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(Foto: DPPI) |
Corridas grandes como as 24 Horas de Le Mans tendem a serem cruéis, mas também existe o seu lado mágico onde alguns escolhidos são agraciados com seus nomes gravados para a eternidade do esporte. Se voltarmos no tempo, há exatamente 1 ano, víamos a Ferrari vencer a clássica francesa pela segunda vez após o seu retorno com uma conquista dramática do trio do 499P #50 (Antonio Fuoco/ Nicklas Nielsen/ Miguel Molina), com Nielsen administrando os minutos finais com apenas 10% de combustível contra um feroz Jose Maria Lopez, escalado de última hora para correr no Toyota #7 em substituição ao machucado Mike Conway, que parecia ter todas as condições de vencer uma prova histórica para a fabricante japonesa. A sensibilidade de Nicklas Nielsen, com o Ferrari #50 chegando aos 4% de combustível e mais os erros de Lopez, garantiram uma das vitórias mais dramáticas da história da grande prova.
Mas, se no box da equipe oficial havia muito o que se comemorar, no outro box, o do AF Corse, com o outro 499P #83 na cor amarela - que facilmente ganhou a simpatia do público, mesmo aqueles que não sejam ferraristas - havia uma grande dose de tristeza de quase ter beliscado a vitória. O trio formado pelo experiente e combativo Robert Kubica com os jovens Robert Schwartzmann e Yifei Ye flertaram com a vitória até o momento em que o sistema hibrido do carro entrou em colapso e forçou a retirada deles quando ainda faltavam cinco horas para fim. Apesar da grande decepção em terem chegado tão perto, a recompensa - ou prêmio de consolo - viria meses depois quando eles venceram as 6 Horas de Austin, então sexta etapa do campeonato de 2024. Por outro lado, o gosto amargo da chance perdida em Le Mans certamente não havia se dissipado.
Passado 1 ano, que esperar de mais uma edição das 24 Horas de Le Mans? Apontar o favoritismo para a Ferrari que, além de ter vencido as edições de 2023 e 2024, estava em grande forma nessa temporada tendo vencido as três provas iniciais do campeonato com muita autoridade. É bem provável que a principal pergunta é se sobraria algo para os rivais.
O desafio lançado pela equipe Hertz Team Jota colocando seus dois Cadillac na primeira fila, numa das qualificações mais comentadas dos últimos anos, foi dissipada logo na largada com o Porsche #5 abrindo caminho feito um raio. Isso poderia sugerir que veríamos disputa ferrenha assim que percebemos que o esquadrão da Ferrari subir na classificação e assumir a três primeiras posições com os 499P se revezando na liderança.
As punições para os Ferrari #50 e #51, seja por estourar limite de velocidade nos pits, desrespeitar bandeira amarela e/ou cortar as chicanes, deu aos Porsches #5 e #6 e o Toyota #8 a chance de igualar as forças e passar a disputar diretamente com a Ferrari #83 a liderança da prova e isso durou por um bom par de horas. O acidente do Cem Bolukbasi com o #24 da Nielsen Racing na Tertre Rouge na 12ª hora trouxe à tona o Safety Car e com isso os dois Ferrari oficiais que ganharam vida.
O retorno dos Ferrari à dianteira não significou que as coisas estariam totalmente sob controle, mesmo que os três carros italianos estivessem novamente na liderança. O Toyota #8 e o Porsche #6, mesmo que ainda não tivessem puro ritmo para ameaçar o trio ferrarista, conseguiam igualar as forças na estratégia que era o único modo de furar a bolha. O Toyota #8 caiu assim que perdeu um dos pneus logo após a sua parada de box, dando adeus a chance de tentar uma cartada final pela vitória.
O que vimos nas horas finais foi um batalha hercúlea do solitário Porsche #6 contra os três Ferrari. Matt Campbell fez um trabalho primoroso ao conseguir quebrar a sequência dos Ferrari e depois entregar para Kevin Estre tentar manter a viva a chance. Nem mesmo a presença de Antonio Fuoco no Ferrari #50, outro reconhecido pela sua grande velocidade, conseguiu combater o Porsche #6 que já estava com o francês no comando.
