Já devo ter usado esta expressão alguns anos atrás para falar sobre o nosso autódromo, dizendo que “Interlagos não decepciona”. De certa forma, sim. Descontando a modorrenta prova de 2015, vencida por Nico Rosberg, as outras edições da prova paulistana foram no mínimo boas. É bem verdade que existe aquele ideia de que “pista velha é que dá corrida boa”, mas talvez a inspiração dos pilotos para com este tipo de pista e também, em algumas ocasiões, o fator climático acabe contribuindo para que aquela boa bagunça proporcione corridas inesquecíveis. Não precisamos ir muito longe para lembrarmos da fabulosa edição de 2016 que contou com chuva do inicio ao fim e também de outras marcantes, como a lendária prova de 2003 e da histórica prova de 2008. Mas as corridas com pista seca também tem seu valor, como a da decisão de 2007, disputada sob forte calor, ou a de 2009 que também serviu para decidir o mundial.
Sem duvida alguma, Interlagos tem um grande palco e que sempre nos presenteia com corridas fabulosas. Faça sol, faça chuva.
Um corrida e tanto
Esperava-se a chuva e não era pra menos: os últimos dias aqui em São Paulo foram dos mais instáveis, com o tempo oscilando sempre e com a chuva se fazendo presente praticamente quase que todos os dias. Ela até ameaçou brevemente com uma leve garoa na Junção durante a classificação, mas ficou por isso mesmo. Que pese os erros de Hamilton – na fechada que quase deu-se um grande acidente com Sirotkin no Mergulho – e na pressa e reclamação de Vettel que quebrou a balança quando foi sorteado para a pesagem, e que lhe rendeu uma multa de 25 mil dólares – a classificação viu o melhor destes dois que monopolizaram as atenções desta temporada que está prestes a acabar. Não fosse os erros de Sebastian em algumas ocasiões de suas duas tentativas no Q3, talvez a pole fosse dele, mas verdade é que a frieza e velocidade de Hamilton fez mais uma vez a diferença numa de suas melhores voltas de qualificação no ano. Menção honrosa a Charles Leclerc, que conseguiu escapar da foice do Q2 ao fazer uma volta sensacional e pular de 14º para oitavo quando o trecho da Junção já estava um tanto úmida. Uma volta que mostra o quanto que o garoto é bom.
A corrida foi ainda mais interessante, com Lewis conseguindo manter-se a frente de Vettel. E as coisas melhorariam ainda mais quando Bottas conseguiu passar por Sebastian e assumir o segundo posto. Parecia que as coisas caminhariam bem para a Mercedes com aquele cenário inicial, mas não foi bem assim. Interessante foi ver a queda de performance de Vettel durante a corrida, num momento que achávamos que veríamos um duelo mais direto com Hamilton. Foi um desempenho decepcionante de Sebastian e até mesmo da Ferrari num todo, de quem esperávamos mais neste GP.
Voltando a Mercedes, os velhos problemas com o superaquecimento com os pneus deram o tom de dramaticidade e isso foi importante para que víssemos um outro rapaz brilhar fortemente, tal qual fizera dois anos atrás: Max Verstappen começa a mostrar que tem um brilho especial quando pilota neste território. Se em 2016 o fator chuva foi predominante para que conseguisse mostrar a sua classe – com direito a uma salvada sensacional na curva do café – desta vez foi no seco que ele conseguiu mostrar do que é capaz. Com ultrapassagens aguerridas e algumas até mesmo na marra, o holandês foi mais uma vez a sensação da prova paulistana ao levar a torcida a loucura com as suas manobras e ataques precisos. Nem mesmo Lewis Hamilton foi páreo para Max nesta edição, que aproveitou-se bem da estratégia da Red Bull em usar pneus sempre mais macios que a concorrência – em que pese terem largado com o mesmo composto super macio que a Mercedes, mas com o adicional de terem ficado mais tempo na pista dando a eles a chance de usarem os macios num momento em que os rivais usavam os médios, que desgastavam menos. Isso deu a Max e Ricciardo – que fez uma bela prova de recuperação, com ultrapassagens tão sensacionais quanto de Verstappen – uma chance de atacar seus oponentes sem dó e piedade. Talvez fosse uma tarde de consagração para Max se no meio do caminho não tivesse... Esteban Ocon! Velhos rivais dos tempos da F3 Européia, onde disputaram fortemente o titulo de 2014 – tendo este ficado para o francês – ambos se encontraram na pista em situações distintas: enquanto Max fazia sua exibição de gala, Ocon procurava descontar a volta tomada a instantes quando estava ocupando a 16ª colocação. Naquela ânsia de descontar a volta (Ocon) e de distanciar na liderança da prova (Verstappen), a colisão entre eles na segunda perna do S do Senna foi o desfecho melancólico de um final de semana fabuloso de Max. Ironicamente, seu pai tirara da prova Juan Pablo Montoya em 2001 quando o colombiano estava num desempenho espetacular naquela tarde paulistana e liderava a prova com todos os méritos após um duelo com Michael Schumacher, que fez a torcida vibrar. Jos era, assim como Ocon, retardatário. Após o final da corrida, já pesagem dos pilotos, foi a hora em que Max trocou uns empurrões com Esteban e mais tarde foram chamados pelos comissários para esclarecerem sobre o ocorrido. Enquanto que Esteban tomou três pontos na carteira, Max vai precisar cumprir dois dias de serviços comunitários num prazo de seis meses, nesta que é uma das punições mais inusitadas até aqui imposta a um piloto.
Lewis Hamilton assistiu o entrevero praticamente todo e teve apenas a paciência de levar o Mercedes a sua décima vitória no ano, garantindo de vez o título de construtores. O quinto consecutivo dessa era dourada – e implacável – da equipe alemã na categoria. Max fechou ainda em segundo, conseguindo descontar alguns segundos em relação a Lewis. Raikkonen salvou o dia da Ferrari ao fechar em terceiro, suportando a pressão de Ricciardo, que foi um dos grandes nomes da prova.
O GP do Brasil foi, sem dúvida, um dos melhores da temporada e ainda com uma torcida que vibrou a cada lance de Max, abriu uma nova era neste que foi o primeiro GP brasileiro sem um piloto local. Um alento que nos deixa felizes em ver uma torcida empenhada em comparecer ao GP mesmo que não tenha um piloto daqui para torcer.