Se alguém aparecesse naquele início de década de 80 e
classificasse a Fórmula-1 como um barril de pólvora prestes a explodir, não
seria exagero algum. A batalha deflagrada entre a FISA e a FOCA por conta da
proibição em usar o efeito solo, foi o ponto de partida para uma briga sem
tréguas que ficou muito bem vista nas atitudes egoístas das duas entidades ao
pensar apenas no lado delas, esquecendo-se do esporte. Foi um momento crítico,
onde a possibilidade de um racha definitivo ou até mesmo a extinção da
categoria, poderia acontecer a qualquer momento.
A entrada de Jean-Marie Balestre como presidente da FISA a
partir de 1979, deu início ao grande confronto contra Bernie Ecclestone que já
estava no comando dos interesses das equipes (especialmente inglesas ou
garagistas, como queiram) desde 1972. Sabe-se que desde aquela época que o
pequeno inglês, a partir do momento que passou a trabalhar pela participação e melhor
repartição do dinheiro para as equipe, assumindo o comando na antiga FOCA
(Formula One Constructors Association), trazia uma série de dores de cabeça
para a CSI (Comission Sportive Internationale). Várias tentativas de criar
grupos que pudessem barrar o crescimento da FOCA foram feitos, mas de imediato,
com a destreza e malandragem de Ecclestone, logo deixaram de existir.
A presença de Balestre na categoria passou a ser um estorvo,
com o francês a criar normas que prejudicavam tanto as equipes britânicas (as
que apoiavam Ecclestone e que agora faziam parte da FOCA [Formula One
Constructors Association]), pilotos (obrigando o comparecimento de
todos os pilotos aos briefings, que acabou causando algumas dores de cabeça aos
organizadores de GPs, como ficou bem visto na etapa da Bélgica – Zolder – em
1980, quando os pilotos, instruídos pelas equipes que compunham a FOCA, a não
comparecerem a “obrigatória” reunião. Balestre aplicou-lhes uma multa e como
ela não foi paga na etapa seguinte – Espanha – ele prometeu cassar as licenças
destes. As coisas pareceram irredutíveis, pois ninguém foi à pista não fosse a
intervenção do Rei Juan Carlos talvez nem tivesse corrida. A prova foi
realizada, mas sem as equipes de fábrica [Renault, Ferrari e Alfa Romeo que
estavam do lado da FISA] e Balestre acabou não considerando essa prova como
oficial para aquela temporada) e os organizadores de GPs que estavam
mais próximos da FOCA (como foi o caso do GP de Long Beach, quando
o resultado da inspeção do traçado citadino foi de criticas pesadas por conta
dos muros de proteção). O que azedaria ainda mais a convivência entre
as duas entidades foi à criação de um novo regulamento para a temporada de
1981. Jogando pelo lado da segurança, Balestre colocou na mesa as novas normas
que deveriam entrar em vigor para a temporada de 81 – as regras foram
elaboradas e divulgadas em fevereiro de 80 – como o reforço na carroceria, para
melhor proteção das pernas dos pilotos; aumento de peso dos carros de 575 para
625Kg; e a eliminação das minissaias, que tão bem eram usadas pelas equipes
garagistas para uma melhor eficiência do efeito solo.
Nitidamente as regras
foram feitas exatamente para brecar o crescimento do carro asa por estas
equipes, uma vez que as de fabrica (leia-se Ferrari, Renault e Alfa Romeo) que
já faziam uso do motor turbo, não conseguiam tirar melhor proveito disso. O
entrevero entre as duas entidades ainda geraria certo desconforto com as
patrocinadoras do campeonato, em especial Goodyear e Phillip Morris, que fez as
duas partes entrar para tentar apaziguar os ânimos, como ficou bem visto numa
reunião feita em junho de 1980 em Lausanne (Suíça) que reuniu FISA, FOCA e
outros membros para definir o rumo destas discussões. Ficou acordado que teria
uma transição de dois anos para adoção dos motores turbo de forma integral e
que o destino do uso das minissaias seria definido neste período.
Quando as
coisas pareciam se encaminhar para um desfecho, o conteúdo da reunião foi
vazado e Balestre ficou furioso, a ponto de acusar Max Mosley (advogado da
FOCA) de ter ventilado o conteúdo da conversa para a imprensa. Foi a gota
d´água para Jean Marie Balestre divulgar suas intenções de realizar um
campeonato mundial sem a presença das equipes que apoiavam a FOCA – França, Alemanha, Holanda, Itália e
Áustria eram umas dessas que toparam realizar as provas em 81 sem as equipes
“rebeldes” e para completar o grid usariam os carros de F2. Balestre tinha,
naquele momento, já doze provas confirmadas para o ano seguinte o que lhe daria
chance de realizar um campeonato mundial.
As diferenças
parecia que iam desaparecer após uma reunião entre FISA e FOCA em Paul
Ricard, quando um acordo para que as minissaias desaparecessem num período de
cinco anos e, de contrapeso, o uso de pneus menos eficientes para equilibrar a
competição entre os times. Tudo parecia em ordem quando Goodyear e Michelin não
entraram em acordo com a comissão técnica no fim de semana do GP da
Grã-Bretanha (Brands Hatch) e isso ocasionou no cancelamento do que havia sido
conversado em Paul Ricard – o pacto ainda seria avaliado pela Assembléia
Plenária da FIA em outubro, e já era dada como certo. Para Bernie Ecclestone,
aquele desacordo tinha dedo da FISA por conta dos pneus menos eficientes já
para 1981.
O caldo
voltaria a entornar de vez quando a Balestre jogou a sua cartada: um novo
campeonato mundial – o Campeonato Mundial de F1 FIA – entraria em vigor a
partir de 1981. Os cachês seriam divididos por ela, assim como os contratos dos
GPs.
Seria obrigatório o comparecimento das equipes inscritas em todas as
corridas do calendário e caso não comparecessem, tomariam uma multa de 20 mil
dólares; novas equipes que quisessem entrar no campeonato teriam que pagar a
taxa de 30 mil dólares; equipes e pilotos, para disputarem esse novo mundial,
teriam que ter uma super licença; e as provas passariam a não ter mais o status
de Grand Prix, ou seja, agora teriam que se candidatar a uma vaga para sediar
provas do novo mundial. Demais regras, como a pontuação (9,6,4,3,2,) e
distância das provas (2 horas ou 300km), continuariam as mesmas.
Bernie não
gostou nenhum pouco desse novo formato e logo acenou com a criação do WFMS
(World Federation of Motor Sport), um campeonato formado pelas equipes FOCA.
Porém a sua idéia acabou não vingando, pois boa parte das datas de suas
corridas acabava conflitando com as da FISA. E depois, Balestre acabou
oferecendo aos organizadores dos GPs da Bélgica e San Marino – que estavam nos
dois campeonatos – um pacote semelhante a da rival e assim acabou retirando
elas do calendário do WFMS. O GP da Grã-Bretanha acabaria por sair também do
campeonato organizado por Ecclestone – principalmente após Balestre ameaçar as
pistas que faziam parte do calendário da WFMS de terem a sua licença
internacional cassada. Após esse xeque-mate da FISA, as equipes dissidentes acabaram
por aceitar os termos do novo campeonato, mas apenas se a comissão técnica da
F1 aceitasse atrasar um pouco mais o banimento das minissaias deslizantes e que
os pneus com menor largura fossem utilizados já para 1981. Balestre prontamente
recusou.
Porém a guerra
que parecia ter ficado enfraquecida se reavivou quando a FOCA anunciou que não
faria mais o transporte das equipes que apoiavam a FISA – Ferrari, Renault,
Alfa Romeo, Osella e Toleman – e isso causou um contra ataque de Balestre que
logo anunciou o adiamento das inscrições para a temporada de 81, o que resultou
no cancelamento do GP da Argentina e na transferência do GP da África do Sul
para abril. Mal podia saber que esta decisão abriria mais um conflito, pois os
organizadores do GP sul-africano tinham tudo pronto para a data que haviam
combinado, enquanto os argentinos pensavam que o cancelamento de seu GP seria
por conta da falta de segurança. O que acabou acontecendo é que as duas provas
foram realizadas, com o GP sul-africano ficando para a sua data original (7 de
fevereiro) e o GP argentino transferido para abril.
O GP da África
do Sul acabou sendo a gota d’água para o fim da famosa guerra: uma vez que as
equipes aliadas à FOCA já haviam assinado a presença para a disputa do GP
sul-africano, a FISA acabou permitindo a realização da prova, mas apenas com o
regulamento de “Formula Libre”, ou seja, ainda com sob o regulamento do uso das
minissaias deslizantes – inicialmente Balestre havia acenado que a prova, para
valer pontos para o mundial, teria que ser disputada em abril, mas como os
contratos com patrocinadores e fornecedores já haviam sido feitos pelos
organizadores da corrida em Kyalami e não teria como voltar atrás, a FISA
acabou abrindo o precedente que levou a realização desta. A prova aconteceu,
mas apenas com as equipes fiéis a FOCA. Alfa, Ferrari, Renault e Talbot Ligier
– equipes ligadas à FISA – não foram.
A corrida
acabou sendo um termômetro decisivo, pois sem as demais grandes equipes e sem o
nome apelativo da F1, a corrida em Kyalami acabou sendo um desastre em termos
de público e de cobertura da imprensa. Após este desaire, e mesmo com algumas
rusgas que durariam até o ano de 1982, onde a guerra, enfim, se deu por
encerrada, o Pacto de Concórdia foi assinado em 11 de março de 1981, alguns
dias antes da abertura oficial do campeonato que se deu nas ruas de Long Beach.
A prova que não valeu nada: o GP da África do Sul de 1981 |
As equipes
Dezessete
equipes se inscreveram para aquele campeonato de 1981.
A Williams, atual campeã
de construtores, continuava com a sua dupla do ano anterior, o campeão de 1980
Alan Jones e Carlos Reutemann;
Tyrrell iniciou o ano com a dupla por Kevin
Coogan e Eddie Cheever e durante a temporada apareceriam em seus carros Ricardo
Zunino (que correu a segunda e terceira corrida) e Michele Alboreto, que
substituiu Zunino a partir da quarta etapa indo até o fim da temporada;
Após
uma quase conquista de Nelson Piquet, a Brabham iniciava a temporada daquele
ano como uma das favoritas a conquista. Além de Nelson, que também figurava
como um dos candidatos ao título de pilotos, o mexicano Hector Rebaque estava a
serviço da equipe de Bernie Ecclestone;
Iniciando os trabalhos com o M29, a Mclaren, agora sob o comando de Ron Dennis, veio a ser a
primeira equipe a fazer uso de um monocoque totalmente feito em fibra de
carbono – obra prima de John Barnard, em parceria com a Hercules Corporation,
uma fábrica norte americana especializada em mísseis – e que estrearia em San Marino com John Watson. O outro piloto da Mclaren, o jovem italiano Andrea De
Cesaris, marcaria época na equipe inglesa mais pelos seus acidentes do que
pelos seus resultados;
Com o chassi D4, a equipe ATS contou com os serviços do
holandês Jan Lammers nas quatro primeiras corridas, para depois ser substituído
pelo sueco Slim Borgudd, que ficou na equipe até o fim do ano;
Na tentativa de
reencontrar o caminho do sucesso, a Lotus criou o interessante e polêmico Lotus
88 de chassi duplo qua acabou por ser banido da categoria por conta do uso
extremo do efeito solo pelo chassi interno, uma vez que as minissaias
deslizantes estavam proibidas. A equipe de Colin Chapman ainda utilizaria o chassi 87 e mais adiante uma versão B. Elio De Angelis e Nigel Mansell eram os
pilotos da equipe;
A Ensign, com o seu N180B, teve dois pilotos sendo que Marc
Surer fez as seis primeiras corridas, para depois dar lugar a Eliseo Salazar
que fez o restante da temporada;
A Renault teve alguns problemas de
confiabilidade no início do campeonato, mas depois de acertados, revelou-se
como uma das forças na segunda parte da temporada. Alain Prost e René Arnoux
estavam sob o comando do RE20B (que iniciou o campeonato) e depois do RE30;
A March iniciou o campeonato com dois carros, para Eliseo Salazar e Derek Daly e
após a saída de Eliseo para a Ensign, a equipe continuou apenas com Daly a
partir do GP da Espanha;
Sem Emerson Fittipaldi, que encerrara sua carreira na
F1 em 80, a equipe Fittipaldi fez a temporada com o F8C sob os cuidados do
estreante Chico Serra e do veloz Keke Rosberg;
Mario Andretti e Bruno
Giacomelli eram os pilotos da Alfa Romeo naquele ano e fizeram uso de três
variações do modelo 179 (B, C e D), conseguindo para a fábrica italiana 10
pontos na tabela final do mundial de construtores;
Com o apoio da Talbot e
utilizando a sinfonia dos V12 da Matra, a Ligier, que alcançara o
vice-campeonato no mundial de construtores em 80, tinha suas ambições para
aquele ano de 1981. Jacques Laffite esteve em todas as provas daquela
temporada, enquanto de Jean Pierre Jarier fez as duas primeiras corridas, sendo
substituído por Jean Pierre Jabouille – que ficara da terceira etapa até a
sétima – que depois daria lugar a Patrick Tambay, que assumiu o comando o JS17
#25 da oitava até a 15ª e última etapa;
Com o intuito de apagar o terrível ano
que teve em 1980, a Ferrari estreou o seu belo 126CK com motor turbo V6 – que
fizera a sua primeira aparição nos treinos do GP da Itália do ano anterior, em
Ímola – e entregou para Gilles Villeneuve e Didier Pironi, que substituía o
recém aposentado Jody Scheckter;
Uma das boas equipes médias da F1 nos últimos
anos, a Arrows teve em suas fileiras para o comando do A3, Ricardo Patrese (que
pilotou em todos os GPs, com direito a uma pole position), Siegfried Stohr
pilotando da primeira até a 13ª prova para depois dar lugar a Jacques
Villeneuve (irmão de Gilles) que tentou qualificar-se nas duas últimas provas
do calendário;
A Osella alugou os assentos de seus carros para cinco pilotos
naquela temporada (Miguel Ángel Guerra, Piercarlo Ghinzani, Beppe Gabbiani,
Giorgio Francia e Jean Pierre Jarier), sendo que Gabbiani participou – ou
tentou – de todas as provas. Jarier apareceu na nona etapa e foi até o fim da
temporada;
A Theodore alinhou apenas um carro (o TY01), iniciando o mundial com
Patrick Tambay (da primeira até a sétima etapa) e depois continuando com Marc
Surer que entrou na oitava etapa e foi até o fim;
A Toleman era a equipe
estreante no campeonato e a única equipe particular a usar um motor turbo (Hart
415T 1.5L). O TG181 foi entregue a Derek Warwick e Brian Henton, mas apenas
estreando a partir da quarta etapa.
O calendário
Com a não
validação do GP da África do Sul, o campeonato ficou com 15 provas naquela que
seria a primeira sob chancela da FIA passando a chamar-se FIA Formula One World Championship.
As mudanças no calendário de provas estavam restritas às praças: Interlagos
deixava de receber a categoria, que agora voltava para Jacarepaguá onde correra
em 1978. A pista paulistana voltaria apenas em 1990, totalmente remodelada; o
GP da Itália voltava ao seu local natural (Monza), após a pista de Ímola ter
sediado aquela edição. E agora a pista italiana teria o seu GP local, o de San
Marino; os EUA continuavam a encerrar a temporada, mas agora num traçado
montado no gigante estacionamento do Caesar’s Palace, em Las Vegas. Watkins
Glen acabou ficando de fora por conta da falência de seus organizadores.