Cartaz de chamada para a corrida inaugural do Autódromo de Interlagos em 12 de maio de 1940 |
O grande expoente das corridas nacionais da metade dos anos
30 até certa parte dos anos 50, foram as corridas no Circuito da Gávea onde os
pilotos nacionais enfrentaram os melhores do mundo por parte dos anos 30 e
dando continuidade assim que a Segunda Guerra Mundial cessou. Foram anos
importantes onde carros e pilotos, especialmente europeus, apareceram e
ajudaram a enriquecer o nosso automobilismo nacional. Principalmente os carros,
que eram trazidos aqui para o país, utilizados nas corridas e alguns eram vendidos
para os pilotos locais que os usavam em outras provas – a única coisa que implicava eram as
manutenções e isso ficava evidente quando se confrontavam com carros mais
modernos. Enquanto que o Grande Prêmio do
Rio de Janeiro se consolidava como um dos maiores eventos automobilísticos da
América do Sul, outra prova acontecia no estado vizinho e que também teria a
sua importância: criado três anos após a corrida da
Gávea (realizado pela primeira vez em 1933),
o GP Cidade de São Paulo também ajudou a fortalecer os alicerces do
automobilismo nacional e em 1940 fez
parte do cronograma de inauguração do então novo autódromo brasileiro, situado
no bairro de Interlagos na zona sul de São Paulo. O 3º GP Cidade de São Paulo
foi realizado no dia 12 de maio e contou com a presença de trinta carros e foi vencido
por Nascimento Júnior pilotando um Alfa Romeo após 25 voltas. Quando as
competições foram retomadas na segunda metade o autódromo de Interlagos teve
duas corridas intituladas como “Circuito
Internacional de Interlagos” realizadas entre os anos de 1947 e 1948 e
foram vencidas por Achille Varzi pilotando Alfa Romeo nas duas ocasiões –
modelo 8C-308 em 1947 e em 1946 um modelo 12C-37.
O GP Cidade de São Paulo teve uma
nova edição em 1949 e contou com alguns dos melhores pilotos que competiam na
Europa naquele momento: Giuseppe Farina, Alberto Ascari, Luigi Villoresi, Juan
Manuel Fangio, Principe Bira e Reg Parnell – por conta de alguns infortúnios,
Bira, Parnell e Fangio não vieram. Com diferença de performance em relação aos
carros mais modernos, os que estavam sob posse dos pilotos brasileiros pouco
podiam oferecer a eles as chances de duelarem contra os três italianos
presentes. A corrida acabou sendo vencida por Luigi Villoresi após um breve
duelo contra Giuseppe Farina, que abandonara a corrida após uma roda soltar de
seu Ferrari 2000. Alberto Ascari também abandonou por problemas mecânicos – ele
e Villoresi utilizaram os Maserati 1500. Francisco Marques foi o brasileiro
melhor colocado ao terminar em segundo com um Maserati 1500, seguido pelo português
Antonio Fernandes da Silva que também pilotava um Maserati 1500. Chico Landi,
que largou em terceiro, enfrentou uma série de problemas com sua Maserati 1500
e chegou a desistir da prova, mas retornou após que o piloto Francisco
Credentino cedeu seu Maserati 3000 para que Chico voltasse para a corrida.
Francisco, na ocasião, ocupava a sexta colocação e Chico conseguiu terminar a
prova em quinto.
Um Campeão Mundial em Interlagos
Juan Manuel Fangio vencendo o GP Cidade de São de 1952 (Foto: jmfangio.org) |
No inicio de 1952 o Automóvel Clube do Brasil fez uma série
de três provas em janeiro/ fevereiro daquele ano e atraiu atenção dos grandes
pilotos daquela época. Com provas disputadas em São Paulo e Rio de Janeiro, foi
uma boa oportunidade para que o público pudesse acompanhar os grandes ases
daquele momento: em São Paulo o GP que levava o nome da cidade foi disputado em
13 de janeiro no Autódromo de Interlagos; o famoso GP do Rio de Janeiro em 20
do mesmo mês e o GP da Quinta da Boa Vista, realizado em 2 de fevereiro. Para
as três provas disputadas, Juan Manuel Fangio – o então novo campeão do mundo
de 1951 do ainda jovem Campeonato Mundial de Fórmula 1 – e Jose Froilan
Gonzalez - outra estrela emergente do
automobilismo argentino e responsável pela primeira conquista da Ferrari na
Fórmula 1 – pilotaram dois Ferrari 166FL (inscritos pelo Automóvel Clube da
Argentina) enquanto que Felice Bonetto e Nello Pagani usaram dois Maserati
A6GCS da equipe oficial de Alfieri Maserati.
