Em uma das suas últimas entrevistas, o piloto americano Mark
Donohue conta como foi a decisão de voltar às corridas após uma breve
aposentadoria, o pódio na sua primeira corrida na F1 em 1971 e seu envolvimento
na construção do Penske PC01.
A entrevista foi concedida à Revista Grand Prix, que
publicou a sabatina na sua 4ª edição em 1975.
A humildade na volta
O apelido “Baby Face” é velho. Tão velho quanto a sua
amizade com Roger Penske, reconhecidamente uma dos mais conceituados organizadores
e chefes de equipe dos EUA. Foi o talento dos dois – somados – que levou o Lola
170, um carro famoso por sua fragilidade, à vitória nas 24 Horas de Daytona.
Até esse dia, os Lolas não costumavam ficar mais que duas ou três horas nas
provas de que participavam. Foi também junto com Roger Penske que ele conseguiu
colocar um Porsche no caminho antes totalmente dominado pelas McLaren – a série
Can-Am. Nas 500 Milhas de Indianápolis, tentaram contestar o valor de sua
vitória com o argumento de que muitos dos concorrentes tinham quebrado – mas
foi uma vitória limpa, e, numa prova tão cheia de imprevistos como essa, vencer
é mesmo o que conta. Ao longo dos anos, Mark foi firmando um conceito geral:
sempre que senta num carro, consegue tirar dele exatamente as vantagens que os
engenheiros responsáveis por sua construção esperavam. O que é fácil de
explicar: é cada vez mais raro encontrar engenheiros-pilotos, e Donohue é um
deles. Além de ser muito rápido.
Em outubro do ano passado, quando ele tomou a decisão de
voltar às pistas (estava afastado há quase um ano, atuando como empresário e
perfeitamente satisfeito com uma impecável e gloriosa carreira na Can-Am e
USAC), até mesmo seus amigos mais íntimos lançaram-lhe mal-disfarçados olhares
de dúvida: sua única experiência em circuitos europeus era mínima. Mas Roger
Penske confiava nele, e ele confiava em si próprio. Aqui, Donohue conta a sua
volta.
Grand Prix: Aquele terceiro lugar que você conquistou com a
McLaren M19, no Canadá, há quatro anos, deixou muita gente impressionada. Para
uma estréia, foi uma façanha, não?
Mark Donohue: Bem, não foi tão fácil assim. Foi, na verdade,
quase uma brincadeira. Um dia, o Roger me disse que havia uma corrida em
Mosport, e, como não estávamos muito ocupados naquele fim de semana, não vimos
motivo para não experimentar. Ele e Teddy Meyer são amigos de longa data, e
assim não foi difícil o acordo, e Teddy me convidou para passar umas semanas na
Inglaterra para dar uma mão no carro. Na verdade, eu não estava ajudando, mas
sim sendo ajudado – e então fui. Nos testes, dei alguns palpites, mas aprendi
mais que ajudei. Em seguida, um dos três carros da equipe foi modificado,
pintado com as cores da Sunoco e enviado comigo para os EUA. Um detalhe: em
nenhum momento encarei a coisa sob o ângulo “triunfar ou morrer”. Era uma
questão de adquirir experiência, e não posso dizer que tenha ido muito bem. Nos
treinos e na prova ficamos dentro da média, mas acabei sendo ajudado pelos
muitos erros dos outros, cheguei a rodopiar, mas mesmo assim cheguei em
terceiro. E não fiquei tão feliz como se pensa: eu sabia que era simplesmente
porque os outros tiveram que abandonar.
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Mark largou em oitavo e terminou em terceiro, posição que já ocupava desde a décima volta |
GP: Você achou os adversários mais fortes do que imaginava?
MD: Olha, gente é gente. Já não existem super-homens hoje em
dia, e não creio que possam aparecer no futuro. Os pilotos que vencem corridas atualmente
são os que obtêm a melhor combinação entre piloto e carro. Efetivamente, é o
piloto que tem a maior importância a partir do momento em que a bandeira é
baixada; mas, até esse momento, quase tudo está nas mãos da equipe e do carro.
