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Schumacher comemorando a primeira das suas 91 vitórias, em Spa 1992
(Foto: Getty Images) |
Aquele alemão queixudo, de cabelo com corte típico dos anos oitenta
que pouca gente conhecia, a não ser alguns que acompanhavam o Mundial de Sport
Protótipos, estreou e fez algum barulho na F1 quando levou o Jordan ao sétimo
lugar do grid do GP da Bélgica de 1991. Um feito notável, uma vez que ele nunca
tinha corrido por lá e Willy Webber, seu empresário, jurou de pé junto que o seu
garoto conhecia a pista belga muito bem. Enganou direitinho e caso o câmbio não
quebrasse após virar a La Source depois da largada, Michael poderia muito bem
ter se dado ao luxo de tentar algo muito melhor naquela prova, pois o
desempenho do Jordan naquela pista foi tão bom que Andrea De Cesaris chegou a discutir
a vitória com Ayrton Senna. Passado um ano, ele voltou e venceu em Spa como se tivesse
marcado hora e lugar para que a sua primeira vitória acontecesse lá. Foi astuto
ao trocar os pneus na hora certa em que a pista secava e teve a sorte de as
Williams sofrerem problemas mecânicos. Venceu bem e convenceu toda a crítica
que já via nele um futuro vencedor de Grandes Prêmios. Para Flavio Briatore,
que tinha desalojado Pupo Moreno um ano antes para dar lugar a Michael, o
investimento estava dando resultado e para Schumacher a caminhada para algo
maior estava apenas começando.
Aquela vitória na tarde molhada de 30 de agosto parece
agora, vinte anos mais tarde, o início de algo grandioso que na época era
difícil de perceber: o domínio de um cara só. Apesar de que Ayrton ainda
estivesse por lá, outros ases tinham, ou estavam deixando a categoria: Piquet
pendurou o capacete em 1991 e foi respirar outros ares; Prost estava num ano
sabático após ter sido escorraçado pela Ferrari ao final de 91, mas já
arquitetava por debaixo dos panos a sua volta à F1 pela Williams que Mansell
acabara de levar aos títulos de Pilotos e Construtores. Este último também caiu
fora para 93, indo se divertir na IndyCar. Senna também estivera envolvido num
vai ou racha quanto à sua permanência na categoria e na McLaren, que foi
resolvido apenas na temporada de 93. Ou seja, a velha guarda, mesmo tendo Senna
e Prost no comando ainda em 1993, começava a pensar na aposentadoria. Os
novatos não eram tão promissores e também não estavam em grandes equipes: salvo
Alesi que ainda era uma esperança do automobilismo francês, onde depositavam as
fichas apostando que seria o substituto de Prost. Schumacher era o único que
estava numa equipe, que de fato, tinha condições de vencer corridas. Jean
estava na Ferrari, era jovem, rápido, brigador, mas a equipe italiana passava
por uma crise técnica e administrativa pavorosa. Michael também era
veloz e ousado, mas estava numa equipe muito mais bem organizada e era o Team
oficial – se é que podemos dizer assim – da Ford na F1 sendo que todas as
especificações dos HB e novidades passavam pela equipe ítalo-inglesa. O corpo
técnico também era dos bons: Rory Byrne e Ross Brawn acharam em Schumacher o
cara perfeito, o piloto por excelência, para desenvolver os bem sucedidos
Benettons que saiam de suas mesas de projeto. E apesar da aparição de
Barrichello, Christian Fittipaldi, Damon Hill e a volta de Mika Hakkinen, se
alguém ainda quisesse apostar algo, Alesi e Schumacher encabeçariam a lista.
