Apesar de ter sido uma temporada altamente competitiva,
contando com um recorde de 11 vencedores, aquele ano de 1982 para Fórmula-1 foi
também um tanto traumático. Não bastasse a batalha ao extremo que a categoria
vivia entre a FISA e a FOCA pelo comando, aquele campeonato custou a vida de
dois pilotos: Gilles Villeneuve deixou um punhado de fãs órfãos da sua
pilotagem espetacular ao morrer num estúpido acidente, no momento em que estava
tentando andar mais rápido que seu companheiro de equipe Didier Pironi nos
minutos finais do treino em Zolder. Foi um duro golpe para a categoria, Ferrari
e para os que o admiravam. Enquanto que a falta de Gilles era sentida, outro
piloto, jovem e que estava no seu começo de carreira, também teve a sua vida
encerrada por um acidente um mês depois: Riccardo Paletti tinha 23 anos e
estava feliz naquele momento por estar realizando seu sonho de correr na
Fórmula-1, quando o seu Osella chocou-se na traseira do Ferrari de Pironi na
largada do GP da Canadá.
Riccardo Paletti, que nasceu em 15 de junho de 1958, teve
uma juventude muito ativa na área dos esportes: aos 13 anos foi campeão
italiano de karatê na categoria júnior e mais tarde, quando praticava esqui
alpino, chegou a seleção juvenil italiana deste esporte. Somente aos 19 anos é
que optou pela sua grande paixão: o automobilismo.
Com o apoio de seu pai, Arietto Paletti, um empresário do
ramo de construção e importação de produtos da Pioneer, ele entrou para a
Fórmula Ford em 1978 e teve bom desempenho naquela temporada, ao liderar 18
voltas logo na sua corrida de estréia e obter dois segundos lugares e encerrar
o campeonato em terceiro na classificação. Ao final daquele ano, ele debutaria
na F3 italiana com um March Toyota e em 1979 faria o campeonato inteiro sem
obter grande sucesso. Ele veio a fazer uma corrida de F2 durante aquele ano,
mas não a completou por problemas. O caminho rumo à F1 estava sendo trilhado de
forma rápida por ele.
Com a ajuda de seu pai, que manteve contatos com equipes de
F2, o nome de Riccardo chegou aos ouvidos de Robin Herd, então projetista e um
dos fundadores da March. Foi ele quem recomendou Paletti a Mike Earle, então
dono da equipe Onyx na F2, dizendo-lhe que o piloto italiano estava
interessando em uma vaga em alguma equipe daquela categoria. Com isso, Mike,
que nunca havia ouvido falar em Riccardo, aceitou conversar com o jovem piloto.
Earle relembra a conversa que teve com Paletti: “Um jovem pálido e de aparência frágil, entrou em meu escritório e,
para meu horror não falava uma palavra de inglês, o que era ligeiramente melhor
que o meu italiano, conseguimos resolver alguns detalhes e o colocamos para
competir em algumas etapas no final de 1980. Então o levamos à Monza onde
Riccardo se classificou bem no grid de largada e ocupou a segunda colocação por
algum tempo.”
Com o contrato acertado, Paletti tratou de fazer uma boa
pré-temporada ao testar intensivamente pela equipe Onyx no inverno de 1980-81.
Isso lhe rendeu bons frutos quando estreou bem em Silverstone ao marcar a
décima colocação no grid e ficar em segundo ao final desta, atrás apenas de
Mike Thackwell.
Apesar de ter feito um bom início de campeonato, ficando uma
parte dele em segundo, junto de Stefan Johansson e apenas três pontos atrás de
Thackwell, o restante da temporada foi de azares para ele e isso resultou numa
queda na tabela de pontos terminando em décimo. Ao final daquele ano Paletti
decidiu que queria entrar para a F1 já em 1982, e com isso ele contava estar
junto da Onyx. Mas Earle foi contra desde o início: “No final de 1981, Paletti queria ir para a F1, mas nós não estávamos
prontos, não tínhamos um carro. Fui contra e disse ao seu pai: ‘Melhor fazer
outro ano de F2, ganhar e então ir para a F1’. Mas Riccardo era jovem, tinha
somente 22 anos.” Riccardo tinha aquele ímpeto juvenil, normal para a
idade, em decidir tudo no calor da emoção e da vontade. Portanto, ele acabou
por assinar um contrato com a Osella para o ano de 1982, garantindo seu lugar
por cerca de 1 Milhão de dólares. O que para Riccardo seria a realização de um
sonho, Earle considerou “um desastre”.
Riccardo Paletti, então com 23 anos, agora era parte da F1.
Correria por uma equipe pequena, italiana como ele: a Osella estava para
iniciar sua terceira temporada na categoria. Tinha certa experiência em dar
primeiras oportunidades para pilotos novatos. Foi assim com Eddie Cheever,
Beppe Gabbiani, Miguel-Angel Guerra, Piercarlo Ghinzani e Giorgio Francia.
Paletti teria a companhia do experiente Jean Pierre Jarier na equipe, que
estava na Osella desde a metade de 1981. De certa forma, uma boa referência. Apesar
de sua inexperiência na categoria, Paletti era profissional. Talvez tenha sido
um dos primeiros a levar um preparador físico para as corridas. Este preparador
cuidava da sua alimentação, estudava toda a reação do corpo franzino do piloto
italiano ao colocar pequenos sensores que monitoravam sua pressão arterial e
batimentos cardíacos. Apesar de ninguém ter dado importância, inicialmente,
esta seria uma prática muito comum nos anos seguintes.
Paletti foi para a África do Sul, para tentar correr o seu
primeiro GP. Esta corrida ficou conhecida, principalmente, pela famosa greve
que os pilotos fizeram por causa da obrigatoriedade e da alta taxa cobrada pela
FISA para fazer a Super-Licença, um modo que a entidade achou para barrar a
entrada de pilotos amadores na categoria e também coibir a mudança de equipe no
meio de uma temporada. Riccardo acabou por falhar em sua primeira tentativa de
levar o FA1C #32 para grid: ele foi quase dois segundos mais lento e ficou de
fora. Jarier largou em último, mas abandonou antes de completar a primeira
volta.
Em Jacarepaguá Paletti passou pela Pré-classificação, mas
uma roda solta por causa de uma falha na suspensão traseira, o deixou de fora
mais uma vez. O FA1C era um belo carro, mas era uma grande porcaria. Frágil,
principalmente na suspensão traseira que viria a trazer grandes dores de cabeça
para a dupla da Osella nas corridas seguintes.
Na terceira etapa, em Long Beach, parecia que algo estava a
melhorar: Jarier conseguiu um bom acerto e colocou-se entre os dez primeiros na
classificação. Um resultado surpreendente, diga-se, mas Paletti, sem conhecer
um centímetro sequer daquela pista citadina, foi horrorosos três segundos e
meio mais lento e não se classificou. A prova seguinte era em San Marino. Algo
animador, afinal ele conhecia o traçado.
Ímola assistiu mais um capítulo deprimente da luta FISA vs
FOCA, onde apenas 14 carros de equipes que apoiavam a FISA alinharam e as
demais, que estavam do lado da FOCA, boicotaram o GP devido à desclassificação
de Piquet e Rosberg do GP do Brasil por causa do uso de tanques d’água como
lastro, que eram esvaziados no decorrer da prova. Era uma boa chance de
Riccardo tentar qualificar-se para a sua primeira corrida. Isso aconteceu e por
mais que Enzo Osella tenha dito que aquele feito fora “heróico” tem que ser
dito, também, que Paletti conhecia bem aquele traçado de visitas anteriores
quando corria nas F2 e 3 italianas. Mas a sorte não estava a seu favor e no
domingo: quando se preparava para a sua primeira largada, o Osella não consegue
sair do lugar e Paletti perde um bom tempo. Quando conseguiu sair, já era
tarde: o pelotão já estava alinhado e partiu para prova e Riccardo atravessou a
linha de chegada com uma larga desvantagem para o 13º colocado. A sua prova
duraria sete voltas, quando abandonou por problemas na suspensão traseira.
A maré de azar de Riccardo continuou em Zolder, quando ele
não passou na pré-classificação. Foi naquele mesmo fim de semana que Gilles
Villeneuve perdeu a vida ao tentar bater o seu desafeto Pironi no final da
classificação do sábado. Um final de semana para ser esquecido, em todos os
sentidos.
Detroit foi uma mistura de sentimentos para Riccardo. Ele
havia feito um bom treino e levara o seu carro o grid de largada. Um bom
resultado, sinal que estava acertando-se, mas a falta de sorte resolveu dar as
caras novamente: ao fazer o warm-up pela manhã, um grave problema na suspensão
traseira fez com que Paletti perdesse uma das rodas. Voltou aos boxes, e os
mecânicos trabalhavam a toda para que ele pudesse utilizar aquele carro ainda
na corrida e caso não conseguisse, o reserva estava pronto. O problema é que o
carro titular de Jarier acabou por ter o extintor explodido naquela sessão e
ele teve que usar o reserva, que já estava acertado para ele. Os mecânicos
trabalharam pesado no carro de Paletti e conseguiram, a tempo, resolver o
problema. O piloto italiano já estava para entrar no carro quando Jarier
apareceu com a suspensão dianteira arrebentada, devido uma pancada no muro. A
Osella acabou por desalojar Paletti de seu carro, que foi entregue à Jarier
para que este pudesse largar. Riccardo era a frustração em pessoa.
Os carros pararam no grid. A luz vermelha foi acesa, as rotações aumentaram
e na troca para a vermelha os carros dispararam. Menos a do pole Pironi, que de
imediato levantou um dos braços acenando que estava com problemas. A sua
embreagem havia queimado e o Ferrari ficou estático no meio de uma manada de
carros. Quem conseguiu vê-lo, saiu por todos os cantos possíveis. Raul Boesel
acabou por desviar, mas um dos pneus acertou a traseira do carro de Didier. Eliseo
Salazar e Jochen Mass também se envolveram na batida quando tentavam escapar,
mas Paletti não teve a mesma sorte e acabou por encher a traseira do Ferrari,
que se deslocou alguns metros acertando, sem nenhuma gravidade, o Theodore de
Geoff Lees.
Didier Pironi saiu do carro e foi até o Osella de Paletti, assim
como Sid Watkins que chegou ao local e rapidamente desceu do carro que saiu
atrás do pelotão para os primeiros socorros. Ao chegar ele e viu que os estado
de Riccardo não era dos melhores: o volante estava cravado em seu peito e as pernas
totalmente esmagadas. Situação crítica, que só piorou quando a gasolina que
estava vazando pegou fogo no momento em que Watkins tentava retirar o capacete
do piloto italiano. Foram minutos agonizantes para Paletti e para quem via toda
a cena ou tentava salvá-lo. Gianna apareceu desesperada no meio de todo aquele
caos, mas acabou por ser retirada de lá. Após 28 minutos, Riccardo foi retirado
do carro e levado de helicóptero par o Royal Victoria Hospital. Sid Watkins, no
seu livro “Viver nos Limites”, conta como era o estado do piloto italiano e o
seu resgate: “Ele estava profundamente
desacordado e coloquei um tubo de ventilação em sua boca. As suas pupilas
estavam dilatadas. Tive consciência então de ouvir embora distante o barulho de
um líquido escorrendo, que imaginei ser combustível. Nesse momento o eco de uma
explosão de chama disparou no ar. Foi muito difícil tirar o rapaz de um carro
que mais parecia uma sanfona. Não havia pulsação detectável no pulso.” Mike
Earle, que viu tudo pela TV de um hotel, foi para o circuito, mas Paletti já
não estava mais no autódromo. De imediato ele confortar a mãe de seu amigo. A
corrida reiniciou, tendo como vencedor Nelson Piquet.
Paletti, que deu entrada no hospital inconsciente, morreu horas
depois. Segundo boatos daquela época, o fato de ter inalado a espuma dos
extintores ajudou na aceleração da sua morte, já que seu tórax tinha se
afundado por causa do acidente e a respiração tornara-se muito difícil. Foi o
último piloto a morrer em um fim de semana de corrida até o pavoroso final de
semana de abril/maio de 1994.
Aquele cara magricela, tímido, que começou a praticar esportes para poder se
aproximar das pessoas e que depois prometeu ao seu pai que, caso não
conseguisse entrar na F1 poria todas as forças na empresa, faleceu dois dias
antes de completar 24 anos. Mas conseguiu realizar o seu sonho de correr na
Fórmula-1, sonho que foi despertado em Monza, 1976, quando seu pai o levou para
ver o GP da Itália.
Como o próprio Paletti disse certa vez que “quando estava
no cockpit tudo parecia bonito, sentia-se feliz”. Riccardo morreu fazendo o que
mais gostava.
*Este texto foi publicado na primeira edição da Revista Speed, que foi ao ar em julho de 2012
*Este texto foi publicado na primeira edição da Revista Speed, que foi ao ar em julho de 2012