anos e ver que na Europa superamos essa crise sem diminuir ou sacrificar as corridas dos calendários. O consumo de combustível numa temporada automobilística é irrisório. Uma prova de Fórmula 1, por exemplo, que tem 320 quilômetros de distância, mais os treinos e classificações, gasta tanto quanto um Jumbo correndo numa pista para levantar vôo. Outra coisa: as corridas são transmitidas pela TV e muitas pessoas ficam em casa, economizando gasolina. O Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 fez com que o país fosse colocado no Mapa Mundi e não ficasse conhecido apenas pelo Emerson. O Brasil tem uma dos quatro melhores pilotos do mundo e isso abre muitas janelas. Outra coisa, o Brasil tem ótimos circuitos em muitos novos pilotos podem ser revelados, o que já não acontece tanto nos países europeus, fora Inglaterra, França e Itália. Não acredito que no Brasil as corridas sejam proibidas, porque seria a mesma coisa que proibir as pessoas de assistir a uma partida de futebol no estádio.
QR – Se o Brasil proibir corridas nacionais, perde o direito de realizar o GP?
BE – Lógico que perderia, pois se um país não tem corridas internas, não tem o direito de pretender uma data no calendário da Fórmula 1, pois outros países também estão interessados em realizar seus GPs. A partir dessa ano, mesmo que por um ano, perderá sua data e nunca mais a reaverá. Na minha opinião, se o mundo, em particular a Europa, vir que o Brasil não realiza mais corridas devido ao problema de combustível, verá que o Brasil está com crises internas econômicas, já que eles também tiveram esse problema e não cancelaram as corridas pois encontraram uma solução.
QR – Como vê a entrada dos motores turbo na Fórmula 1?
BE – Não será possível admitir motores turbo na Fórmula 1, porque teríamos que fazer uma modificação total nos regulamentos, utilizar outro tipo de combustível, mais complicado. E, por favor, acredite-me, não há possibilidades. A utilização do motor turbo nos protótipos é diferente, porque tem outro coeficiente de cilindrada 2.200cc com turbo para elevar para 3.000, enquanto que na Fórmula 1 os motores turbo têm que se ter apenas 1.500cc. Fui assistir a uma competição com carros turbo e a diferença de potência entre eles é muito grande, não havendo competitividade. A Porsche tentou uma vez utilizar um motor turbo e não deu certo. Acredito que não temos nada mais avançado que os atuais motores da Fórmula1.
QR – Os atuais regulamentos das competições devem ser modificados?
BE – Principalmente na parte de segurança dos circuitos. Estamos em reuniões permanentes com a FIA tratando destes assuntos. Outra coisa importante que deve ser feita pela FIA e que não está sendo feita é com relação ao cumprimento das leis. Não existe uma pessoa destacada pela FIA para observar os limites estabelecidos pelos carros com uniformidade durante toda a temporada. Foi por isso que tivemos vários problemas na temporada passada, com desclassificações de carros e outras coisas. Mas temos muitas sugestões para fazer à FIA, principalmente com relação a limitações impostas aos carros.
QR – A FIA é encarada como inimiga da Associação?
BE – A FIA tem uma política muito complicada, que nós não queremos entender. Fazemos nosso trabalho pela Associação e, por enquanto, a FIA não está nos incomodando.
Textos e fotos: Roberto Ferrerira (Quatro Rodas)
Quero agradecer ao José Carlos Chaves, editor sênior da revista Quatro Rodas, por ter permitido a reprodução, em sua totalidade, dessa entrevista com Bernie Ecclestone.
Aqui fica o meu muito obrigado por essa oportunidade.
muito bom! legal ver a visão do Bernie, começando a ser manda chuva da categoria...
ResponderExcluirAchei muito legal o achado.
ResponderExcluirValeu
Pois é, Bernie pode manjar muito de administração e organização, mas de automobilismo... a opinião dele sobre os motores turbo chega a ser hilária.
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