Mas Michael, como disse antes, era o mais bem apanhado
tecnicamente. O seu talento floresceu ainda mais em 93, apesar de ter conquistado
apenas uma vitória e em 1994, com um carro melhor ou do mesmo nível que a Williams, ele apareceu forte nas primeiras etapas ao derrotar Senna e
tomar conta do resto do campeonato quando o brasileiro morreu. Michael, apesar
de todas as controvérsias ao redor do desempenho do seu Benetton B194 - e também das suspensões e desqualificações que tivera -, ganhou o
mundial daquele ano. O pupilo da Mercedes tinha chegado ao topo em dois anos e
meio e daí em diante não pararia mais e a figura de ídolo que ele construiu nos
anos 90 motivou os garotos alemães a começarem a competir e isso de ajuda muito
o automobilismo em qualquer parte do mundo.
Os alemães tiveram uma época de ouro com os resultados das
imbatíveis Mercedes e Auto Union na segunda metade dos anos trinta. Rudolf Caracciola,
Bernd Rosemeyer, Hans Stuck, Manfred Von Brauschitsch e Hermann Lang eram os
nomes que haviam elevado a Alemanha à potência automobilística de competição
que foi quase dizimada após a Segunda Guerra Mundial. Mesmo com a volta da
Mercedes em alto estilo ao mundo das corridas, com títulos na F1 e nas
principais provas européias, ainda faltava-lhes um grande piloto e até a sua
saída em 1955, motivada pela tragédia de Le Mans, este não havia aparecido. Wolfgang
Von Trips, que parecia ser o piloto primeiro alemão a ser campeão do mundo,
acabou falecendo num acidente em Monza 1961, justamente quando decidia o título
contra seu companheiro de Ferrari Phil Hill. Os alemães esperariam por mais 23
anos até que Stefan Bellof, que tinha talento suficiente para tal conquista,
aparecesse e desaparecesse feito um raio ao morrer em Spa-Francorchamps num a
prova válida pelo Mundial de Sport Prototipos em 1985. Michael apareceria seis
anos depois, lá mesmo em Spa, como a mais nova esperança de um piloto alemão de
chegar ao olimpo. E este conseguiu.
Michael atingiu números inimagináveis e suas conquistas
motivaram os garotos. Da mesma forma que os títulos de Emerson, Nelson e Ayrton
influenciaram garotos que decidiram apostar no automobilismo e tentar a sorte
de um dia, quem sabe, chegar à F1, a “Schumachermania” também criou uma legião
de meninos que ingressaram no kart na segunda metade dos anos 90 e que agora
estão na F1: Vettel, Hulkenberg, Rosberg, Glock (que não é tão garoto assim) e
todos, ou quase todos, tiveram sucessos nas categorias por onde passaram. A
presença constante de Schumacher no topo da F1 foi vital para que o
automobilismo alemão voltasse a ser uma das forças do cenário em termos de
pilotos, e não apenas entres as fábricas. Aliás, aí está um fator interessante
para que o automobilismo de alguns países pegue pra valer: a falta de um piloto
vencedor, que motive os jovens também a competirem. Mas para isso as
Confederações precisam estar engajadas e aproveitar o momento para incentivar
ainda mais a prática do esporte motorizado, com parcerias para criações de
novas categorias – monopostos e turismo – com preços acessíveis para os novos
participantes e divulgação em massa para que o público possa lotar as pistas
para prestigiar e apoiar os novos valores que vão aparecer. O caminho traçado por Michael Schumacher está tendo
continuidade com Vettel, que ainda reinará por muito tempo como melhor piloto
alemão na categoria e com o passar do tempo, é bem provável que apareçam outros
pilotos alemães tão bons quanto o Sebastian e o velho Michael.
A história de
sucesso do automobilismo alemão, que deveria ter tido início pelas mãos de
Bellof durante os anos 80, foi abreviada em Spa e reaberta lá mesmo em 91, com
a estréia de Michael e confirmada pelo mesmo um ano depois no mesmo local. E de
quebra ele completará 300 GPs neste fim de semana em... Spa-Francorchamps.
De fato, um lugar especial para ele.