Eu diria que em Fórmula 1 o piloto tem maior proporção de responsabilidade do
que em outros tipos de corridas, mas ele não é um super-homem. É impossível
levar uma máquina a um desempenho maior que sua capacidade, e não creio que
seja possível dirigir bem um carro desacertado. Por isso tudo, não acredito que
alguém que tenha me visto chegar em terceiro em Mosport em 71 tenha assistido
algo de espetacular. Foi simplesmente uma questão de chegar ao final enquanto
os outros abandonavam.
GP: Você sempre deu um grande valor à equipe como um todo.
Foi esse um dos fatores que com que vocês construíssem seu próprio carro?
Jamais lhe ocorreu comprar um McLaren, por exemplo?
MD: Mesmo partindo do principio que Teddy nos vendesse uma
delas, acho que não seria bom. O problema é que as coisas nesse campo avançam
tão rapidamente que seria difícil esperar que eles nos mantivessem a par de
todos os desenvolvimentos feitos no carro.
GP: E com as suas Mclarens na Indy, isso não ocorre?
MD: Não. Na Indy nós temos um acordo muito satisfatório e
concordamos em repartir todas as informações. No começo eu não gostei muito,
por achar que não teria muito a ganhar, mas depois os papéis se inverteram e
eles nos ajudaram generosamente. Se olharmos para trás, há quatro anos, veremos
que houve um excelente relacionamento com aquele pessoal, que ambos nos
beneficiamos. E depois, a Indy é um tipo de corrida muito especial. É um
acontecimento único, em que desempenho máximo por todo o tempo da prova é
dispensável em comparação com a necessidade de se ter uma reserva de potência e
habilidade no final. Nosso relacionamento com a McLaren na Indy foi mesmo
excelente: eles podem construir carros novos com menor custo, se os fabricarem
em número ligeiramente maior, mas nunca os constroem em número tão grande a
ponto de surgirem problemas de perda de qualidade.
GP: Até que ponto a Penske de F1 é um carro criado
coletivamente? Esse método de desenvolvimento não pode levar a problemas, como um excesso de cozinheiros
entornando a sopa?
MD: Bem, na verdade nós não sabemos exatamente como
proceder. Eu, por exemplo, jamais tive tempo de sentar e resolver tudo sozinho.
Don Cox também não, e Roger Penske muito menos. Geoff Ferris seria capaz de
fazê-lo, mas acho que seria injusto se lhe déssemos ferro, plástico e um
caminhão carregado de dinheiro, e esperássemos os resultados. Acabaríamos
enfrentando os mesmos problemas que tivemos antes com outros carros, e isso
significaria corrigir erros alheios. Assim, nosso sistema de criação e
colaboração coletiva parecia ser a maneira mais esperta de fazer as coisas,
quando lembramos da nossa experiência com tantos tipos de carros. Corremos com
Ferraris, Porsches e Mclarens, além dos carros Trans-Am, Stock Cars (NASCAR) e
Eagles. Já vimos um bocado de carros, e se não tivermos aprendido um pouco cm
esses carros, então... Daí que nunca tentamos dizer ao Geoff: “Faça assim”. A
gente diz: “Você pensa de um jeito, nós pensamos desse outro. Vamos encontrar o
ponto comum”. Então é isso que nosso carro reflete: foi construído por um
grupo, e creio que alcançamos nosso objetivo.
GP: Quando você chegou à conclusão de que gostaria de voltar
às corridas para dirigi-lo?
MD: Bem, no início e não me envolvi muito. Fiquei à testa da
equipe nos EUA, enquanto Roger ia para a Inglaterra estruturar os planos.
