A largada para uma prova para lá de cáotica em Fuji (Foto: Motorsport Images) |
Quando a Fórmula-1 chegou ao circuito de Fuji para a derradeira etapa da temporada de 1976, a única coisa que se passava pela mente dos demais era sobre a decisão de um campeonato que havia mudado de feição em algumas oportunidades: primeiramente esperava-se que Niki Lauda e Ferrari tivessem o campeonato sob total controle, mesmo com a crescente da Mclaren e James Hunt durante o certame. Porém, o terrível acidente de Lauda em Nurburgring deu ao mundial novos rumos: Hunt aproveitou-se bem da melhora do M23 da Mclaren e partiu para tirar a confortável vantagem de seu rival que ainda lutava pela vida. O retorno de Lauda no GP da Itália e mais a sua quarta colocação nesta prova - aliado ao abandono de Hunt -, mostrava que o mundial ainda estava na rota do austríaco, mas as duas corridas seguintes em Mosport (Canadá) e Watkins Glen (EUA) foram vencidas por James enquanto que Lauda marcava apenas quatro pontos nessas duas etapas. A diferença de 17 pontos que separavam os dois pilotos após o GP italiano, agora estava por apenas três pontos à favor de Lauda (68 x 65).
Fuji seria o grande palco para esta decisão, mas ao mesmo tempo teria a sua própria história o que daria tons ainda mais dramáticos para uma corrida extremamente tensa.
Bernie Ecclestone no comando
Esta prova no Japão era a segunda a estrear no calendário daquele 1976: Long Beach foi o palco da terceira prova do campeonato e fez a sua estréia na categoria, realizando um sonho antigo de Chris Pook que promoveu a corrida e desenhou o traçado que recortava a bela cidade californiana - era a vontade de Pook em transformar essa prova em uma "American Monaco" e que de certa forma ganharia uma bela popularidade no decorrer dos anos, até que a ganância de Bernie Ecclestone colocasse tudo a perder quando quando exigiu mais dinheiro de Chris para renovação do contrato a partir de 1984.
Bernie Ecclestone já era um pilar importantíssimo na categoria naquele período ao assumir o controle dos interesses das equipes particulares desde o inicio dos anos 1970. Por conta disso, sua figura não era bem vista pelos homens da FIA/ CSI e acabaria por desencadear uma batalha pelo controle dos contratos com os organizadores dos GPs, coisa que Ecclestone, muito astuto, passou a representar as equipes - é claro que as equipes particulares sempre ficaram escanteadas quando os contratos com os organizadores de GPs eram feitos na presença da CSI e Ferrari. Portanto, a guerra pelo dinheiro que entrava nos contratos assinados para levar a Fórmula-1 era o grande pano de fundo.
A corrida no Japão não foi diferente e em julho de 1976, durante o final de semana do GP da França, Bernie reuniu-se com os representantes japoneses e exigiu deles algumas garantias, como o pagamento de todo transporte para Fuji. Caso isso não fosse possível, as equipes integrantes da F1CA (Formula 1 Constructors Association) não iria para a corrida - uma artimanha que ele usou por muitas décadas e funcionando em quase todas.
Um pouco antes disso, numa tentativa de colocar alguém que pudesse confrontar Ecclestone, Pierre Ugeux, então Presidente da CSI (Commission Sportive Internationale) achou em Patrick Duffeler essa figura que podia fazer frente a Bernie nas negociações. Sua escolha era a melhor, diga-se: Duffeler esteve a frente da entrada da Marlboro na Fórmula-1 via BRM, para depois desembarcar na Mclaren onde começou a render frutos com a conquista de Emerson Fittipaldi em 1974 - também é preciso ser dito que o nome de Duffeler foi indicando em conjunto com Fritz Huscke von Hanstein, ex-piloto e um dos conselheiros da CSI, que nutria nenhuma simpatia por Ecclestone. Outro ponto interessante é que Patrick era amigo de Bernie e chegou tentar levara a Marlboro para patrocinar a Brabham já em 1973, mas a negociação, que foi tratada como tensa, acabou fracassando na ocasião.
Voltando às tratativas para a prova no Japão, a primeira cartada de Duffeler foi aconselhar os japoneses a não aceitar o que foi pedido por Bernie. Porém, o outro braço de Bernie, Max Mosley, entrou em ação para negociar com Patrick - sem que Pierre Ugeux soubesse - uma situação que fosse boa para ambos os lados. Mas com a corrida para ser feita dentro três meses e levando em conta a possível ameaça de Bernie, os japoneses acabaram aceitando pagar um pouco mais para realizar o GP pela primeira vez. Uma cartada e tanto do inglês...
