Charles
Leclerc teve duas boas oportunidades de vencer nesta sua primeira temporada com
um carro competitivo: inicialmente em Sakhir, onde fez uma apresentação de gala
com direito a pole position e um ritmo alucinante que fez a Ferrari acreditar
que aqueles problemas em Melbourne tinham sido circunstanciais – o que se
revelaria um triste engano –, mas problemas no motor fez com que o jovem piloto
de Mônaco ficasse com o gosto amargo de uma vitória que lhe escapou por muito
pouco. Alguns perrengues (leia-se GPs) se passaram até que Charles voltasse a
ter uma nova oportunidade de vencer, agora na Áustria e tudo caminhava-se bem
se não fosse um daqueles finais de semana em que seu velho rival de época de
kart – Max Verstappen – resolveu tirar um belo coelho da cartola e lhe aplicar
uma dolorosa ultrapassagem nas voltas finais, lhe roubando uma possível primeira
vitória. Mais uma vez a chance tinha se esvaído e Leclerc precisaria esperar
por outra oportunidade – talvez outra chance tenha sido mais clara no caótico
GP alemão, onde poderia ter enfrentando Max e, quem sabe, ter lhe dado o troco,
mas acabou sendo uma das vitimas da ultima curva de Hockenheim. Fica para uma
próxima...
No voltar
da pausa de meio de temporada já com o GP da Bélgica esperava-se uma Ferrari
forte e isso confirmou-se já nos treinos, onde o duo ferrarista sempre esteve à
frente da concorrência com no mínimo cinco décimos de vantagem. Sebastian
Vettel tinha feito o melhor tempo no primeiro treino livre e Charles Leclerc
assumiu o comando de todas as atividades, chegando até uma respeitável pole
position onde conseguiu cravar sete décimos sobre Sebastian Vettel, que suara o
macacão para conseguir livrar o segundo lugar que parecia ficar com Lewis
Hamilton na única oportunidade que a Mercedes teve de furar a bolha ferrarista
nos treinos. Uma primeira fila vermelha seguida por outra prateada, onde estes últimos
haviam mostrado um ritmo de prova bem interessante nas simulações feitas na
sexta na parte final do segundo treino livre. A corrida prometia ser
interessante, mesmo sabendo da superioridade da Ferrari nos trechos mais
velozes (1 e 3) contra a Mercedes, que levava a melhor na segunda parcial.
Todo
aquele clima de euforia pela espera do dia seguinte, acabou sendo ensombrado
quando a tragédia se abateu sobre o autódromo belga na segunda volta da corrida
1 da Fórmula-2: a escapada de Giuliano Alesi, ocasionado por um furo de pneu já
no topo da Eau Rouge/ Radillion, desencadeou o processo que levou ao brutal
acidente que levaria a vida de Anthoine Hubert, de 22 anos, quando este bateu
na proteção de pneus e teve seu carro ricocheteado de volta e pêgo em cheio pelo
carro de Juan Manuel Correa que não teve tempo de tentar escapar. Com a noticia
da morte de Hubert, que fora anunciada uma hora e meia após ele ter deixado o
circuito para um hospital em Liége, a perspectiva de um final de semana
espetacular para Leclerc dava lugar a um sentimento triste pela perda de uma
promessa do automobilismo francês que despontava na categoria de acesso.
Anthoine era amigo de longa data de Charles, desde a época do kart e junto de Esteban
Ocon e Pierre Gasly, eram tidos como os “Quatro Mosqueteiros”. Foi um duro
golpe para uma geração que já havia perdido Jules Bianchi, seu principal
expoente em 2015 após longos meses no hospital decorrente ao acidente em Suzuka
2014, em quem depositavam as esperanças do ressurgimento dos pilotos franceses
na categoria. E agora, mais uma vez, a tragédia veio abreviar a carreira de
mais uma promessa francesa..
Ainda com
os sentimentos aflorados, era hora de se baixar a viseira e fazer o seu melhor:
Charles Leclerc esteve impecável na tarde belga e nem mesmo uma breve escapada
após a reta Kemmel e a perigosa aproximação de Lewis Hamilton não abalaram a
confiança de Leclerc que agarrou a chance e a transformou na sua tão esperada
vitória, num final de semana que tinha tudo para ter sido a mais perfeita.
Dominar um tetracampeão mundial pelos três dias é de levantar o ânimo de
qualquer piloto que ainda está procurando seu lugar ao sol. As duas derrotas
anteriores tinham sido exorcizadas e Charles pôde, enfim, comemorar – ainda que
sem grandes exaltações devido aos acontecimentos das últimas 24 horas – a sua
tão sonhada primeira vitória e, guardadas devidas proporções, a conquista de
Charles Leclerc fez recordar outra triste corrida que também foi ganha sob o
céu cinzento da tragédia quando Jochen Rindt venceu o GP da Holanda de 1970 e
teve que passar por várias voltas no local onde seu amigo Piers Courage perdera
a vida num acidente com o De Tomaso da equipe Williams na volta 22 – inclusive
foi onde Rindt alimentou seu desejo de abandonar a competição ao final daquela
temporada.
A
mistura amarga da vitória e tragédia esteve presente neste GP, que nos alertou
mais uma vez de como o motorsport é apaixonante, ingrato e cruel com todos. A
vida segue e as lembranças de quem se foi ficarão marcadas para sempre.