Para o GP Cidade de São Paulo, além dos quatro estrangeiros,
alguns dos principais nomes do automobilismo nacional estavam presentes: Chico
Landi pilotou um Ferrari 125C; Annuar de Goes Daquer, Francisco Marques,
Benedito Lopes e Francisco Credentino utilizaram modelos da Maserati.
(Foto: Eduardo Marques) |
A pole foi marcada por Fangio, seguido por Gino Bianco,
Chico Landi e Froilan Gonzalez na primeira fila; a segunda foi de Credentino,
Marques e Pagani; a terceira por conta de Lopes, Bonetto e Viana; Daquer abriu
a ultima fila.
Apesar da presença de Gino Bianco e Chico Landi, dois dos
melhores pilotos brasileiros naquela ocasião na primeira fila, nem mesmo a
grande experiência deles naquele circuito de Interlagos foi páreo para o duo
argentino que iniciou a prova a toda, transformando aquela prova da Cidade de
São Paulo num duelo particular entre “Hermanos”: Fangio e Gonzalez se
destacaram na alternância da liderança até a décima volta, quando Fangio
assumiu de vez o posto a partir do momento em que Gonzalez teve problemas de
cambio. Naquela altura, Chico Landi já havia parado nos boxes por problemas na
bomba de combustível, o que atrasou imensamente o piloto brasileiro. Gino
Bianco, sem conseguir interferir na disputa argentina, se manteve em terceiro
até que foi forçado abandonar com problemas de motor.
O caminho parecia fácil para Fangio vencer em Interlagos se
não fosse aparição de um piloto luso
brasileiro: Francisco Marques assumiu o segundo lugar assim que Gonzalez teve
problemas – antes disso, havia rodado as primeiras voltas em quarto e com o
problema de Bianco foi para terceiro e logo depois para segundo – e passou a
andar próximo dos tempos de Fangio. O campeão do mundo parou na volta 18 para
troca de pneus, deixando caminho aberto para Marques assumir a liderança com
Gonzalez logo em segundo. Na volta seguinte é a vez de Francisco parar e
conseguir voltar à frente de Fangio e o duelo pela primeira posição foi o ponto
alto entre os dois. Mas Fangio aproveitou-se do melhor equipamento para passar
Marques e vencer o GP Cidade de São Paulo em Interlagos, iniciando o ano de
1952 da melhor forma possível. Marques terminou com 11 segundos de desvantagem
para Fangio e mais de dois minutos de vantagem para Gonzalez, o terceiro.
O desempenho de Francisco Marques frente a Juan Manuel
Fangio fez o argentino elogiar o desempenho do luso brasileiro ao falar que “Ganhei uma corrida muito difícil, principalmente
porque encontrei um grande piloto de classe em Francisco Marques”.
As outras duas corridas do Automóvel
Clube do Brasil foram vencidas pelos dois pilotos argentinos: Fangio abandonou
na Gávea, onde Gonzalez foi o vencedor – com Chico Landi em segundo – e Juan
Manuel ganhou na Quinta da Boa Vista após grande duelo com Landi, que terminou
quatro segundos atrás do argentino.