Mais a frente, quando corria-se o final de semana do GP dos EUA em Watkins Glen, Bernie Ecclestone tinha a crença de que aquele mundial seria definido apenas na derradeira etapa - justamente o GP no Japão - e se ateve a isso para que o evento em Fuji fosse televisionado. O que acontece é que houve algumas discussões em torno da longa viagem para lá e também por conta das propagandas de cigarros e bebidas - isso já havia causado uma certa confusão no GP de Mônaco daquele ano quando a TV francesa se recusou a transmitir a etapa. Mas desta vez, talvez calejado por aquele problema em Monte Carlo, Bernie jogou com a possibilidade de se ganhar muito com aquelas propagandas sendo mostradas, afinal um público estaria atento para a decisão do campeonato - e também - com um certo potencial de consumo.
A European Brodcasting ficou responsável pela geração das imagens e a BBC, que confrontou a ideia inicial, acabou cedendo e transmitiria a prova.
Apesar das inúmeras críticas que possam ser feitas a Bernie Ecclestone, o seu faro comercial jamais pode entrar nessa conta. Era um negociante nato.
Teste secreto, cascalhos e grades para a Ferrari
Alastair Caldwell, Teddy Mayer e James Hunt em 1976 (Foto: Motorsport Magazine) |
A Mclaren estava a face de disputar pela terceira vez em sua história um título mundial na Fórmula-1. Havia provado este gosto em 1974 com Emerson Fittipaldi e passado perto em 1975 novamente com o brasileiro, mas desta vez esbarrando numa simbiose fortíssima entre Niki Lauda e Ferrari - já vista em 1974, mas dificultado devido os inúmeros problemas que enfrentara. Agora, em 1976, as coisas pareciam indicar mais um título para o duo austro-italiano até que os acontecimentos de Nurburgring dessem outros rumos para o campeonato. Porém, após o retorno de Lauda em Monza e confirmação da desclassificação de Hunt no GP da Grã-Bretanha - ele se envolveu num acidente com Jacques Laffite (Ligier) e Clay Regazzoni (Ferrari) logo na largada e acabaram sendo excluídos inicialmente por não terem completado a primeira volta. O apelo da torcida (leia-se revolta) em ver Hunt de fora foi levado em conta e tanto ele quanto Regazzoni e Laffite foram autorizados a largarem. Mas ninguém imaginaria que James venceria a prova e isso causou confusão quando Clay e Jacques foram desclassificados, mesmo após terem abandonado a prova. Ferrari, Tyrrell e Copersucar pediram a exclusão de Hunt e isso foi levado para os tribunais mais tarde, quando a decisão pela desqualificação foi oficializada no final de semana do GP do Canadá.
Com esta decisão e estando 17 pontos atrás de Niki Lauda com três corridas para serem feitas, o desânimo bateu forte na equipe inglesa. Alastair Caldwell, então gerente da equipe Mclaren na ocasião, confirmou que a ideia de vencer o campeonato foi deixada de lado e isso o fez libertar James Hunt de suas amarras de "bom moço" do qual ele havia tornado durante aquela temporada. Mas as coisas seriam bem diferentes quando as duas corridas da America do Norte foram realizadas: James venceu ambas - com direito a uma bela noitada na véspera do GP canadense - e somou os 18 pontos necessários que o trouxe de volta para o jogo e que também foi ajudado pela baixa pontuação de Lauda que foi de apenas 4 pontos do terceiro lugar em Watkins Glen.
Com tudo isso, não é para menos que a Mclaren tenha se animado para aquele GP final em Fuji. A equipe usou de uma velha artimanha de treinar no circuito e foi para lá uma semana antes da realização da prova para conhecer o circuito e já se ambientando ao local. Juntando isso ao fato de James Hunt ter ido para o Japão dez dias antes, foi um trunfo e tanto: uma equipe já bem adaptada ao local, sem jetlag e conhecendo cada metro de um circuito novo para eles, era uma vantagem importante para aquela decisão.
Mas, num período de uma semana o que uma equipe teria a fazer mais após tantos testes? Alastair Caldwell, apenas para se divertir, chegou a dizer para um jornalista que a "pista era boa, mas tinha muito cascalho pelo traçado", uma maneira de jogar uma pressão para cima dos demais que estavam chegando à pista ainda durante a semana. E as coisas não pararam por aí: no embalo da história dos cascalhos, Caldwell cehgou pedir que seus mecânicos colocassem grades para proteger as entradas de freios e radiadores. “Como estávamos entediados e não tínhamos mais nada para fazer, os
mecânicos fizeram coberturas de malha para todas as entradas de ar do carro,
para 'proteger' os dutos de freio e as entradas de ar.", comentou Alastair que ainda completou com uma pequena história sobre a presença de Niki Lauda, que sempre que podia estava nos boxes da Mclaren para conversar - e claro - espionar: “Niki veio ver o que tínhamos feito com os carros, pois ele também era
um espião. Então eu disse aos mecânicos, 'por engano', para tirar as
lonas dos carros para que você pudesse ver as grades em todas as
entradas. Eles fizeram isso e então colocaram de volta rapidamente
enquanto eu 'parecia aborrecido'."
