A icônica foto de Rudolf Caracciola (#35) e Bernd Rosemeyer (#31) da então nova bancada do circuito de AVUS em 1937 (Foto: Ullstein Bild) |
Houve um período da década de 1930 que a competição tomou contornos interessantes. A corrida armamentista entre Mercedes e Auto Union teve um crescimento estratosférico exatamente no ano de 1937 quando ambas fábricas passaram apostar alto em carros extremamente velozes e a quebra de recordes, seja em auto estradas ou em pistas fechadas, tomaram um rumo espetacular chamando atenção do público e imprensa que passaram a esperar cada vez mais proezas vindas dos dois lados.
Há de se
ressaltar que para a Mercedes o ano de 1937 era de retomada, já que o ano
anterior a equipe havia sido dominada amplamente pela Auto Union e Bernd
Rosemeyer. As principais corridas de 1936 foram vencidas por Rosemeyer com a
Auto Union, enquanto que Rudolf Caracciola com seu Mercedes conseguiram apenas
duas vitórias (Mônaco e Tunisia) e acabaram por perder o título para Rosemeyer
que venceu em Nurburgrig (duas vezes), Copa Accerbo, Suiça e Itália, isso sem
contar num impressionante Tazio Nuvolari que esteve em grande forma em 1936 ao
conseguir vencer quatro corridas, frente ao domínio quase que absoluto dos alemães.
Enquanto que a Auto Union e Rosemeyer gozavam do grande sucesso naquela
temporada – inclusive Bernd que já estava no patamar de grande ídolo do
automobilismo alemão naquela época – a Mercedes tinha muito que lamentar após
uma temporada abaixo do que vinha apresentando nos últimos anos. A perda do Dr.
Hans Nibel, então projetista da equipe, no decorrer do ano de 1934 após sofre
um infarte, foi um fator a se considerar e Max Sailer, que substituiu Nibel
para 1935 manteve todo projeto de Nibel em grande nível, tanto que Rudolf Caraccioa foi campeão daquele ano com a W25, mas para 1936 não conseguiu repetir o sucesso do finado projetista e a Mercedes retirou-se do campeonato na metade para tentar concentrar-se para 1937.
A
chegada de Rudolf Uhlenhaut já em 1936 para comandar as pranchetas da Mercedes deu uma
lufada de ar fresco e foi vital para que a equipe chefiada pelo folclórico
Alfred Neubauer voltasse forte para a temporada de 1937. Enquanto que a Auto
Union optou em aperfeiçoar o formidável Type C, que havia dominado a temporada
de 1936, a Mercedes partiu para trabalhar um carro totalmente novo que seria o
primeiro sob os trabalhos de Uhlenhaut – há de se destacar que Rudolf, apesar
de engenheiro formado, ainda não havia estado a frente de um projeto para
concepção de um carro de corrida, porém a sua habilidade em testar carros deu a
ele uma ótima base de percepção para entender melhor o comportamento dos carros
de corrida e transferir para estes as soluções que fosse preciso para a melhora.
O W125 tinha uma suspensão melhorada, muito melhor que a rígida que foi usada
no W25 do ano anterior – Uhlenhaut chegou testar esse carro assim que passou a
fazer parte do recém criado departamento técnico da Mercedes, percebendo que
este era um dos problemas que haviam mais afetado o W25. Além da melhora da
suspensão no W125, o chassi era mais rígido e o motor era um oito cilindros em
linha de 5,6 litros que podia variar, dependendo da configuração a ser usada,
de 560 até 640 cv. O GP de Tripoli abriu o calendário dos Grandes Prêmios de
1937 e a força do novo Mercedes W125 foi mostrada com uma exibição
incontestável de Hermann Lang no veloz traçado que permeava o Lago Mellaha,
onde o novo recruta da equipe chefiada por Neubauer ganhou a corrida sem ser
ameaçado e com uma média de 217,8Km/h, 8 Km/h mais veloz que marca alcançada
por Achille Varzi no ano anterior. A próxima etapa era em Avus, um evento usado
para a divulgação oficial dos carros alemães frente a torcida e oficiais
nazistas.
Os inscritos e a corrida
Com o
retorno do circuito de AVUS ao calendário, este mostrava uma nova seção que
tornaria o circuito não apenas veloz, como também o encravaria de vez nos
livros de história por ser um dos mais populares do motorsport em todos os tempos:
a criação da curva norte com uma bancada de 43,5 graus de inclinação faria com
que as velocidades fossem ainda mais altas numa pista já caracterizada por
velocidades bastante elevadas. A vitória de Luigi Fagioli na edição de 1935,
pilotando pela Mercedes Benz, foi uma amostra de como a pista de AVUS já era
extremamente rápida quando o italiano alcançou a vitória com a média de 238,5
Km/h e levou o esguio circuito localizado em Berlim a ser o mais veloz do mundo
na ocasião. A expectativa com a nova bancada era de que a pista ficasse ainda
mais rápida e assim o antigo recorde fosse pulverizado. Para esta prova de 1937
estava programado três baterias, sendo duas de sete voltas e os quatro melhores
destas duas baterias iam para a terceira decisiva que teria oito voltas. As
premiações, em seu total, estavam em torno de 32.000 Reich Marks com o vencedor
da prova final levando 12.000 Reich Marks – mas isso só aconteceria se caso ele
tivesse vencido uma das baterias anteriores. Nas duas baterias os vencedores
levariam 2.000 Reich Marks e o segundo de cada uma em torno de 1.000 Reich
Marks.
Detalhe da nova curva inclinada de AVUS, que foi apelidada de "Curva da Morte" |
Os testes que antecederam as praticas oficiais já mostravam do que os carros podiam alcançar e os desafio que os pilotos teriam, incluindo o susto que Hermann Lang teve ao ver as rodas dianteiras de seu Mercedes W25K-M125 – um dos dois Mercedes que foram usados em quebra de recordes no ano de 1936 – levantar quando o piloto atingiu a máxima de 390 km/h numa das retas de AVUS. Lang conseguiu diminuir a velocidade e assim voltar com o eixo dianteiro para o chão, mas assim que voltou aos boxes exigiu que as coberturas dos pneus dianteiros fossem retiradas, entendendo que a não vazão do ar que passava por baixo do carro – principalmente na parte dianteira – fazia com que a parte da frente do Mercedes levantasse.
Quandos
os treinos oficiais começaram para valer, Bernd Rosemeyer deu mais uma prova
que como seriam as coisas naquele reformulado AVUS ao atingir o tempo de 4’04’’2
numa média assombrosa de 284,31 Km/h. Mas o que valeu foi o recorde que valeu
foi apenas o estabelecido na qualificação onde Fagioli chegou ao tempo de 4’08’’2
(média de 279,73 Km/h), marcando assim a pole para a corrida 2. Para estas
corridas houve uma pressão por parte Alfred Neubauer que chegou cogitar que se
caso Luigi Fagioli e Rudolf Caracciola caíssem no mesmo grupo que disputaria
uma das baterias, a Mercedes não participaria. Essa atitude de Neubauer
remontava à prova de Trípoli onde Fagioli e Caracciola tiveram um sério
desentendimento que surgiu durante a corrida, quando o piloto alemão bloqueou
deliberadamente seu ex-companheiro de Mercedes por boa parte da prova. Quando a
corrida terminou, Luigi foi até os boxes da Mercedes e arremessou um martelo de
rodas que por muito pouco não acertou a cabeça de Rudolf. Toda essa situação
ainda tinha origens em acontecimentos de quando Fagioli e Caracciola eram da
Mercedes e frequentemente o italiano era desalojado de sua posição para dar
lugar a Rudolf, segundo os mandos de Alfred Neubauer. A animosidade entre os
dois só aumentou desde então, principalmente após a Eifelrennen de 1935 depois
que Luigi estacionou o carro após longa discussão com Alfred, exatamente por
este pedir ao italiano que desse passagem a Caracciola.
Na primeira corrida, duelo direto entre Caracciola e Rosemeyer
A disputa entre Rosemeyer e Caracciola, a com a vitória ficando para o piloto da Mercedes na corrida 1 (Foto: Ullstein Bild) |
A primeira bateria contou com apenas cinco participantes, já que Zehender teve o motor de seu Mercedes estourado e não houve tempo para arrumá-lo. Rosemeyer era o pole, seguido por Caracciola, Ernst Von Delius, Richard Seaman e Renato Balestrero. Com carros bem mais leves, Delius e Seaman conseguiram melhor partida enquanto que Rosemeyer e Caracciola ficaram para trás.
Havia expectativa
de que pudesse ter até duas paradas para trocas de pneus, principalmente pelo
conjunto velocidade/ calor que poderiam deteriorar os pneus. Por isso, houve
instrução para do chefes da Mercedes e Auto Union para que seus pilotos
cuidassem bem da borracha – o que ajudou bastante, pois acabaram não
necessitando de pararem nos boxes. Dessa forma, Rosemeyer e Caracciola
continuaram apenas a comboiar os outros dois carros alemães, mas não demorou
muito para que os dois grandes pilotos alemães colocassem a o ritmo de suas
duas maquinas mais potentes a prova: enquanto que Bernd assumia a liderança na
volta dois, resistindo aos ataques iniciais de Von Delius, que mais tarde
seriam rechaçados pelo melhor ritmo do carro de Rosemeyer, Caracciola apareceu
para a batalha na próximo da abertura da volta cinco quando superou Bernd na
temível e ultraveloz Nordkuve com a sua já famosa bancada inclinada.
Ainda na
última volta Seaman e Von Delius ainda alimentavam esperança em conseguir atacar
os dois principais pilotos, mas no decorrer do trajeto Caracciola e Rosemeyer
aumentaram a velocidade e abriram boa diferença que os deixaram sozinhos na discussão
de quem seria o vencedor daquela primeira bateria. Inicialmente Rosemeyer
chegou assumir a liderança, mas Caracciola conseguiu contornar melhor a entrada
da Nordkurve e isso que lhe deu a oportunidade de emparelhar com seu rival e
ter uma ligeira vantagem na saída dessa e cruzar a linha de chegada com a
diferença de sete décimos de diferença para Bernd – que enfrentava problemas no
motor de seu Auto Union que operava com apenas 13 cilindros –, numa disputa que
deixou a multidão em pé por aquelas voltas finais. Von Delius terminou em
terceiro, Seaman foi o quarto e Balestrero, sem chance alguma contra os carros
alemães, ficou na última posição com duas voltas de atraso.
Vitória de Manfred Von Brauchitsch na segunda bateria
Manfred Von Brauchitsch liderando o Auto Union de Rudolf Hasse e o Mercedes de Hermann Lang durante a segunda prova (Foto: Heritage Images) |
Dezoito minutos após a conclusão da primeira bateria – que teve a sua largada às 15 horas e com términos às 15:32 – os seis carros restantes alinharam para a segunda bateria. Luigi Fagioli saiu da pole com Von Brauchitsch em segundo, Herman Lang em terceiro, Rudolf Hasse em quarto, Lászlo Hartmann em quinto e Luigi Soffeitti em sexto – estes dois últimos, a exemplo de Renato Balestrero na primeira bateria, seriam meros espectadores.
Apesar
de uma boa largada, imitando o que fizera Seaman e Von Delius na primeira
bateria, Hasse assumiu a liderança, mas antes do término daquela primeira volta
acabou sendo superado por Fagioli que estava bem mais rápido – mostrando que o
ritmo daquela segunda corrida era bem maior que o da primeira. Porém, o infeliz
italiano não teria muito tempo para saborear a primeira colocação já que seu
Auto Union apresentou problemas de câmbio e isso facilitou a ultrapassagem de
Brauchitsch, que assumiu a liderança na segunda volta para não largar mais.
A
segunda posição virou uma batalha entre o problemático Auto Union de Fagioli e
o Mercedes de Hermann Lang, que havia deixado o Auto Union de Hasse para trás –
ainda que este último ainda acompanhasse de perto a contenda entre estes dois.
A
situação tornaria-se dramática na quarta volta quando Fagioli abandonou com o
câmbio quebrado e Lang teve um dos pneus estourado numa da das grandes retas,
mas a habilidade do piloto alemão foi tremenda para conseguir segurar o carro e
levá-lo até os boxes para trocar o pneu danificado.
Sem
adversários a altura, a conquista de Manfred Von Brauchitsch foi a mais
tranquila daquelas duas corridas de classificação, mas ainda existia a batalha
pela segunda posição: Lang conseguiu diminuir a distância que o separava de
Hasse e na volta final, já na Nordkurve, por muito pouco não houve um acidente
quando Hasse e Lang bateram rodas, num momento em que o piloto da Auto Union
mudou de direção e isso obrigou Hermann Lang a frear forte. Dessa forma, Hasse
acabou por ficar em segundo e Lang em terceiro Após a prova Hasse desculpou-se
com Lang pela manobra, dizendo que não tinha visto a chegada do piloto da
Mercedes – Alfred Neubauer acabou por reclamar com a direção de prova e isso
foi determinante para que Hasse fosse realocado atrás de Lang no grid. A quarta
posição foi para Lászlo Hartmann e a
quinta para Luigi Soffietti.
Na prova final, vitória para Hermann Lang
Hermann Lang acabou por vencer a prova final em AVUS (Foto: Ullstein Bild) |
Ás 17:45 da tarde daquele 30 de maio os oito pilotos, os quatro melhores de cada bateria, partiram para a corrida final: Rudolf Caracciola, Bernd Rosemeyer, Ernst Von Delius, Richard Seaman, Manfred Von Brauchitsch, Rudolf Hasse, Hermann Lang e Lászlo Hartmann partiram para as oito voltas que definiria o vencedor do evento em AVUS. Caracciola partiu para a liderança da corrida seguido por Bernd Rosemeyer, que fechou a primeira volta com oito segundos de desvantagem para o piloto da Mercedes. Nesse contexto teve dois fatores: para Caracciola a abertura de uma grande vantagem na liderança significava cumprir a estratégia inicial da Mercedes, que era de fazer uma parada – isso servia para ele e Seaman – enquanto Lang e Von Brauchitsch teriam que completar a prova sem troca de pneus; para Rosemeyer o problema da primeira prova, de ter andando com apenas 13 cilindros dos 16 do Auto Union – que não arrumado a tempo –, isso foi um grande empecilho para que ele conseguisse acompanhar o ritmo de seu rival.
A
primeira baixa da Mercedes veio através de von Brauchitsch que abandonou ainda
no complemento da primeira volta com
problemas de câmbio. A corrida ainda teve o Rosemeyer que apresentou um pneu destruído
na segunda volta e teve que fazer os reparos nos boxes auxiliares localizados
na curva sul. Mas a grande mudança viria após o complemento da terceira volta
com o abandono de Rudolf Caracciola por conta de uma quebra de câmbio.
A
liderança passava para Hermann Lang que anteriormente travou boa disputa contra
seu companheiro de Mercedes Richard Seaman, mas agora ele teria a companhia de
Von Delius já que Seaman acabou perdendo rendimento e isso obrigaria o inglês ir
para os boxes fazer sua troca de pneus.
A
corrida foi controlada por Lang até o final, mesmo com Von Delius tentando uma
última cartada nas voltas finais, mas sendo rechaçado pelo piloto da Mercedes
que chegou cravar a última volta coma a marca de 4’18. Ernst Von Delius
terminou em segundo e Rudolf Hasse em terceiro. Apesar de ter pneus mais novos
e com um desempenho bem melhor que Rosemeyer, que estava com seu motor
defeituoso, Seaman não conseguiu a quarta colocação e na disputa contra o
piloto da Auto Union ele acabou por destruir mais uma vez seus pneus e teve que
se contentar com o quinto lugar. Hartmann ficou em sexto. A premiação
conquistada por Hermann Lang foi repartido entre os demais da equipe Mercedes,
que iniciava da melhor forma possível aquele ano de 1937 frente a Auto Union
que era a sua principal rival.
Essa
vitória de Hermann Lang teve a média horária de 261,8 Km/h pulverizando o
antigo recorde que era de Fagioli já mencionado acima (238,5 Km/h) feito em
1935. Essa prova de AVUS ficou por duas décadas como a mais veloz da história
até que a corrida de Monzanapolis, que reuniu europeus e americanos numa
disputa no anel externo do circuito de Monza. Na ocasião, Jim Rathmann chegou à
média de 271 Km/h na edição de 1958.
Bernd Rosemeyer e a multidão em AVUS: cerca de 300 a 400 mil pessoas estiveram presentes para prestigiar o evento (Foto: Max Ehlert) |