Nos últimos meses tenho ficado imerso na Formula-1 dos anos
50, escrevendo sobre os GPs daquela época especialmente de 1952 até o momento
presente que falo sobre o campeonato de 1954 onde a categoria sofreu uma
mudança de regulamento para voltar a atrair as fabricas e dar uma maior
potência aos carros, dos quais as criticas nos últimos dois anos tinham sido
que eram carros lentos e sem grande desafio aos pilotos.
Exatamente neste período onde a categoria adotou os
regulamentos de Fórmula-2 e a Ferrari
junto de Alberto Ascari praticamente dizimaram a concorrência, foi onde as
equipes inglesas e seus pilotos apareceram com força para compor o grid e
automaticamente dar à então jovem Fórmula-1 condições de ainda se sustentar num
momento que poderia muito bem ter desaparecido como mais uma idéia fracassada
de se fazer um Campeonato Mundial. Pessoas como os donos de equipe Tony
Vandervell, Charles Cooper e os pilotos Mike Hawthorn e Stirling Moss foram
importantes para esta caminhada iniciada já timidamente em 1951, quando a única
equipe britânica que parecia ter algum futuro era a BRM – que mais tarde
perceberia que perdeu parte do bonde, vindo conquistar algo de relevante nos
anos 60.
Destes nomes citados, Hawthorn e Moss foram os homens que
deram o ponta pé inicial para os sucessos britânicos na Fórmula-1: enquanto que
Mike havia se juntado a uma equipe de ponta já em 1953 – pela Ferrari,
embora que em 1952 tinha já feito boas apresentações com o Cooper Bristol –
Moss ainda passou 1953 ao comando dos Cooper sem grandes chances de conseguir
um bom resultado, mas sempre se destacando por ser o melhor do resto em algumas
provas. As coisas mudariam em 1954 quando seu pai adquiriu um dos novos
Maserati 250F e o jovem Stirling pôde, enfim, mostrar a sua finesse ao volante
de um Fórmula-1 e confirmar o seu talento que já bem visto nos carros Sport.
Foi um importante passo para o jovem inglês que já na próxima temporada teria
um desafio dos grandes, entreameado com igual oportunidade: pilotar pela
Mercedes em 1955 era uma grande chance de estar próximo a possibilidade de
vencer o campeonato mundial, porém tinha que enfrentar o então campeão Juan Manuel Fangio que já estava na caminhada para aumentar seus números de títulos na Fórmula-1. Uma gama de oportunidades
para um jovem de 25 anos que rapidamente seria inserido entre os grandes da
categoria.
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Após vitória em Aintree 1955 |
Moss teve uma adaptação rápida ao Mercedes W196 naquele ano
de 1955 e já estava no encalço de Fangio. Conseguiu três pódios, sendo que um
deles foi da sua primeira vitória na categoria quando conquistou o GP da Grã
Bretanha disputado em Aintree, porém com uma dose de polêmica sendo que alguns
defenderam que a conquista acabou sendo facilitada pela Mercedes que pedira a
Fangio para que não atacasse Moss nas voltas finais. Independente que tenha
havido ou não um interferência da Mercedes naquele resultado, o importante é
que um piloto britânico tinha conquistado o seu GP local pela primeira vez na
história. O campeonato de 1955 foi encurtado após o desastre de Le Mans, que
levou França, Alemanha, Espanha e Suíça a cancelarem seus GPs. Ainda naquele
ano de 1955, agora
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Mille Miglia 1955 |
no World Sportscar Championship, Moss esteve em grande forma
ao vencer com autoridade as provas em que estava no comando da Mercedes 300 SL:
venceu a Mille Miglia junto com Dennis Jenkinson (que para muitos foi a grande
exibição da carreira de Moss), chegando 37 minutos à frente de Juan Manuel
Fangio; liderou a trinca de Mercedes no fatídico Tourist Trophy disputado em
Dundrod, ao dividir o carro com John Fitch e voltou a ganhar na Targa Florio,
quando dividiu o carro com Peter Collins. Em Le Mans, ele estava na liderança
quando aconteceu a grande tragédia. Enquanto que na Fórmula 1 Moss não foi
páreo para Fangio, a sua desforra foi no mundial de carros sport onde o
britânico sempre esteve em grande forma frente ao seu amigo e rival argentino.