A trolagem por parte de Alastair e toda Mclaren surtiu efeito: Lauda comentou sobre o que havia visto na equipe inglesa e relatou a Ferrari, que de imediato tratou de ir atrás de grades para colocar em seus carros. Pouco tempo depois, quando a equipe italiana havia conseguido e já instalado todas as grades em seus carros, pode-se ver que os da Mclaren - inclusive o carro reserva - não tinha mais as tais grades. Automaticamente Niki Lauda desceu furioso e soltou um "Bastardos de merda!" assim que avistou os Mclaren sem as grades. E claro, ele voltou aos boxes da Ferrari pedindo para que tirassem as peças.
E a Mclaren havia achado um modo bem sarcástico para pressionar a Ferrari em meio a toda tensão que aquela corrida japonesa estaria sujeita em poucos dias.
Um GP para lá de confuso
James Hunt, Niki Lauda, Bernie Ecclestone e Ronnie Peterson, durante o vai ou racha sobre a realiazção do GP do Japão (Foto: Mclaren) |
Essa prova em Fuji não recebeu o nome de "Grande Prêmio do Japão": este pertencia às provas locais, mas especificamente a Fórmula-2, e a prova da Fórmula-1 levou o nome de "Campeonato Mundial de Fórmula-1 no Japão". Mas isso valeu apenas em terras locais.
Para um ano que foi tenso tanto fora quanto dentro das pistas, a derradeira corrida não seria diferente: em meio a batalha entre a F1CA e FIA/ CSI, Patrick Duffeler estava preparando um contra-ataque as intenções da F1CA - leia-se Bernie Ecclestone - onde uma entidade representaria os organizadores de GPs para discutir os acordos dos GPs com a F1CA. Uma bela cartada visto que o campeonato de 1976 estava para acabar e que a de 1977 começaria já em janeiro - a entidade chamaria-se WCR (World Championship Racing) e aumentaria ainda mais a tensão entre as partes.
O que poderia piorar ainda mais o clima tenso do que uma batalha política e uma decisão de título? A chuva se fez presente em Fuji e embaralhou as coisas naquele início de prova. Houve muita conversa, especialmente entre a GPDA (Grand Prix Drivers Association), Bernie Ecclestone e a direção de prova sobre realizar ou não a corrida. Os pilotos, liderados por James Hunt, Niki Lauda e Ronnie Peterson, estavam relutantes a não correr naquelas condições, enquanto do outro lado os organizadores do GP tinham enorme receio de que esta não fosse realizada e perdessem todo dinheiro - este também era o medo de Ecclestone, uma vez que neste momento ele estava em situação bem critica já que respondia pelos pilotos de sua F1CA e também pelos japoneses. O dinheiro que estava em jogo era bastante e ainda tinha os contratos com as TVs para a transmissão dessa prova. A cada minuto que se passava, mais complicado ficava.
Algumas equipes como a March, Surtees e Shadow sinalizaram que queriam correr, enquanto que outras, como a Ferrari, indicavam que não gostariam e isso levou Bernie a dizer que quem quisesse correr ficaria a vontade, porém este GP não contaria pontos para o mundial. Havia também a pressão por parte da FIA/CSI, representado por Paul Metternich (Presidente da FIA) e Pierre Ugeux (Presidente da CSI), para que a prova acontecesse.
Depois de um período conturbado entre realizar ou não a corrida, esta foi feita assim que a chuva diminuiu e quando os carros alinharam já não havia quase chuva. Porém alguns pilotos decidiram não continuar assim que a largada foi dada e algumas voltas foram realizadas.
Larry Perkins, que estava a serviço da Brabham naquele final de semana e foi um dos pilotos a abandonar a corrida, relata a sua impressão sobre aquele GP: "Não queria acreditar quando soube que o diretor da corrida decidiu levar a coisa por diante. Quando os carros começam a “acquaplanar” na reta, está demasiado molhado para correr. Mas esta aconteceu e eu parei após uma volta. Disse ao Bernie: “Eu até posso continuar, mas depois destruo o teu carro num despiste, logo, não vejo a utilidade em continuar por ali”. Não abandonei porque tinha medo, era jovem e não me preocupava com a minha segurança. Parei porque não queria estragar outro dos carros do Bernie Ecclestone. E na volta seguinte, Lauda decidiu retirar-se. E isso foi bem dramático, posso-te dizer.". Além de Perkins, Niki Lauda, Emerson Fittipaldi e José Carlos Pace foram os outros que abandonaram a corrida dentro das primeiras 10 voltas.
