Por algum tempo assistir o GP de San Marino foi bem estranho. Os acontecimentos daquele final de semana que foi a passagem de bastão do mês de abril para o de maio de 1994, ainda estavam bem frescos na memória quando houve a corrida em Ímola no ano de 1995 e que foi vencida por Damon Hill com a Williams. Curiosamente, até 1997, a Williams venceria em San Marino com Damon Hill (95 e 96 ) e com Heinz Harald Frentzen (1997) ainda quando rolava o processo de caça às bruxas em relação ao desaparecimento de Ayrton Senna.
Para a minha geração, ainda uma jovem geração que foi acostumada a acordar aos domingos pela manhã para ver os GPs de Fórmula-1, seja para torcer pelo Ayrton, seja para torcer para seu piloto preferido - ou até equipe - fomos apresentados de forma brutal a lidar com a morte bem diante dos nossos olhos e sentir na pele o que outras gerações sentiram ao ver seus ídolos do esporte terem o mesmo destino em épocas onde a morte andava emparelhada com a competição. Falando por mim, foi até fácil lidar com o mega acidente de Rubens Barrichello na sexta, mas ficaria impressionado com o desfecho trágico de Roland Ratzenberger no sábado e a situação pioraria no domingo ao ver o Williams de Senna ser desintegrado ao vivo para todo o mundo. As lágrimas não caíram, nem no momento e nem no decorrer da semana com o sepultamento do grande piloto, mas as impressões negativas do esporte que escolhi acompanhar seriam permanentes e acabaria sendo importante para lidar com outras que viriam no futuro, como a do Gonzalo Rodriguez e Greg Moore na CART em 1999 e mais tarde com a do Rafael Sperafico, esta última eu estando em Interlagos e presenciando um momento pesado do motorsport em 2007.
Apesar do terrível final de semana de abril/ maio de 1994, a minha geração, então mirim, já havia visto algumas coisas pesadas. Falando especificamente da Fórmula-1, tivemos o assustador acidente de Gerhard Berger em Ímola 1989 na mesma Tamburello que anos depois tornaria-se negativamente famosa. A bola de fogo que tomou a Ferrari foi igualmente impressionante como os dos acidentes de 1994, mas para a sorte do hilário austríaco os bombeiros chegaram a tempo e o tiraram do inferno. Marin Donnelly em Jerez 1990 talvez tenha sido o susto maior, apesar que este não vimos amo vivo, mas a sua imagem inerte na pista, ainda com o banco colado ao corpo, já distante do que sobrara do Lotus, nos trouxe a impressão que aquilo, de fato, era extremante perigoso. Somente uns bons anos depois é que soubemos que o irlandês tinha se recuperado daquele terrível acidente - curiosamente, dois GPs antes, em Monza, Derek Warwick sofreria um mega acidente antes de completar a primeira volta quando bateu na saída da Parabólica e capotar o Lotus que deslizou até a entrada de box. O inglês saiu inteiro e foi rumo ao carro reserva para a segunda largada. Eric Comas era um daqueles franceses que vinham na esteira do sucesso de Alain Prost e, claro, procurava um lugar ao sol da F1 quando teve seu Ligier espatifado já no trecho final da Blanchimont em Spa-Francorchamps 1992. A rapidez de Ayrton Senna em ir ao encontro do francês e prestar os primeiros socorros, foi vital para que ele continuasse a sua estadia na categoria e mais tarde rumasse ao Japão para conquistar o coração dos nipônicos e automaticamente da Nissan - e até hoje agradecer imensamente os cuidados de Senna naquela tarde ensolarada em Spa. Alessandro Zanardi, futuro ídolo da Indycar e que também procurava seu espaço na F1, teve seu pavaroso acidente no temido trecho da Eau Rouge/ Raidillon e que por muito pouco não lhe custara a vida. Estes acidentes nos deram uma real noção de como as coisas neste esporte poderiam se desfazer num simples momento de descuido.
Por mais que o circuito Enzo e Dino Ferrari tenha sido palco de um momento cruel para o esporte, é um local que gosto bastante. É muita história encravada naquele local iniciando pela disputa Gilles Villeneuve vs Niki Lauda na prova extra-campeonato de 1979, onde o canadense acabaria perdendo a asa dianteira - alguns anos depois, no famoso duelo contra seu então companheiro de Ferrari, Didier Pironi, dava inicio ao fim de sua amizade com o piloto francês, assim como o seu relacionamento com a Ferrari. Infelizmente, no meio de tantas rusgas e mágoas, ele encontraria a morte semanas depois em Zolder. Senna e Prost, os homens que monopolizariam as atenções de todos entre os anos de 1988 até 1993, tiveram seu primeiro duelo real ali mesmo em 1985, mostrando ao mundo um pequeno aperitivo do que seria a F1 em dentro de poucos anos. Nelson Piquet provou o gosto da Tamburello em 1987, o que acabou limitando sua pilotagem para o restante de seus anos, mas ainda garantiria o título daquela temporada. De todos os pilotos, Ayrton Senna é o que tinha uma ligação umbilical com aquele circuito, talvez comparado com o que ele estava criando com Monte Carlo, criaria com Suzuka e depois com Interlagos: a sua não qualificação em 1984; a incrível sequência de sete poles entre 1985 e 1991; a primeira vitória de pela Mclaren (assim como a primeira dele naquele circuito) que se repetiria em 1989 e 1991; a Guerra Civil contra Alain Prost deu o início ali mesmo em 1989 com a quebra do famoso pacto por parte do brasileiro; e depois a fatídica edição de 1994, onde ele conquistaria a sua última pole e também realizaria a sua derradeira corrida.
Da mesma forma de gerações que viram o desaparecimento de Jim Clark em Hockenheim 1968, Ronnie Peterson em Monza 1978 e Gilles Villeneuve em Zolder 1982, também temos a de Ímola 1994 como o momento onde caiu a ficha de que o esporte é realmente perigoso. E passamos a lidar com isso e carregar o fardo de ter que conviver com as criticas de quando acontece um acidente fatal.
Hoje Ímola faz parte do calendário da Fórmula-1 desde 2020. Está reformulada em grande parte, mas ainda carrega as marcas de um época onde o esporte estava prestes a iniciar uma corrida desenfreada - e importante, diga-se - pela segurança de autódromos, carros e colaboradores. Infelizmente o preço do progresso deste esporte que escolhemos amar, é pago com a vida de outros, seja pilotos, seja colaboradores e por mais que seja cruel, sempre foi assim.
Ímola acabaria sendo uma das primeiras a sentir o "corte do bisturi" para 1995, com o desaparecimento da Tamburello em seu formato original, assim como a da Villeneuve. Mas as marcas daquele período tenebroso, não serão apagadas de forma alguma, assim como a de tantos outros circuitos e também das pessoas presenciaram tudo aquilo naqueles dias de abril e maio de 1994.
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