A última hora foi de grande tensão com o Porsche #6 de Kevin Estre tentando descontar a diferença que o separava do Ferrari #83, que era conduzido por Robert Kubica. Apesar dos esforços de Estre em tentar alcançar o #83, o foco de Robert Kubica estava em dia: o piloto polonês tinha todas as reservas possíveis para responder naquele final, seja superando os retardatários, seja na hora de virar voltas mais velozes que o francês, mostrando que ao menos, aquele 499P amarelo, estava afiado - mesmo que, horas antes, Kubica tenha informado que as marchas menores não estavam em ordem, o que poderia sugerir um agravamento mais adiante algo que o próprio Robert chegou falar pouco tempo depois que "seria impossível terminar daquela forma". Apesar deste percalço, ficou claro que Kubica estava com tudo sob controle e o restante daquela hora final controlou bem e até aumentou a diferença para o Porsche #6 de Kevin Estre - quando retornaram do último pit-stop, a diferença entre os dois carros girava entre 9, 10s e foi até os 14s na última volta.
A vitória do 499P #83 com Robert Kubica/ Yifei Ye/ Phillip Hanson não apenas representou a terceira conquista consecutiva da Ferrari após seu retorno, como também a conquista que poderia ter sido deles em 2024 quando o problema hidráulico - seguido de incêndio - os privou de chegar ao lugar mais alto do pódio. Foi mais uma tarde histórica em La Sarthe.
Para a Ferrari, que chegou a sua 12ª conquista em Le Mans, ela iguala a sua sequência de 1960, 61 e 62 - que foi estendida até 1965 - e ao mesmo tempo elevando o 499P a outros carros da marca que também venceram em Le Mans como a 250 Testa Rossa que levou as edições de 1958, 1960 e 1961.
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(Foto: DPPI) |
Robert Kubica, de quem conhecemos bem a história de carreira sendo que, há 14 anos trás quase teve a
vida encerrada abruptamente com o acidente numa etapa de rally, comentou sobre essa conquista em La Sarthe: "Sinceramente, é um grande dia para mim. Se eu puder acrescentar a isso a Polônia como vencedora geral de Le Mans, é um grande reconhecimento. É como ser o primeiro polonês a vencer uma corrida, tornando-me campeão mundial de rali do WRC2. Também é uma ótima maneira de agradecer aos meus fãs, que estiveram comigo nos bons e maus momentos da minha vida e carreira."
Yifei Ye, que esteve na tripulação em 2024, falou da sua paixão e desejo em vencer a clássica francesa agora realizada: “Le Mans é um lugar muito próximo do meu coração. A última vez que subi ao pódio aqui foi na Fórmula 4 Francesa, em 2016, e meu sonho desde então é um dia vencer as 24 Horas de Le Mans. Eu tinha um apartamento ao lado dos Esses e, da minha janela, podia ver o restaurante Tertre Rouge e ouvir o barulho dos carros. Jamais poderia imaginar que, 11 anos depois de chegar à França, venceria esta corrida com a Ferrari. É realmente algo único...”.
Além do desaire de 2024, como já dito, em que eles estavam com boas chances de vencer aquela edição, Robert Kubica e Yifei Ye tiveram outra decepção em Le Mans alguns anos antes: o Oreca #42 Team WRT liderava confortavelmente a LMP2 quando abriu a última volta com Robert Kubica no comando quando o carro parou nos Esses da Dunlop com problemas elétricos negando ao trio formado com Ye e Jean Louis Délétraz a vitória - que acabou caindo no colo do outro trio do Team WRT com o #31. Passados três anos, a decepção de ficarem pelo caminho aconteceu com o Ferrari 499P #83, mas desta vez algumas horas antes do fim. Ye relembrou os dois momentos: “Na minha primeira Le Mans, em 2021, enfrentei a maior decepção da minha carreira. No ano passado, novamente, o carro estava funcionando muito bem e lideramos por 83 voltas, mas infelizmente um problema técnico nos obrigou a abandonar. Antes do fim de semana, Robert brincou comigo: 'Já corremos juntos em Le Mans duas vezes e não terminamos, então espero que esta seja diferente' – e finalmente completamos a última volta que começamos há quatro anos!"
Não é à toa que estas provas tradicionais levam o mantra de "escolherem os seus". Passados estas decepções em 2021 e 2024, chega ser mágico que Kubica e Ye tenham sido agraciados com essa conquista como um reconhecimento do esforço de ambos em prol de um objetivo. Este momento em Le Mans, mais um vez, inspirará outros mais a procurarem o caminho do Endurance.
Essa edição das 24 Horas de Le Mans por muito pouco não teve o recorde de distância percorrida. O Ferrari 499P #83 percorreu 5.272,54 Km com 387 voltas feitas. O recorde ficou a 138km do oficial que foi estabelecido pelo Audi R15 TDi do trio Romain Dumas/ Timo Bernhard/ Mike Rockenfeller na edição de 2010.