domingo, 14 de novembro de 2021

GP de São Paulo - It's a Kind of Magic

 

Lewis Hamilton festejando sua vitória em Interlagos com a bandeira do Brasil
(Foto: Mercedes AMG/ Twitter)

Já devo ter escrito em alguma oportunidade que Interlagos tem uma atmosfera única. É algo que chega beirar a magia quando uma corrida grande se avizinha. Ainda me lembro de quando pisei os pés no Autódromo José Carlos Pace pela primeira vez e por mais que tenha sido um evento pequeno, consegui assimilar bem o significado daquele complexo para o motorsport. E essa impressão foi confirmada no decorrer dos anos em que entrei para trabalhar como comissário de pista: seja uma corrida de regional, uma etapa de Campeonato Brasileiro, um Mundial de Endurance ou a gloriosa Fórmula-1, o nosso autódromo velho de guerra ganha uma forma única que desperta em todos uma sensação de fazermos, de fato, parte de todo espetáculo. E Lewis Hamilton contribuiu com doses cavalares para que mais esta história fosse impressionantemente especial. 

Se olharmos o desempenho de Hamilton desde a formação do grid para a Sprint Race, não era de duvidar que o inglês vencesse a pequena prova com os pés nas costas: sua volta havia sido quase meio segundo melhor que a de Max Verstappen e com a adição de que esta foi feita com os três setores roxos - isso sem contar com o amplo domínio nas três partes do treino. A festa que foi feita após a obtenção dessa primeira posição acabou sendo ofuscada com a irregularidade no DRS - que acabou sendo descoberta por acaso, uma vez que o foco era na flexibilidade da asa traseira, uma vez que Adrian Newey e outro representante da Red Bull levaram alguns papéis para os comissários técnicos indicando que a asa traseira de Lewis se curvaria quando o chegasse aos 260km/h. Mas a procura pela tal flexibilidade acabou abrindo caminho para acharem a irregularidade no DRS que abria além dos 85mm regulamentares. Isso poderia causar uma desqualificação de Hamilton, o que o jogaria para o fundo do grid da Sprint Race. Conclusão: após quase 24 horas, e com o adendo de Max Verstappen ter também ter sido chamado pelos comissários para se explicar por ter tocado na famigerada asa traseira do Mercedes de Lewis, o inglês foi punido e precisou largar em último. Algo que poderia ser bem catastrófico em outras situações, já que ele também iria perder cinco posições pela troca do motor a combustão. 

A tarde fria do sábado paulistano viu um Lewis Hamilton aproveitar-se integralmente de sua superioridade mecânica para escalar o pelotão de forma insana e brindar seus fãs com uma grande pilotagem: ele acabara de sair de 20º para 5º em 24 voltas para anular uma desvantagem que poderia colocá-lo numa situação um pouco mais dificil para o domingo. Como bem dito, ele perderia a cinco posições e agora saíria em 10º na corrida. Cinquenta por cento do caminho havia sido salvo. 

Com a prova tendo a sua largada duas horas e meia adiantada em relação ao que foi a Sprint Race, esta começou com sol e isso poderia indicar uma certa dificuldade, mas as coisas foram bem diferentes: mais uma vez Lewis resolveu seus problemas na largada e em poucas voltas já estava em terceiro para iniciar uma batalha contra as Red Bull. A sua disputa contra Sergio Perez, após duas intervenções de Safety Car e Virtual Safety Car por conta de detritos no S do Senna, foi animada: foram três lances, sendo que ele passou por Perez por fora no S do Senna e depois tomou o troco no final da reta oposta e da mesma forma. Oras, Sergio Perez seria páreo para Lewis e agora ajudaria seu colega Max Verstappen? A destreza de Hamilton foi brilhante e ele acabaria por passar Sergio poucas voltas depois com manobra idêntica no S do Senna, mas desta vez tracionando melhor e abrindo uma distância considerável para que o mexicano não tivesse chance de revidar na reta oposta. Mas buscar Max Verstappen, que já levava quatro segundos não seria tão fácil...

As paradas de box, onde os dois principais rivais pelo título colocaram pneus duros, deixou Hamilton mais próximo de Verstappen e essa caçada chegou ao seu primeiro ponto alto quando o heptacampeão tentou a ultrapassagem e foi rechaçado por Max, num movimento onde os dois saíram para área de escape da descida do lago - isso gerou algumas rusgas com entre a Mercedes e a direção de prova, mas nada foi tomado. Após a segunda parada de box, onde os dois colocaram novo jogo de pneus duros, Lewis voltou mais forte e após uma série de tentativas e ameaças, o inglês conseguiu assumir a liderança na reta oposta e partiu para construir uma confortável diferença de dez segundos sobre Verstappen para vencer uma corrida que parecia perdida após todos os imbróglios. 

A conquista de Hamilton hoje em Interlagos foi grande e isso foi ainda mais imponente - não apenas por tudo que aconteceu de sexta para sábado e pela sua enorme atuação na Sprint Race - por conta de disputas tão duras com Max Verstappen que vendeu caríssimo a primeira posição - e claro, tivemos Sergio Perez que também foi duro e leal no seu breve duelo com Lewis. Temos que destacar que Lewis e Max estão elevando um ao outro a patamares mais altos nessa eletrizante disputa. E hoje foi mais um capitulo disso, que agora reduz para 14 pontos. 

Mas não podia deixar de lado a imagem que levou uma galera a se emocionar imensamente quando Hamilton pegou a bandeira brasileira de um comissário no Bico de Pato e desfilou com ela até chegar aos boxes, arrancando lágrimas e trazendo lembranças de conquistas de seu ídolo maior Ayrton Senna - e nem mesmo a chamada por ter feito o restante da volta sem o cinto de segurança, que lhe rendeu multa de 5 mil Euros, ofuscou toda essa apoteótica conquista. 

E mais uma vez Interlagos entregando um final de semana mágico, seja como Grande Prêmio do Brasil, seja como Grande Prêmio de São Paulo. 

domingo, 7 de novembro de 2021

GP do México: Não contavam com a sua astúcia

 


As duas últimas corridas realizadas foram boas chances da Mercedes e Hamilton abrirem bons pontos para a Max Verstappen, porém algumas coisas fugiram de seus controles: primeiramente na Turquia onde a Mercedes venceu, mas com Valtteri Bottas, enquanto que Hamilton precisou pagar sua punição por trocar algumas peças do motor e sair apenas em 11º após ter feito a pole. Sua corrida foi ótima, mas não o suficiente para ganhar pontos importantes ao ficar apenas em quinto; no GP dos EUA, um território bem conhecido por ele e Mercedes, a chance de sair de lá com uma vitória era grande, mas esbarraram no eficiente jogo do duo Red Bull/ Max Verstappen que levaram uma vitória maiúscula. Ou seja: o momento que eles tinham até ali um conjunto que parecia melhor, não foi aproveitado de uma forma que lhes dessem todos os pontos possíveis para assumir a liderança do mundial de pilotos e ampliar nos construtores. Isso a face de mergulhar em duas pistas que são reconhecidamente locais onde a combinação Red Bull Honda é favorita disparada. 

É bem a verdade que todos sabiam disso, principalmente a Mercedes, mas a qualificação foi uma mega surpresa até mesmo para eles quando Bottas encaixou uma tremenda volta e fez a pole com Lewis Hamilton logo em seguida. Isso daria um ânimo a mais para eles, já que até a Red Bull parecia ter sentido a pancada uma vez que a primeira fila parecia ser favas contadas. Mas a largada assombrosa de Max Verstappen - assim como a sua relargada - resolveu os problemas e talvez, mesmo que tivesse ficado encaixotado atrás do duo da Mercedes, seria bem dificil pará-lo hoje no Hermanos Rodriguez. Foi uma corrida a parte o que Max fizera, ao colocar um ritmo diabólico e abrir dez segundos de diferença quando a primeira parada de box foi feita e depois apenas aumentar no decorrer da prova para um vitória que começa a dar contornos a uma possivel conquista. 

Sem muito o que fazer, a corrida de Lewis Hamilton foi mais para diminuir os danos do que para tentar a vitória. Sabiam bem de como seria o desafio na Cidade do México e saíram bem a medida do possível. Sem Bottas por perto - que levara um toque de Daniel Ricciardo e caíra para o fundo do pelotão, inclusive ficando boa parte batalhando contra o mesmo Ricciardo -, o inglês precisou se virar como podia para tentar deixar um empolgado Sergio Perez o mais longe possivel antes e depois da parada de box. O blefe da Mercedes em parar Hamilton um pouco antes do combinado via rádio, ajudou a mantê-lo na segunda posição mesmo com Perez bem mais veloz com o mesmo composto (duro). 

