O grande dia de Rubens Barrichello em Hockenheim |
Os anos 90 para Rubens Barrichello foi um carrossel de emoções: enquanto que ele foi a revelação da temporada de 1993, o ano de 1994 foi uma mistura agridoce lhe daria a oportunidade de subir ao pódio pela primeira vez (Aida); um acidente brutal e a perda de sua maior referência (Ímola) e uma espetacular Pole Position no chuvoso qualificatório em Spa-Francorchamps. O saldo daquela temporada de 1994 resumiu num brilhante sexto lugar na tabela de pilotos ao somar 19 pontos. Porém, os dois anos que se seguiram, 1995 e 1996, não marcaram a evolução que se esperava do jovem paulistano - o que também foi ajudado pela estagnação da Jordan neste mesmo período, que não entregou a ele e seus companheiros, carros competitivos que pudessem a boa escalada que a equipe aparentava ter em 1994. O término da sua trajetória com a Jordan no final de 1996 parecia ser o final melancólico de uma uma grande história, quando Barrichello se viu sem equipe para 1997 e até cogitou uma saída para a IndyCar, que florescia cada vez mais naqueles dias. O aparecimento de Jackie Stewart e sua equipe - a Stewart Grand Prix - foi a luz no fim do túnel que o brasileiro esperava. Como ele mesmo destacou na ocasião, "foi preciso dar dois passos atrás, para dar um a frente!".
De certa
forma a chance de pilotar por uma nova equipe e ajudá-la a crescer no hostil
terreno da Fórmula-1, foi o ponto alto: Rubens conseguiu brilhar em algumas
oportunidades em 1997, como a ótima segunda colocação no molhado GP de
Mônaco e no GP da Áustria, onde andou por algumas voltas entre os três
primeiros; passou maus bocados com o baixo rendimento do SF02 e as quebras
constantes do motor Ford Zetec, que lhe permitiram marcar magros quatro pontos
no campeonato de 1998. A reformulação técnica na equipe para 1999, que trouxe
para as pranchetas Gary Anderson, ajudou a melhorar e muito o rendimento do
elegante SF03 que, mesmo com um motor Ford CR-1 que ainda tinha seus
problemas - mas ainda melhor que o Zetec - deu a Barrichello e Johnny Herbert a
oportunidade de conquistar os melhores resultados para a Stewart Grand Prix que
incluíram uma pole (com Barrichello na França) e uma vitória (com Herbert em
Nurburgring, no GP da Europa), ajudaram o time de Jackie a chegar a honrosos 36
pontos e ficar na quarta posição no Mundial de Construtores. Para Barrichello
foi a grande oportunidade de confirmar seu grande talento, que lhe rendeu a
oportunidade de chegar a uma equipe grande e logo naquela que é a maior ambição
de boa parte dos pilotos que ingressam na categoria: a Ferrari.
Apesar de
todos saberem que a Ferrari era o feudo de Michael Schumacher e a chance de
conquistar algo grandioso era quase impossível, não se podia ignorar que as
chances de vitória eram reais para Rubens Barrichello. No GP da Austrália ele
terminou em segundo, com vitória de Michael Schumacher; abandonou no Brasil; 4º
em San Marino; foi pole na Inglaterra, mas abandonou com problemas hidráulicos;
foi 3º na Espanha; quarto na Europa; segundo em Mônaco; segundo no Canadá;
terceiro na França e repetiu a mesma colocação na Áustria.
Quando a categoria
chegou à Alemanha, Rubens Barrichello somava 36 pontos e estava em quarto na
tabela de pilotos que era liderado por Michael Schumacher com 56, porém ele se
aproveitara bem da gordura que havia feito naquelas primeiras etapas para ainda
estar na liderança do campeonato mesmo tendo zerado as duas últimas etapas
(França e Áustria) onde David Coulthard e Mika Hakkinen acabaram vencendo.
Portanto, Hockenheim seria o palco perfeito para Schumacher retomar o caminho
das vitórias e aumentar a diferença para seus contendores. Mas as coisas foram
diferentes naquele final de semana.
Numa época onde o treino de qualificação era de uma hora e limite de doze voltas para cada piloto, qualquer instabilidade significava que que praticamente todos saíssem de imediato para tentar suas melhores voltas. Naquele treino em Hockenheim, onde o tempo estava chuvoso, não foi diferente: com o box aberto os pilotos foram tentar seus melhores tempos já num asfalto úmido e David Coulthard achou a melhor aderência quando cravou 1’45’’697 contra 1’47’’063 de Michael Schumacher para estabelecer uma importante pole. Rubens Barrichello teve problemas elétricos na Ferrari assim que saiu dos boxes, antes marcasse algum tempo. Isso significou que ele teria de esperar um tempo para poder ir à pista e tentar a sorte usando o carro de Schumacher, uma vez que o alemão acidentara pela manhã e acabou pegando o único carro reserva. Com a pista molhada e em posse do carro de Schumacher, Barrichello conseguiu um lugar no grid quando fez a marca de 1’49’’544 e ficou com a 18ª posição. Isso significava que o brasileiro precisava realizar uma corrida de recuperação no domingo.