Após este período breve de sucesso no comando da Mercedes,
que se retirara ao final de 1955, os próximos anos para Moss foram de firmação
como um dos grandes da categoria, porém sempre ficando no quase: em 1956
desafiou Fangio quando este estava a serviço da Ferrari e por muito pouco não
levou o mundial, não fosse Peter Collins ceder seu carro à Fangio para que este
conseguisse chegar em segundo e marcasse os pontos necessários para que
vencesse o mundial. Foi vice de Fangio em 1957 numa temporada onde o argentino
estava no seu auge com a sua sensacional Maserati 250F, mas talvez o campeonato
de 1958 tenha sido o mais doloroso: foi a primeira temporada onde os dois
principais pilotos britânicos tinha as reais chances de conquistar o titulo
mundial: Moss com Vanwall VW5 e Mike Hawthorn com a Ferrari 246 F1 num grande
duelo durante as dez etapas daquele mundial – exceto Indy 500. Stirling venceu
quatro corridas, enquanto que Hawthorn ganhou apenas uma, mas a melhor
regularidade de Mike nas corridas foi importante para que ele chegasse ao único
título dele na categoria, porém teve outro ponto a ser destacado: no GP de
Portugal, disputado nas ruas de Boa Vista, Hawthorn foi um dos pilotos que
rodaram nas primeiras voltas devido a forte chuva que caiu no traçado citadino.
Na manobra de tentativa de voltar à pista, ele teria feito um pequeno trecho na
contramão o que ia contra o regulamento e com o protesto vindo de outros
pilotos, os comissários prontamente desqualificaram Mike da corrida da qual ele
havia terminado em segundo e feito a melhor volta da prova, o que lhe daria
sete pontos (seis do segundo lugar e um pela melhor volta). Moss soube do
acontecido e foi até os comissários lhes falar o que de fato havia acontecido
de que Hawthorn tinha andado na contramão, mas tinha feito isso por sobre a
calçada o que não colocava os pilotos em perigo. Os comissários levaram isso em
conta e acabaram por devolver Mike ao segundo lugar da corrida, assim como seus
sete pontos. Ironicamente, Stirling acabaria por perder o campeonato para
Hawthorn em Casablanca, na realização do GP do Marrocos, onde ele venceu e Mike
foi o segundo conseguindo a conquista por 1 ponto. Apesar de perder um
campeonato parecia bem encaminhado, ao ato de esportividade de Moss é um dos
momentos de grandeza da história do motorsport onde ele podia muito bem ter
guardado a informação para si e que lhe seria de grande valia para o futuro,
mas preferiu dar o seu ponto de vista e relatar o certo para corrigir uma
injustiça com seu amigo de longa data.
Ainda sobre 1958, Moss falou sobre uma mudança de atitude
que poderia lhe ajudar a ser um campeão futuramente, uma vez que Mike Hawthorn,
um grande “bon vivant”, levava uma vida bem desregrada: “Minha atitude mudou após 1958, pois realmente acreditei que deveria
mudar para me tornar um campeão. Sentia que tinha capacidade, mas não conseguia
vencer. Então pensei: Mike Hawthorn bebe e anda por aí, faz tudo que eu gostaria
de fazer e ainda assim eu tenho sido reprimido por não fazê-lo. Danem-se os
bons hábitos, agora eu vou aproveitar a vida.” Essa mudança de postura
trouxe um Stirling Moss ainda humano para as corridas, deixando de lado a visão
de bom moço que colecionara na década passada, mas o resultado esperado, o de
campeão do mundo, jamais apareceu mesmo que ele fosse reconhecido como talvez o
melhor piloto do grid pelos próximos anos. Das temporadas de 1959 a 1961 Moss
foi terceiro em todas elas, mas a de maior destaque, sem dúvida, foi quando desafiou
a Ferrari em 1961 numa temporada que a equipe italiana estava anos luz a frente
das demais após ter iniciado o projeto do regulamento para motores 1500cc bem
antes que as demais, e que entraria em vigor naquela temporada. Deveria ser um
massacre Ferrarista nos mesmos moldes que fizeram ainda na já distante época do
biênio 1952/53, mas Stirling Moss estava lá para importunar os pilotos da
esquadra italiana e em duas oportunidades os venceu com um talento espetacular
de entrar para história da categoria ao conquistar as corridas de Mônaco e
Nurburgring. Apesar de não ter conquistado o título, que ficara para o
americano Phil Hill, todos sabiam que Moss era um piloto a se olhar com mais
atenção se caso ele voltasse a ter um carro competitivo em mãos. Infelizmente o
acidente em Goodwood durante o “X Glover Trophy” em 1962, disputado num domingo
de páscoa, acabou por dar fim a carreira de Moss. Ele ainda tentou voltar, mas
abandonou de vez a competição em seguida. Certa vez ele comentou sobre o
retorno precoce, onde ainda estava se recuperando do acidente: “Agora analisando os eventos passados, posso
perceber que provavelmente retornei às pistas dois anos antes do que deveria.