Depois, há cerca de um ano, fui visitar o Poole e fiquei impressionado com a
oficina. E então conheci Geoff: ele apareceu certo dia e disse que não ia mais
trabalhar para a Brabham e perguntou se não havia um lugar para ele. E isso
justamente quando estávamos pela fase mais negra da crise de energia, com um
ambiente francamente desfavorável para corridas. Eu estava em vias de fechar
tudo, pois parecia que a tempestade era iminente. Era minha intenção recomendar
que o projeto fosse suspenso. Mas aí eu vi o quanto Heiz Hofer tinha feito pela
nossa oficina. Era maravilhoso. Geoff, ao contrário de muitos que haviam
demonstrado interesse pelo projeto, era definitivamente o tipo que se encaixava
com Roger, com nosso sistema. Por isso acabei mudando de idéia e fiz um estudo minucioso
junto com Cox para saber quanto nós poderíamos agüentar mantendo a oficina. E
achamos que dava para mais alguns meses. Geoff é calmo, tipicamente cordato, e
quando nossa conclusão foi “em frente”, ele veio aos EUA para começar o
projeto. Durante quatro dias, passamos 54 horas só conversando sobre o design
do carro, de ponta a ponta. Cada um defendeu seu ponto de vista, e no final chegamos
a um meio termo. Geoff ouviu tudo sem tentar impor seus pontos de vista. Eu
confesso que naquele tempo não sabíamos muito bem o estávamos falando. Eu, por
exemplo, não via um carro de F1 há três anos. Construímos o automóvel partindo
de uma folha de papel em branco, sem nada de revolucionário, mas com tudo bem
dimensionado. Em julho o carro foi levado para os EUA para ser apresentado à
imprensa, e um mês depois fomos para a nossa pista de provas e depois para o
centro de pesquisas de transporte do estado de Ohio. Então passei a fazer os
testes básicos, antes que o carro fosse para o circuito, e da minha breve
experiência pude perceber que se tratava de uma bela máquina, com muito
potencial a ser desenvolvido. Em nenhum desses estágios, repito, eu encarava a
coisa sob o ângulo “triunfar ou morrer”. Certo dia procurei Roger e disse: “Sei
que você está procurando outros corredores para guiar o carro, e sinceramente
espero que encontre um que fique feliz com a oportunidade”. No entanto, deixei
claro que, dependendo de um acordo, eu estaria disposto a pilotá-lo; mas isso
não queria dizer que ele fosse obrigado a me escolher, pois se achasse
conveniente eu continuaria fora das pistas e ninguém saberia que aquela
conversa aconteceu. Tudo continuaria na mesma entre nós. Mas Roger disse
imediatamente: “Se você aceitar paralisarei imediatamente minhas sondagens”. Achei
que isso foi uma prova de confiança que
nunca haviam me dado, embora só o tempo poderá dizer se foi uma decisão certa ,
dele e minha, que estava parado. Muito dos meus amigos acharam que eu era um
bobo em voltar, mas eu superei isso e me sinto realmente satisfeito.
GP: Quando você re-estreou na F1 em Mosport e Watkins Glen no
ano passado você chegou a sentir que tinha subestimado ou superestimado as
coisas?
MD: Bem, se eu tivesse ficado satisfeito com aqueles
desempenhos (Mark terminou em 12º em Mosport e abandonou em Watkins Glen),
teria sido uma piada. Acho que não superestimei a concorrência, mas, para
alguém que corre profissionalmente há oito anos, depois cai fora para depois
recomeçar tudo... bem, as coisas não deveriam ter sido assim. Eu não estava em
forma, não me sentia em condições físicas. Faltava também, uma reaclimatação;
correr é algo com que a gente se acostuma, e sente muito quando pára.
Esforcei-me ao máximo achando que seria capaz de repetir as coisas que fazia
antes, como se fossem reações subconscientes. Eu me culpo pelos maus
desempenhos, ou melhor, pelos desempenhos fracos: eu me sentia fisicamente mal,
me sentia inexperiente. Realmente foi difícil voltar.
GP: Há planos da Penske de formar uma equipe com dois carros?
MD: Não, nenhum plano. Uma equipe de dois carros custa três
vezes mais que uma de um carro apenas. E se você tem um carro bom, competitivo,
os custos sobem ainda mais. Estamos na nossa primeira temporada e não podemos
nos dar a esse luxo logo no primeiro ano.
GP: E depois de 75, você continuará pilotando ou retornará
aos bastidores?
MD: Olhe, desde que comecei a correr prometi a mim mesmo que
nunca nada antes do final de cada temporada. Agi assim no passado, vou
continuar agindo no futuro. Quando o fim do ano chegar, então pensarei nos
planos de 76.