Para Sergio Perez foi um final de semana dos sonhos, mesmo que ainda tivesse uma pequena esperança de vitória - e que dependeria bastante do que Verstappen entregasse. As suas hipóteses de chegar ao menos em segundo, esbarraram na boa performance de Lewis e também na estratégia da Mercedes para defender a posição de seu piloto. Mas de toda forma, Perez conseguiu a sua melhor posição de chegada num GP do México, assim como de um piloto mexicano nesta prova. 

O GP do México não foi das melhores e talvez o único momento onde teve alguma ação real, foi o confronto entre Lewis e Sergio. Mas este GP serviu para que Max ampliasse a sua diferença para 19 pontos sobre Lewis (312.5 x 293.5) e a Red Bull encostando na Mercedes na tabela dos construtores por 1 ponto (478.5 x 477.5).  

O GP de São Paulo pode ser um palco interessante para pavimentar ainda mais a futura conquista de Max Verstappen, mas ao mesmo tempo, por ser um local onde o tempo varia bastante, pode trazer algumas surpresas. 

domingo, 24 de outubro de 2021

GP do Japão de 1976: Muito além da decisão


A largada para uma prova para lá de cáotica em Fuji
(Foto: Motorsport Images)

Quando a Fórmula-1 chegou ao circuito de Fuji para a derradeira etapa da temporada de 1976, a única coisa que se passava pela mente dos demais era sobre a decisão de um campeonato que havia mudado de feição em algumas oportunidades: primeiramente esperava-se que Niki Lauda e Ferrari tivessem o campeonato sob total controle, mesmo com a crescente da Mclaren e James Hunt durante o certame. Porém, o terrível acidente de Lauda em Nurburgring deu ao mundial novos rumos: Hunt aproveitou-se bem da melhora do M23 da Mclaren e partiu para tirar a confortável vantagem de seu rival que ainda lutava pela vida. O retorno de Lauda no GP da Itália e mais a sua quarta colocação nesta prova - aliado ao abandono de Hunt -, mostrava que o mundial ainda estava na rota do austríaco, mas as duas corridas seguintes em Mosport (Canadá) e Watkins Glen (EUA) foram vencidas por James enquanto que Lauda marcava apenas quatro pontos nessas duas etapas. A diferença de 17 pontos que separavam os dois pilotos após o GP italiano, agora estava por apenas três pontos à favor de Lauda (68 x 65). 

Fuji seria o grande palco para esta decisão, mas ao mesmo tempo teria a sua própria história o que daria tons ainda mais dramáticos para uma corrida extremamente tensa.

Bernie Ecclestone no comando

Esta prova no Japão era a segunda a estrear no calendário daquele 1976: Long Beach foi o palco da terceira prova do campeonato e fez a sua estréia na categoria, realizando um sonho antigo de Chris Pook que promoveu a corrida e desenhou o traçado que recortava a bela cidade californiana - era a vontade de Pook em transformar essa prova em uma "American Monaco" e que de certa forma ganharia uma bela popularidade no decorrer dos anos, até que a ganância de Bernie Ecclestone colocasse tudo a perder quando quando exigiu mais dinheiro de Chris para renovação do contrato a partir de 1984. 

Bernie Ecclestone já era um pilar importantíssimo na categoria naquele período ao assumir o controle dos interesses das equipes particulares desde o inicio dos anos 1970. Por conta disso, sua figura não era bem vista pelos homens da FIA/ CSI e acabaria por desencadear uma batalha pelo controle dos contratos com os organizadores dos GPs, coisa que Ecclestone, muito astuto, passou a representar as equipes - é claro que as equipes particulares sempre ficaram escanteadas quando os contratos com os organizadores de GPs eram feitos na presença da CSI e Ferrari. Portanto, a guerra pelo dinheiro que entrava nos contratos assinados para levar a Fórmula-1 era o grande pano de fundo. 

A corrida no Japão não foi diferente e em julho de 1976, durante o final de semana do GP da França, Bernie reuniu-se com os representantes japoneses e exigiu deles algumas garantias, como o pagamento de todo transporte para Fuji. Caso isso não fosse possível, as equipes integrantes da F1CA (Formula 1 Constructors Association) não iria para a corrida - uma artimanha que ele usou por muitas décadas e funcionando em quase todas. 

Um pouco antes disso, numa tentativa de colocar alguém que pudesse confrontar Ecclestone, Pierre Ugeux, então Presidente da CSI (Commission Sportive Internationale) achou em Patrick Duffeler essa figura que podia fazer frente a Bernie nas negociações. Sua escolha era a melhor, diga-se: Duffeler esteve a frente da entrada da Marlboro na Fórmula-1 via BRM, para depois desembarcar na Mclaren onde começou a render frutos com a conquista de Emerson Fittipaldi em 1974 - também é preciso ser dito que o nome de Duffeler foi indicando em conjunto com Fritz Huscke von Hanstein, ex-piloto e um dos conselheiros da CSI, que nutria nenhuma simpatia por Ecclestone. Outro ponto interessante é que Patrick era amigo de Bernie e chegou tentar levara a Marlboro para patrocinar a Brabham já em 1973, mas a negociação, que foi tratada como tensa, acabou fracassando na ocasião. 

Voltando às tratativas para a prova no Japão, a primeira cartada de Duffeler foi aconselhar os japoneses a não aceitar o que foi pedido por Bernie. Porém, o outro braço de Bernie, Max Mosley, entrou em ação para negociar com Patrick - sem que Pierre Ugeux soubesse - uma situação que fosse boa para ambos os lados. Mas com a corrida para ser feita dentro três meses e levando em conta a possível ameaça de Bernie, os japoneses acabaram aceitando pagar um pouco mais para realizar o GP pela primeira vez. Uma cartada e tanto do inglês... 

Mais a frente, quando corria-se o final de semana do GP dos EUA em Watkins Glen, Bernie Ecclestone tinha a crença de que aquele mundial seria definido apenas na derradeira etapa - justamente o GP no Japão - e se ateve a isso para que o evento em Fuji fosse televisionado. O que acontece é que houve algumas discussões em torno da longa viagem para lá e também por conta das propagandas de cigarros e bebidas - isso já havia causado uma certa confusão no GP de Mônaco daquele ano quando a TV francesa se recusou a transmitir a etapa. Mas desta vez, talvez calejado por aquele problema em Monte Carlo, Bernie jogou com a possibilidade de se ganhar muito com aquelas propagandas sendo mostradas, afinal um público estaria atento para a decisão do campeonato - e também - com um certo potencial de consumo.  

A European Brodcasting ficou responsável pela geração das imagens e a BBC, que confrontou a ideia inicial, acabou cedendo e transmitiria a prova. 

Apesar das inúmeras críticas que possam ser feitas a Bernie Ecclestone, o seu faro comercial jamais pode entrar nessa conta. Era um negociante nato. 

Teste secreto, cascalhos e grades para a Ferrari

Alastair Caldwell, Teddy Mayer e James Hunt em 1976
(Foto: Motorsport Magazine)

A Mclaren estava a face de disputar pela terceira vez em sua história um título mundial na Fórmula-1. Havia provado este gosto em 1974 com Emerson Fittipaldi e passado perto em 1975 novamente com o brasileiro, mas desta vez esbarrando numa simbiose fortíssima entre Niki Lauda e Ferrari - já vista em 1974, mas dificultado devido os inúmeros problemas que enfrentara. Agora, em 1976, as coisas pareciam indicar mais um título para o duo austro-italiano até que os acontecimentos de Nurburgring dessem outros rumos para o campeonato. Porém, após o retorno de Lauda em Monza e confirmação da desclassificação de Hunt no GP da Grã-Bretanha - ele se envolveu num acidente com Jacques Laffite (Ligier) e Clay Regazzoni (Ferrari) logo na largada e acabaram sendo excluídos inicialmente por não terem completado a primeira volta. O apelo da torcida (leia-se revolta) em ver Hunt de fora foi levado em conta e tanto ele quanto Regazzoni e Laffite foram autorizados a largarem. Mas ninguém imaginaria que James venceria a prova e isso causou confusão quando Clay e Jacques foram desclassificados, mesmo após terem abandonado a prova. Ferrari, Tyrrell e Copersucar pediram a exclusão de Hunt e isso foi levado para os tribunais mais tarde, quando a decisão pela desqualificação foi oficializada no final de semana do GP do Canadá. 

Com esta decisão e estando 17 pontos atrás de Niki Lauda com três corridas para serem feitas, o desânimo bateu forte na equipe inglesa. Alastair Caldwell, então gerente da equipe Mclaren na ocasião, confirmou que a ideia de vencer o campeonato foi deixada de lado e isso o fez libertar James Hunt de suas amarras de "bom moço" do qual ele havia tornado durante aquela temporada. Mas as coisas seriam bem diferentes quando as duas corridas da America do Norte foram realizadas: James venceu ambas - com direito a uma bela noitada na véspera do GP canadense - e somou os 18 pontos necessários que o trouxe de volta para o jogo e que também foi ajudado pela baixa pontuação de Lauda que foi de apenas 4 pontos do terceiro lugar em Watkins Glen. 

Com tudo isso, não é para menos que a Mclaren tenha se animado para aquele GP final em Fuji. A equipe usou de uma velha artimanha de treinar no circuito e foi para lá uma semana antes da realização da prova para conhecer o circuito e já se ambientando ao local. Juntando isso ao fato de James Hunt ter ido para o Japão dez dias antes, foi um trunfo e tanto: uma equipe já bem adaptada ao local, sem jetlag e conhecendo cada metro de um circuito novo para eles, era uma vantagem importante para aquela decisão.

Mas, num período de uma semana o que uma equipe teria a fazer mais após tantos testes? Alastair Caldwell, apenas para se divertir, chegou a dizer para um jornalista que a "pista era boa, mas tinha muito cascalho pelo traçado", uma maneira de jogar uma pressão para cima dos demais que estavam chegando à pista ainda durante a semana. E as coisas não pararam por aí: no embalo da história dos cascalhos, Caldwell cehgou pedir que seus mecânicos colocassem grades para proteger as entradas de freios e radiadores. “Como estávamos entediados e não tínhamos mais nada para fazer, os mecânicos fizeram coberturas de malha para todas as entradas de ar do carro, para 'proteger' os dutos de freio e as entradas de ar.", comentou Alastair que ainda completou com uma pequena história sobre a presença de Niki Lauda, que sempre que podia estava nos boxes da Mclaren para conversar - e claro - espionar: “Niki veio ver o que tínhamos feito com os carros, pois ele também era um espião. Então eu disse aos mecânicos, 'por engano', para tirar as lonas dos carros para que você pudesse ver as grades em todas as entradas. Eles fizeram isso e então colocaram de volta rapidamente enquanto eu 'parecia aborrecido'."

A trolagem por parte de Alastair e toda Mclaren surtiu efeito: Lauda comentou sobre o que havia visto na equipe inglesa e relatou a Ferrari, que de imediato tratou de ir atrás de grades para colocar em seus carros. Pouco tempo depois, quando a equipe italiana havia conseguido e já instalado todas as grades em seus carros, pode-se ver que os da Mclaren - inclusive o carro reserva - não tinha mais as tais grades. Automaticamente Niki Lauda desceu furioso e soltou um "Bastardos de merda!" assim que avistou os Mclaren sem as grades. E claro, ele voltou aos boxes da Ferrari pedindo para que tirassem as peças. 

E a Mclaren havia achado um modo bem sarcástico para pressionar a Ferrari em meio a toda tensão que aquela corrida japonesa estaria sujeita em poucos dias.


Um GP para lá de confuso


James Hunt, Niki Lauda, Bernie Ecclestone e Ronnie Peterson, durante o vai ou racha sobre a 
realiazção do GP do Japão
(Foto: Mclaren)

Essa prova em Fuji não recebeu o nome de "Grande Prêmio do Japão": este pertencia às provas locais, mas especificamente a Fórmula-2, e a prova da Fórmula-1 levou o nome de "Campeonato Mundial de Fórmula-1 no Japão". Mas isso valeu apenas em terras locais. 

Para um ano que foi tenso tanto fora quanto dentro das pistas, a derradeira corrida não seria diferente: em meio a batalha entre a F1CA e FIA/ CSI, Patrick Duffeler estava preparando um contra-ataque as intenções da F1CA - leia-se Bernie Ecclestone - onde uma entidade representaria os organizadores de GPs para discutir os acordos dos GPs com a F1CA. Uma bela cartada visto que o campeonato de 1976 estava para acabar e que a de 1977 começaria já em janeiro - a entidade chamaria-se WCR (World Championship Racing) e aumentaria ainda mais a tensão entre as partes. 

O que poderia piorar ainda mais o clima tenso do que uma batalha política e uma decisão de título? A chuva se fez presente em Fuji e embaralhou as coisas naquele início de prova. Houve muita conversa, especialmente entre a GPDA (Grand Prix Drivers Association), Bernie Ecclestone e a direção de prova sobre realizar ou não a corrida. Os pilotos, liderados por James Hunt, Niki Lauda e Ronnie Peterson, estavam relutantes a não correr naquelas condições, enquanto do outro lado os organizadores do GP tinham enorme receio de que esta não fosse realizada e perdessem todo dinheiro - este também era o medo de Ecclestone, uma vez que neste momento ele estava em situação bem critica já que respondia pelos pilotos de sua F1CA e também pelos japoneses. O dinheiro que estava em jogo era bastante e ainda tinha os contratos com as TVs para a transmissão dessa prova. A cada minuto que se passava, mais complicado ficava.

Algumas equipes como a March, Surtees e Shadow sinalizaram que queriam correr, enquanto que outras, como a Ferrari, indicavam que não gostariam e isso levou Bernie a dizer que quem quisesse correr ficaria a vontade, porém este GP não contaria pontos para o mundial. Havia também a pressão por parte da FIA/CSI, representado por Paul Metternich (Presidente da FIA) e Pierre Ugeux (Presidente da CSI), para que a prova acontecesse. 

Depois de um período conturbado entre realizar ou não a corrida, esta foi feita assim que a chuva diminuiu e quando os carros alinharam já não havia quase chuva. Porém alguns pilotos decidiram não continuar assim que a largada foi dada e algumas voltas foram realizadas. 

Larry Perkins, que estava a serviço da Brabham naquele final de semana e foi um dos pilotos a abandonar a corrida, relata a sua impressão sobre aquele GP: "Não queria acreditar quando soube que o diretor da corrida decidiu levar a coisa por diante. Quando os carros começam a “acquaplanar” na reta, está demasiado molhado para correr. Mas esta aconteceu e eu parei após uma volta. Disse ao Bernie: “Eu até posso continuar, mas depois destruo o teu carro num despiste, logo, não vejo a utilidade em continuar por ali”. Não abandonei porque tinha medo, era jovem e não me preocupava com a minha segurança. Parei porque não queria estragar outro dos carros do Bernie Ecclestone. E na volta seguinte, Lauda decidiu retirar-se. E isso foi bem dramático, posso-te dizer.". Além de Perkins, Niki Lauda, Emerson Fittipaldi e José Carlos Pace foram os outros que abandonaram a corrida dentro das primeiras 10 voltas. 

A atitude de Niki Lauda em abandonar a corrida foi vista como heróica algum tempo depois, principalmente após o ocorrido em Nurburgring e todo processo a seguir, mas dentro da Ferrari, não foi bem vista. Há de ser dito que isso já vinha desde o inicio da temporada após a vitória de Clay Regazzoni em Long Beach, onde Lauda acredita que Danielle Audetto, então chefe de equipe da Ferrari, preferiu ver Regazzoni vencedor naquela prova. O acidente que austríaco sofreu de trator, quando este trabalhava numa lavoura em sua fazenda e que quase lhe custou a vida, foi um dos momentos críticos entre eles e que se estendeu até Enzo Ferrari - e sempre inflado pela apaixonada e falante imprensa italiana via Gazzeta Dello Sporte, que já indicava uma campanha para que algum piloto italiano substituísse Lauda. Apesar dos temores de Lauda não participar da prova na Espanha, então quarta etapa de 1976, o austríaco contrariou a previsão de seis semanas para recuperar-se e estava ao volante do Ferrari em Jarama para conquistar um honroso segundo lugar, com a vitória ficando para James Hunt. E claro, depois veio o acidente em Nurburgring...

John Watson foi um dos que comentaram sobre aquela decisão de Lauda em abandonar o GP japonês na segunda volta: "Houve muitas razões pelo qual ele decidiu abandonar. Os eventos no Japão mostraram até que ponto as condições eram ou não aceitáveis. Niki abandonou porque as condições eram inaceitávelmente perigosas, mas também porque ele tinha problemas em controlar um canal lacrimal, que tinha sido danificado por causa do incêndio. E também ele jogou com a situação, lançando os dados: James tinha de acabar em primeiro, segundo ou terceiro para ser campeão do mundo, e naquelas condições, não havia a garantia de que ele iria conseguir. A decisão do Niki era baseado no que aconteceu na Alemanha, mas também no seu pragmatismo. Ninguém conseguiria prever o que James iria fazer durante a corrida. Chegaria em terceiro? Ou poderia ter um acidente ou uma falha mecânica? Naqueles tempos, as falhas mecânicas eram bem mais frequentes do que agora. Não tinhas garantias de que irias acabar a corrida. Então, Niki Jogou os dados e… perdeu." . 

Todos os desdobramentos após a desistência de Lauda aconteceu logo após ele voltar para a Europa: Enzo Ferrari teria cogitado dar a Lauda um cargo de Diretor Esportivo - a cabeça de Audetto estava à prêmio já que ele teria sido incapaz de dar ordens para que Clay Regazzoni, que terminou em quinto, tentasse atrapalhar a escalada de Hunt após o pit-stop. Lauda reclinou na ideia e de imediato usou uma cartada de que se transferiria para a Mclaren e isso funcionou: a Ferrari recuou e assinou o contrato com ele para 1977. A verdade é que as relações já estavam desgastadas demais e ao final de 1977 isso ficaria muito claro. 

A corrida no Japão foi vencida por Mario Andretti e mais atrás James Hunt terminava em terceiro para conquistar o seu título mundial, mas ele não sabia que havia chegado ao triunfo: “Ele não olhou para a placa e quando entrou nos boxes começou a gritar com a gente, porque não sabia o que acontecia. Ele foi incrivelmente irritante no dia. Ele pilotou magnificamente, manteve-o na pista - esse é um ponto de vista. Do meu ponto de vista, foi o dia mais frustrante - eu poderia ter acertado ele com um taco de beisebol!" comenta Alastair Caldwell que ainda disse que voltaram para a Europa sem tocar no assunto, com ele os demais membros da equipe ainda chateados. Mas de toda forma, o título de pilotos estava com eles pela segunda vez em três temporadas. 

O GP do Japão voltou a ser realizado um ano depois e desta vez com o tempo seco: James Hunt venceu aquela prova, o que foi a sua última na categoria, mas a prova não deixou de lado o caos quando Gilles Villeneuve decolou sobre o Tyrrell de Ronnie Peterson e acabou indo de encontro a área de escape onde tinha algumas pessoas. O acidente acabou custando a vida de duas pessoas. Em 1978 prova seria realizada em no mês de abril, mas acabou sendo cancelada. 

Demoraria dez anos para a Fórmula-1 voltasse ao Japão, desta vez em Suzuka. E de uma forma muito mais organizada.

O pódio com Hunt (terceiro) e Mario Andretti, o vencedor. Patrick Depailler foi o segundo.
(Foto: Motorsport Images)




O link com a entrevista de Alaistar Caldwell para a Motorsport Magazine: 

https://www.motorsportmagazine.com/articles/single-seaters/f1/f1s-great-drives-james-hunt-1976-japanese-grand-prix

O link com a entrevista de Mario Andretti, Jody Scheckter, John Watson e Larry Perkins sobre aquele GP do Japão de 1976: 

https://continentalcircus.wordpress.com/2013/09/10/a-dramatica-corrida-de-fuji-contada-por-quatro-dos-pilotos-que-estiveram-la/

domingo, 26 de setembro de 2021

Vídeo: Sobre o título de Alex Palou na Indycar

 

(Foto: Bernardo Bercht)

Os comentários sobre a conquista de Alex Palou, que chega ao seu primeiro título na Indycar, e também sobre esta temporada 2021 da categoria. 


GP da Rússia: Decisões

 

Lando Norris esteve em grande forma neste GP da Rússia

Entendo perfeitamente Lando Norris. Quem nunca do alto de sua juventude desrespeitou uma ordem - ou pedido - por achar que estava certo? Porém existe uma via de duas mãos: você pode se dar muito bem e gabar-se por uma vida que aquele passo foi o certeiro e certamente colherá os louros da vitória. Mas... e quando as coisas saem errado? Esse é o grande problema... Dependendo de qual for a situação, você carregará um enorme fardo por não ter ouvido com mais atenção o pedido, conselho, e apenas ter se mantido fiel a sua idéia. 

O que aconteceu com Lando Norris neste GP da Rússia foi apenas um cenário onde a gana de vencer pode ter tirado do jovem inglês a oportunidade de vencer o seu primeiro GP, logo em seguida de seu companheiro Daniel Ricciardo ter vencido um magnifico GP da Itália. Mas Lando teve apenas um grande erro neste final de semana que parecia ser apenas dele no modorrento circuito de Sochi. 

A sua pole de sábado foi apenas uma amostra que o inglês pode fazer com pista molhada, algo que tinhamos visto em Spa-Francorchamps semanas atrás onde a pole position já deveria ter sido dele. Mas o acidente no complexo Eau Rouge/ Raidillion tirou dele essa oportunidade. Em Monza ele foi muito bem, mas esbarrou num inspiradíssimo Daniel Ricciardo que ressurgiu das cinzas para repor a Mclaren ao círculo dos vencedores quase nove anos depois. 

A hora de Lando parecia ter chegado em Sochi ao cravar a primeira pole na carreira numa pista úmida que fez até mesmo um dos mestres em pista molhada - Lewis Hamilton - errar duas vezes. E nem mesmo uma largada melhor de seu amigo Carlos Sainz parecia ter tirado dele a concentração em buscar o seu objetivo, ao superar seu antigo colega de Mclaren treze voltas depois e se mandar na liderança da corrida. Apenas algo muito sério é que poderia tirar de Norris esta conquista... 