Fangio retorna cinco anos depois... e vence
A Ferrari de Celso Lara Barberis, com o Maserati de Chico Landi ao meio e o Maserati de Juan Manuel Fangio do outro lado |
Após aqueles eventos de 1952, o
automobilismo progrediu tanto no exterior quanto aqui no Brasil: para o
automobilismo nacional a crescente da comunidade da Rocinha por onde passava
boa parte do trecho do circuito que fazia parte do Circuito da Gávea – também
apelidado de “Trampolin do Diabo” – acabou inviabilizando a realização do já
tradicional Grande Prêmio do Rio de Janeiro, que teve a sua última edição em 1954
e foi vencida por Emmanuel de Graffenried com Maserati. No entanto, provas como
os 500Km de Interlagos e as Mil Milhas Brasileiras – esta livremente inspirada
na Mille Miglia italiana e idealizada por Wilson Fittipaldi e Eloi Gogliano –
alcançaram sucesso e ajudariam a enriquecer a nossa história automobilística,
especialmente as Mil Milhas, que passou a ser a grande corrida do calendário
brasileiro por muitos anos e teve a primeira edição em 1956 com a vitória de
Breno Fornari e Catarino Andreatha. A implantação da indústria automobilística
aqui no país a partir de 1956, foi outro fator que seria amplamente importante
para o sucesso das corridas aqui nos anos 60.
Enquanto que o esporte a motor no Brasil
progredia, Juan Manuel Fangio tornava-se um dos maiores da história do
automobilismo mundial e especialmente da Fórmula-1, onde colecionou um bom
número de vitórias que culminaram em quatro títulos mundiais que junto do
mundial conquistado em
1951 deu a ele a condição de Penta Campeão Mundial de
Fórmula-1, tal recorde que ficaria imaculado por cinco décadas. Ao final de
1957 ele disputou duas corridas em território brasileiro, todos com o Maserati
300S em São Paulo e Rio de Janeiro.
O Maserati 300S #4 chassi nº3069 de Fangio: foi a leilão em Peable Bech em 2017 |
Em dezembro de 1957, o “El Penta” voltou a competir no circuito
de Interlagos onde foi realizado mais uma edição do Grande Prêmio Cidade de São
Paulo que desta vez foi destinado a carros Sport. A corrida contou com 12 participantes
que foram praticamente divididos entre Ferraris e Maseratis e apenas um piloto
com estranha alcunha de “Radium” que competiu com um Porsche 1500. Pelo lado
dos Maserati, Fangio alinhou com um modelo 300s assim como Chico Landi e a
dupla formada por Luigi Munaron/ Mario Valentin que correram com um Maserati de
3000cc. Com Ferrari apareceram Henrique Casini, Godofredo Viana/ Armando
Zampiero, Corrado Manfredini/ Severino Silva, Celso Lara Barberis, Ico Ferreira
e Cícero da Costa Bittencourt.
Tanto os treinos quanto a corrida
foram parcas em emoções e bem diferente do que fora a sua participação em 1952,
quando duelou primeiramente com Jose Froilan Gonzalez e depois com Francisco
Marques pela vitória, a conquista desta edição de 1957 do GP Cidade de São
Paulo foi das mais fáceis. Fangio marcou a pole, fez a melhor volta e venceu
seguido por Henrique Casini e Chico Landi.
Na semana seguinte Fangio disputou o
Grande Prêmio do Rio de Janeiro no circuito onde era realizada a corrida da
Quinta da Boa Vista. Com um grid ainda mais magro do que o de São Paulo (neste
do Rio contou com apenas oito participantes) o piloto argentino venceu sem
maiores dificuldades – apesar de ter sido punido com acréscimo de 60 segundos
devido a queima de largada – tirou de letra para ganhar mais essa.
Juan Manuel Fangio encerrou a sua
carreira como piloto na metade de 1958, mas continuou por décadas aparecendo em
vários eventos automobilísticos. Em Interlagos ele apareceu em outras ocasiões,
especialmente em uma, quando entregou o troféu de vencedor para Ayrton Senna no
Grande Prêmio do Brasil de 1993, onde recebeu grande abraço do tricampeão.
Apesar de ter passado uma parte de
sua carreira na Europa, ainda sobrou um espaço para o grande piloto escrever
por duas vezes o seu nome na extensa lista de vencedores que ganharam corridas
no bom e velho Autódromo de Interlagos que chega aos seus bem vividos 80 anos
de existência.
Ayrton Senna, Juan Manuel Fangio e Michael Schumacher em Interlagos 1993 |