Foi uma estupidez, mas a razão por que voltei foi que a imprensa toda semana
ficava me perguntando ‘Você vai participar das competições, vai voltar a
pilotar?’. Eu, naturalmente, ficava me dizendo ‘Sim, ai meu Deus, eu vou, eu
quero voltar’ “. “O problema é que não contávamos com pessoas ao nosso lado como
o Professor Sid Watkins. Se tivéssemos gente assim como ele no automobilismo,
tenho certeza que os teria escutado. Mas não havia ninguém para ouvir, exceto a
mim mesmo”. Era o ponto final numa
das carreiras mais brilhantes do automobilismo.
Mesmo afastado das competições, Moss se fez presente nos
mais variados festivais de carros e históricos e até mesmo teve a oportunidade
de tirar uma casquinha de dois Formula-1 mais modernos: em 1975 pilotou em
Donington Park o Tyrrell 006 de 1973, que levou Jackie Stewart ao tricampeonato
mundial e descreveu a experiência como “Fantástica!” e também a facilidade em
pilotar um carro dotado de asas e pneus largos. Oito anos se passarão e ele
voltou ao volante de um F1, agora do recente campeão Brabham BT52 BMW Turbo com
o qual Nelson Piquet arrebatou aquele mundial. Na ocasião Moss usou a versão
Indy do circuito de Brands Hatch e contou um pouco do acontecido na sua
autobiografia: “Os caras ficaram um pouco chocados (com os equipamentos de
segurança)”, “Mas eu lhes disse que aquela era a forma com a qual eu estava
acostumado a pilotar e não iria mudar àquela altura da vida. Somente eu e Jack
Brabham tínhamos autorização da FISA (antiga CSI e então braço esportivo da
FIA) para andar num F1 daquele jeito”. E a sensação de andar num modelo turbocomprimido? “Até você achar o limite ele é fácil de
guiar, porque aqueles pneus largos proporcionam muita aderência. Mas a potência
é inacreditável. Quando se chega a 8 mil rpm, parece que o carro vai entrar em
órbita”.
Apesar de hoje o
principal nome do motorsport britânico ser o de Lewis Hamilton, há muito que o
se agradecer a este senhor que nos deixou hoje aos 90 anos neste domingo de
páscoa. Por muito tempo Stirling Moss foi o homem que deu aos ingleses a
oportunidade de se chegar a um titulo mundial que acabou passando muito perto
disso e ficando para seu conterrâneo Mike Hawthorn, mas ele prosseguiu atrás de
seu desejo até que o acidente em GoodWood - exatamente numa época de páscoa – colocasse
um ponto final nessa vontade. Mas Stirling viveu a pleno a sua vida
aproveitando tudo de bom que o motorsport pôde lhe dar.
Talvez ele e
tantos outros ingleses que alinharam em grandes prêmios nos anos 50 não tenham
percebido a contribuição para sobrevivência da categoria naquele período. Não
apenas os ingleses, mas os amantes do automobilismo, em especial da Fórmula-1,
tem muito que agradecer Sir Stirling Moss.
*Algumas falas de Stirling Moss destacadas em negrito foram retiradas da revista "Formula 1 50 Anos Dourados - III"