O melhor ritmo de Lewis Hamilton após trocar dos médios para os duros, não pareceu abalar o ritmo de Lando que ainda continua a ter uma distância precisa contra o heptacampeão. Mas com a chuva se iniciando de modo fraco e em alguns pontos do circuito, trouxe uma variável dramática que aumentou conforme a prova ia entrando na sua reta final. 

É claro que houve muita gente pensando mais de duas vezes se valia ou não a pena trocar para os intermediários e com Norris e Hamilton não foi diferente, tanto que Lewis pensou em ficar na pista e depois acabou recuando quando viu a situação do asfalto piorar e foi para colocar os intermediários. Lando comprou a briga - de forma ríspida, diga-se - e manteve-se na sua idéia de que dava para aguentar com os médios numa pista que já parecia um sabão em quase todo traçado. Infelizmente a sua decisão não foi das mais corretas e sua autoconfiança acabou naufragando a sua possível primeira vitória. 

É claro que estando de fora as coisas são mais fáceis de se analisar, mas ao mesmo tempo, o nervosismo em tentar buscar a primeira vitória - a primeira real chance de conquistar a vitória que ele teve na Fórmula-1 - mais a dose cavalar de autoconfiança juvenil, atrapalhou bastante na hora de raciocinar. Faltou a experiência de entrar numa breve conversa com o engenheiro e procurar o melhor momento para trocar ou não os pneus. Hamilton teve a mesma dúvida, mas acabou aceitando a idéia de fazer a parada quando viu que, realmente, as condições do asfalto não eram as melhores. Para Lando faltou apenas ouvir mais e procurar saber como seriam as próximas voltas - apesar de que no momento que Lewis foi para a mudança de pneus a pista já estava numa condição não tão confortável assim. 

Mas sabemos que se caso ele tivesse conquistado a vitória, certamente estaríamos exaltando as qualidades de um futuro campeão do mundo, como muitos apontam. porém, sabemos que situações como a de hoje em Sochi ajudará - e muito - a moldar um futuro Lando Norris que talvez ouça mais e possa discutir com a equipe o que será melhor para o momento. 

Muito erros ainda podem aparecer, mas talvez este vá doer por muito tempo para o sempre sorridente Lando Norris. 

sábado, 25 de setembro de 2021

Vídeo: 24 Horas de Le Mans 1972 - Melhores Momentos

 


Apesar dessa edição de 1972 das 24 Horas de Le Mans ser lembrada como a prova onde Graham Hill alcançou a mítica marca da Tríplice Coroa no automobilismo, essa foi a vez de um dos grandes pilotos que já passaram por Sarthe começar a escrever a sua rica história na clássica francesa: Henri Pescarolo estava ao lado de Hill naquela edição e conquistava a sua primeira das quatro vitórias que ele viria ter na geral, assim como a primeira da Matra em Le Mans. Pescarolo foi o primeiro francês em 8 anos a conquistar as 24 Horas de Le Mans na ocasião - fato que não acontecia desde a conquista de Jean Guichet em 1964 - e foi o primeiro francês a ganhar a corrida pilotando um carro francês, situação que aconteceu pela última vez em 1950 quando Louis e Jean-Louis Rosier venceram aquela edição com um Talbot Lago. 

Henri Pescarolo completa 79 anos hoje. 


Vídeo: Os comentários sobre a qualificação para o GP da Rússia



Hoje foi um daqueles dias históricos para a Fórmula-1: além da inédita pole de Lando Norris - recuperando algo que poderia ter sido dele em Spa-Francorchamps - a categoria voltou a ter a formação das três primeiras posições do grid com suas três clássicas equipes: a Mclaren voltando a largar da posição de honra com Lando, coisa que não acontecia desde o GP do Brasil de 2012 quando Lewis Hamilton fez a pole; Carlos Sainz conseguiu a sua melhor posição de largada até aqui ao ficar com a segunda colocação e a terceira para o George Russel, que cada vez mais demonstra o talento que lhe é reservado. 

Dessa forma Mclaren, Ferrari e Williams voltam a formar a trinca num grid de largada desde o GP do Brasil de 2004 - e com esta formação, desde o GP da Europa de 2003. 

No vídeo, as minhas impressões sobre a qualificação em Sochi.


As marcas de Ímola

A foto é do genial Rainer Schlegelmich (extraído do livro "Driving to Perfection") tirada da reta de Ímola após uma das largadas. ...