A atitude de Niki Lauda em abandonar a corrida foi vista como heróica algum tempo depois, principalmente após o ocorrido em Nurburgring e todo processo a seguir, mas dentro da Ferrari, não foi bem vista. Há de ser dito que isso já vinha desde o inicio da temporada após a vitória de Clay Regazzoni em Long Beach, onde Lauda acredita que Danielle Audetto, então chefe de equipe da Ferrari, preferiu ver Regazzoni vencedor naquela prova. O acidente que austríaco sofreu de trator, quando este trabalhava numa lavoura em sua fazenda e que quase lhe custou a vida, foi um dos momentos críticos entre eles e que se estendeu até Enzo Ferrari - e sempre inflado pela apaixonada e falante imprensa italiana via Gazzeta Dello Sporte, que já indicava uma campanha para que algum piloto italiano substituísse Lauda. Apesar dos temores de Lauda não participar da prova na Espanha, então quarta etapa de 1976, o austríaco contrariou a previsão de seis semanas para recuperar-se e estava ao volante do Ferrari em Jarama para conquistar um honroso segundo lugar, com a vitória ficando para James Hunt. E claro, depois veio o acidente em Nurburgring...
John Watson foi um dos que comentaram sobre aquela decisão de Lauda em abandonar o GP japonês na segunda volta: "Houve muitas razões pelo qual ele decidiu abandonar. Os eventos no Japão mostraram até que ponto as condições eram ou não aceitáveis. Niki abandonou porque as condições eram inaceitávelmente perigosas, mas também porque ele tinha problemas em controlar um canal lacrimal, que tinha sido danificado por causa do incêndio. E também ele jogou com a situação, lançando os dados: James tinha de acabar em primeiro, segundo ou terceiro para ser campeão do mundo, e naquelas condições, não havia a garantia de que ele iria conseguir. A decisão do Niki era baseado no que aconteceu na Alemanha, mas também no seu pragmatismo. Ninguém conseguiria prever o que James iria fazer durante a corrida. Chegaria em terceiro? Ou poderia ter um acidente ou uma falha mecânica? Naqueles tempos, as falhas mecânicas eram bem mais frequentes do que agora. Não tinhas garantias de que irias acabar a corrida. Então, Niki Jogou os dados e… perdeu." .
Todos os desdobramentos após a desistência de Lauda aconteceu logo após ele voltar para a Europa: Enzo Ferrari teria cogitado dar a Lauda um cargo de Diretor Esportivo - a cabeça de Audetto estava à prêmio já que ele teria sido incapaz de dar ordens para que Clay Regazzoni, que terminou em quinto, tentasse atrapalhar a escalada de Hunt após o pit-stop. Lauda reclinou na ideia e de imediato usou uma cartada de que se transferiria para a Mclaren e isso funcionou: a Ferrari recuou e assinou o contrato com ele para 1977. A verdade é que as relações já estavam desgastadas demais e ao final de 1977 isso ficaria muito claro.
A corrida no Japão foi vencida por Mario Andretti e mais atrás James Hunt terminava em terceiro para conquistar o seu título mundial, mas ele não sabia que havia chegado ao triunfo: “Ele não olhou para a placa e quando entrou nos boxes começou a gritar com a gente, porque não sabia o que acontecia. Ele foi incrivelmente irritante no dia. Ele pilotou magnificamente, manteve-o na pista - esse é um ponto de vista. Do meu ponto de vista, foi o dia mais frustrante - eu poderia ter acertado ele com um taco de beisebol!" comenta Alastair Caldwell que ainda disse que voltaram para a Europa sem tocar no assunto, com ele os demais membros da equipe ainda chateados. Mas de toda forma, o título de pilotos estava com eles pela segunda vez em três temporadas.O GP do Japão voltou a ser realizado um ano depois e desta vez com o tempo seco: James Hunt venceu aquela prova, o que foi a sua última na categoria, mas a prova não deixou de lado o caos quando Gilles Villeneuve decolou sobre o Tyrrell de Ronnie Peterson e acabou indo de encontro a área de escape onde tinha algumas pessoas. O acidente acabou custando a vida de duas pessoas. Em 1978 prova seria realizada em no mês de abril, mas acabou sendo cancelada.
Demoraria dez anos para a Fórmula-1 voltasse ao Japão, desta vez em Suzuka. E de uma forma muito mais organizada.
O pódio com Hunt (terceiro) e Mario Andretti, o vencedor. Patrick Depailler foi o segundo. (Foto: Motorsport Images) |
O link com a entrevista de Alaistar Caldwell para a Motorsport Magazine:
O link com a entrevista de Mario Andretti, Jody Scheckter, John Watson e Larry Perkins sobre aquele GP do Japão de 1976: