Desde que as
atividades começaram em Sarthe, a partir do Journeé Test, semanas antes do
início oficial dos trabalhos, é que havia uma expectativa de como seria as
coisas na pista francesa. As imagens que rodaram o mundo ao final da edição de
2016, com Kazuki Nakajima desesperado por seu TS050 Hybrid ter perdido a
potência faltando uma mísera volta para o tão sonhado triunfo, ainda estavam
bem frescas na memória e talvez, por isso, acreditando que a adoção de um
terceiro carro para esta edição 85 seria válida, afinal de contas a Toyota
perdeu algumas edições de Le Mans por não ter um terceiro protótipo de
“backup”. Eles viram como foi a vitória da Porsche em 2015, quando os dois
regulares falharam e o terceiro conseguiu a aproveitar a grande oportunidade
para cravar a então 17ª vitória da fábrica em Sarthe. Ou então a Audi em 2011,
quando dois dos seus três R18 Ultra acabaram ficando pelo caminho por conta de
acidentes e o terceiro carro restante acabou levando a glória para a marca de
Ingostaldt, frente a uma horda de Peugeots que foram acordar na parte final da
prova. Mas daí já era tarde.
O trabalho da
Toyota com os seus três TS050 Hybrid em Le Mans estava perfeito: uma
qualificação fabulosa por parte do #7 que cravou uma pole com uma média recorde
para a história do circuito em todos os tempos, aproveitando e muito bem um
inspiradíssimo Kamui Kobayashi que soube aproveitar integralmente de toda a
potência que aquele carro lhe reserva. E melhor, a segunda colocação do #8 na
primeira fila também ajudava bastante em caso de um dos Porsche tentar um bote
na largada. O #9 aparecia na quinta colocação e era o “backup” para qualquer
emergência.
Uma largada limpa
e o #7 estava intocável na frente, enquanto o #8 tinha dado uma leve
escorregada na segunda perna da Dunlop e perdido a posição para o #1 da
Porsche, que mais tarde seria recuperado. A corrida transcorreu de forma
tranqüila até a quarta hora, quando o Porsche #2, então quarto colocado,
começou a soltar fumaça após a saída da Mulsanne. De imediato chamaram-no para
os boxes e lá constatou que o problema era nos freios. Com o problema
resolvido, o carro voltou apenas uma hora depois quando já levava dezenove
voltas de atraso para o Toyota #7 e estava num longínquo 55º lugar. A escalada
não seria nada fácil para o segundo carro da Porsche.
Com apenas um
carro lutando contra três Toyotas, para a Porsche apenas algum fator poderia
mudar a história ainda naquelas horas iniciais. Para os grandes entendedores do
endurance, sabe-se que a parte noturna e do amanhecer é terrível. Quase que
sempre acontece fatores que mudam bruscamente o andamento da prova ou então
interferem mais para frente. Para quem teve pena da Toyota ano passado ao ver o
carro parar na linha de chegada prestes a abrir a volta final, talvez achasse
aquilo um golpe duro do destino. Mas desta vez as coisas foram mais cruéis:
numa tacada só, num intervalo de duas a duas horas e meia a Toyota, que parecia
imaculada no topo da LMP1 em Sarthe, se viu devastada com a perda de dois
dos
seus três carros. Iniciando pelo #8 que teve problemas nos freios de forma tão
grave, que precisou ficar no cavalete para trocar o sistema todo. Pouco tempo
depois foi a vez do líder #7 passar a andar lento e depois parar na pista, para
não voltar mais. Não bastasse isso, pouco minutos depois, foi a vez do #9 se
envolver num enrosco com um LMP2 e ter a parte traseira danificada. Pior: ainda
teve um principio de incêndio que acabou tirando carro de combate. O #8 ainda voltou
para a pista, mas com eternas 30 voltas de atraso para o agora líder Porsche
#1. A pergunta que fica é se foi pior perder a prova na linha de chegada ou
perder os três carros praticamente numa tacada só? Na verdade, a decepção é tão
grande para aqueles lados da Toyota que é difícil até traduzir. E isso só nos
faz imaginar que Toyota e 24 Horas de Le Mans não foi feitos um para o outro.
A liderança pra lá
de folgada para a Porsche #1 sugeria uma abordagem mais branda, afinal
administrar a diferença para um carro da LMP2 (Rebellion) que se encontrava
agora em segundo na geral, não era tão difícil. E isso foi feito a risca até que
faltavam menos de quatro horas para o fim, quando o Porsche #1 parou na pista
com problemas. André Lotterer, que estava ao volante, ainda tentou fazê-lo
funcionar ao andar mais alguns metros, mas a pressão do óleo subiu para níveis
alarmantes e isso acabou levando o 919 Hybrid #1 ao nocaute. Com o baixo número
de carros na LMP1 Hibrida (5) e na LMP1 particular (1), não era de se assustar
se víssemos um ou alguns LMP2 entre os três primeiros. O duelo entre os dois
carros da Rebellion, que dominaram quase que amplamente esta classe, foi se
desfazendo conforme as horas iam passando: alguns contratempos, problemas e até
punições, foram deixando os carros da simpática equipe suíça para trás e isso
trouxe para a ponta a equipe que leva o nome do ator Jackie Chan (Jackie Chan
DC Racing). O Oreca Gibson #38 assumiu a ponta assim que descontou o atraso que
levava em relação ao Porsche #1, mas sabiam que não seria nada fácil: a então
carta fora do baralho, o Porsche #2, emergiu como a grande força da equipe
alemã. Um trabalho hercúleo – e de paciência – de Timo Bernhard/ Earl Bamber/
Brendon Hartley para conseguir recuperar todas aquelas voltas de desvantagem e
estar numa situação de levar a Porsche a uma conquista fenomenal no seu
território predileto.
Como era de se
esperar, o Porsche #2 descontou a volta de atraso para o carro #38 na hora
final para assumir a liderança. E ainda tiveram tempo para colocar uma volta
sobre eles, para passar e vencer a 19ª 24 Horas de Le Mans para a fábrica de
Weissach.
Mais uma para a
conta da Porsche, e de forma magnífica e histórica.
LMP2
O abandono do #26
da G-Drive, ainda na segunda hora, após o acidente com o #88 da Proton
Competition, indicava uma vida mais tranquila para que os carros da Rebellion
fizessem a prova apenas para administrar a ponta dessa classe. E isso até que
estava dando certo, uma vez que os #13 e #31 estavam até mesmo se revezando na
dianteira. Mas como se trata de uma prova longa, sabemos que nem sempre as
coisas saem como planejado: problemas mecânicos e punições acabaram atrasando
os dois trios e isso deu ao carro #38 da Jackie Chan DC Racing, a raríssima
chance de liderar na geral – e até com chances (remotas) de vitória – quando o
Porsche #1 abandonou faltando quatro horas para o fim. A aproximação e
ultrapassagem do único sobrevivente dos Porsche - o #2 - era inevitável, mas a
vitória na LMP2 foi bem vinda. Um trabalho fabuloso do trio formado por Ho Pin
Tung/ Oliver Jarvis/ Thomas Laurent.
LMGTE-PRO
Sabemos que essa é
classe onde as coisas se definem nos detalhes e até a hora da bandeira
quadriculada, a respiração fica parada. O duelo entre o Aston Martin #97 e o
Corvette #63 nas horas finais, foi uma bela volta por cima para dois carros que
não tinham ido bem na edição de 2016. Beneficiados pelo BOP para este ano,
aproveitaram bem a oportunidade e ainda deram um belo espetáculo para os fãs
dessa classe ao lutarem desenfreadamente até o fim da prova.
Os Aston estiveram
bem desde os treinos e na corrida, apesar de alguns infortúnios, como o pneu
furado por #95 – quando este liderava a classe na quarta hora de prova. O #97
fez bem o seu papel e soube suportar bem as pressões do Corvette #63 e até
mesmo dos Ford GT, que apesar de terem sido alijados por causa do BOP, ainda
deram seu ar da graça em alguns estágios. Os Ferrari também, mas assim como os
Ford, estavam um pouco longe do ideal.
Para a Aston
Martin, que tantas vezes bateu na trave nos últimos anos, foi uma vitória maiúscula
do #97 que foi conduzido pelo trio Jonny Adam/ Darren Turner/ Daniel Serra.
LMGTE-AM
(Foto Andrew "Skippy" Hall/ Dailysportscar) |
A Ferrari fez a
trinca nesta classe que por um breve momento, teve na Aston Martin um grande
opositor. Mas o decorrer da prova foi valendo a maior durabilidade dos 488 GTE.
O Ferrari #84 da
JMW acabou por vencer com o trio formado por Rob Smith/ Will Stevens/ Dries
Vanthoor.
Dramas e festas
Não foi dessa vez
que a Toyota chegou ao olimpo em Sarthe. Problemas vão, problemas vem, e a
fábrica japonesa continua batendo na trave. Um dia irão ganhar a clássica
francesa? Creio que sim. Não quando estiverem dominantes como foram este ano,
2016, 2014 e em outras oportunidades, mas sim quando as coisas estiverem
conspirando a favor de outra equipe/fábrica. É tudo uma questão de momento.
E para a Porsche,
uma conquista fabulosa exatamente quando as coisas pareciam se perder. A vitória
do #2 lembrou a epopeia de 40 anos atrás, quando a Porsche também sofreu
problemas com o 936/77 de Jacky Ickx/ Henri Pescarolo na volta 45, obrigando o
abandono destes. Porém, Ickx voltaria a prova no carro de Jürgen Barth/ Hurley
Haywood e escalar o pelotão a partir da 42ª posição para uma vitória heroica – e
ainda enfrentando problemas no motor na última hora de corrida, após ver os Renault A442 ficarem pelo caminho.
Foi fabuloso o dia
em Sarthe. Mais um!
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