Apesar do tempo nublado, fazia calor quando a largada foi
autorizada. David Coulthard fechou a passagem sobre Michael Schumacher que
precisou mudar a trajetória para o lado esquerdo, o que culminou num toque com
Giancarlo Fisichella. O incidente levou os dois pilotos a abandonarem e para
Schumacher significava a terceira corrida seguida sem pontuar. Com a manobra de
Coulthard sobre Schumacher, Hakkinen aproveitou-se para assumir a liderança.
Mais atrás, Rubens realizava uma bela saída e completava a primeira volta em
décimo.
Com um carro mais leve, justamente para aproveitar-se das
longas retas de Hockenheim para efetuar as ultrapassagens, Barrichello foi
escalando aos poucos o pelotão e na 10ª volta já era o quinto enquanto que na
dianteira Hakkinen continuava líder, com Coulthard em segundo e Jarno Trulli em
terceiro. Até a 15ª volta, Barrichello já se encontrava na terceira posição com
14 segundos de atraso para o duo da Mclaren. Uma boa parte do prejuízo
adquirido no sábado tinha ficado para trás.
Na 16ª volta, Barrichello fez a sua parada e voltou na sexta
colocação logo atrás de Heinz Harald Frentzen e Pedro De La Rosa que vinha em
grande jornada naquele final de semana após assinalar um ótimo quinto lugar na
classificação com a Arrows, e que agora ocupava a quarta posição. As coisas
começavam a mudar na 25ª volta quando um manifestante, ex-funcionário da
fábrica da Mercedes na França, entrou na primeira grande reta do circuito
alemão e começou a andar em direção aos carros. De imediato foi acionado a
entrada do Safety Car e isso implicou em alguns pit stops, como foram os casos
de Trulli e De La Rosa, Hakkinen e Barrichello na volta seguinte. David
Coulthard acabou sendo o mais prejudicado, sendo que precisou ficar na pista
por mais uma volta e quando fez sua parada acabou voltando em sexto. Dessa forma Hakkinen era o líder, Trulli o
segundo, Barrichello o terceiro, De La Rosa em quarto, Frentzen em quinto e
Coulthard em sexto.
A relargada foi dada na 29ª volta e a presença de Trulli na
segunda posição foi interessante para Hakkinen, que agora abria boa vantagem
para Jarno que segurava Barrichello e os demais formando um grande pelotão. Na
última chicane, quando estava para ser completada a 30ª volta, Pedro Paulo
Diniz e Jean Alesi se tocaram na freada para a tomada da curva com Prost de
Jean indo direto para o guard-rail. Isso forçou uma nova entrada do Safety Car,
que durou apenas uma volta e tendo a retomada da prova na 32ª passagem.
Com aprova transcorrendo normalmente, Hakkinen continuou a
abrir vantagem sobre Trulli e os demais, porém a chuva começou de forma tímida na
área dos boxes e foi aumentando gradativamente até que na 35ª volta a chuva
aumentou naquele local. Isso obrigou a ida de Hakkinen, Trulli e De La Rosa aos
boxes, deixando o caminho aberto para Barrichello assumir a liderança do GP.
Por algumas voltas Barrichello e Ross Brawn discutiram a hipótese
de parar nos boxes se era válida, uma vez que a chuva estava concentrada na
parte do Stadium e reta dos boxes e seca no restante. O fato do pneu de chuva
ter um alto desgaste em pista seca, levou os dois lados a não trocar e isso foi
crucial para as voltas que viriam a seguir: Rubens conseguia fazer voltas
melhores ou iguais a de Hakkinen que vinha em segundo com pneus biscoito e isso
foi ajudando a manter uma diferença confortável de dez segundos que foi caindo
de forma branda pelas voltas seguintes.
O fato de conseguir
tempos melhores na segunda parcial dois, onde estava mais seco, e na primeira
parte perder menos tempo, deu a Barrichello todo conforto para seguir a frente
e perder o mínimo de tempo possível. Quando a última volta foi feita, a chuva
estava forte na parte do estádio quando Rubens chegou naquele ponto para contorná-la
de forma imaculada para vencer seu primeiro Grande Prêmio na carreira. A decisão
de ficar na pista foi comentada por Rubens após a corrida: “O Ross (Brawn) deu-me a chance de
ficar na pista (sem trocar para pneus de chuva) porque ainda havia algumas
partes da pista ainda seca. Eu queria ficar mais duas voltas para ver que
tempos o Mika (Hakkinen) fazia na primeira volta. Então o Ross falou: ‘Se você
continuar fazendo esses tempos e conseguir manter o carro na pista vai ganhar a
corrida.’. Essas palavras dele foram o melhor momento da minha vida. Ele até
estava emocionado.”
No pódio, quando o Hino Brasileiro foi tocado, Barrichello
foi ao choro compulsivo. Esta cena no
pódio – onde ele foi levantado por
Hakkinen e Coulthard – e mais os inúmeros cumprimentos que recebera de várias
pessoas, mostravam que até eles esperavam por aquele momento onde o talento de
um piloto que estava no mundo da Fórmula 1 há sete anos não tinha sido
recompensado, mas que era reconhecido por todos quase que de forma unanima.
(Foto: The Race) |
Apesar de ter demorado por tanto tempo, ela veio. E em
grande estilo.