(Foto: Motorsport Images) |
Passados quinze dias do GP de San Marino ainda era possível sentir que as rusgas entre FOCA e FISA não tinham acabado, tanto que a prova da Bélgica já estava com a possibilidade de nem ser realizada. Mas houve uma luz no fim do túnel - ou quem sabe avisos - quando Bernie Ecclestone, em nome das equipes que faziam parte da FOCA, acabou por aceitar a proibição das polêmicas caixas d'água - que havia entrado em vigor já em Ímola. Provavelmente ele tenha visto que lutar contra a sua galinha dos ovos de ouro era um tremendo erro e acabou voltando atrás e levando as equipes da FOCA de volta ao circo. Se caso forçasse a barra como foi em San Marino, as coisas seriam bem caóticas e o campeonato entraria num turbilhão negativo. Ou seja: todas as equipes estariam presentes em Zolder para a realização do GP da Bélgica, quinta etapa do Mundial. Para aqueles que ainda sonhavam com a conquista do título, era a oportunidade perfeita para tentar beliscar uma boa pontuação e continuar na batalha.
A parte dos boxes em Zolder foram modificados para aquele ano de 1982 após a terrível edição de 1981, onde o mecânico da Osella´, Giovanni Amadeo, acabou falecendo após ser acertado pela Williams de Carlos Reutemann na sexta-feira. A mudança no apertado pit-lane do circuito belga era uma reivindicação de uns bons anos já e apenas para 1982 - incentivado por conta dessa tragédia - é que foi feito. Antes tarde do que nunca...
Se as coisas no campo político estavam mais amenas, não se pode dizer que o mesmo do clima na Ferrari. A desavença de Gilles Villeneuve e Didier Pironi não havia aplacado neste período e a tensão nos boxes da equipe italiana é visivel, e isso torna-se mais intenso quando Gilles faz algumas declarações a amigos - em especial os jornalistas Pierre Lecours e Nigel Roebuck - bastante pesadas a Pironi e Marco Piccinini, de quem ele também prezava muito desde o GP da Itália de 1979, onde Piccinini e Mauro Forghieri pediram ao canadense que não atacasse Jody Scheckter naquela prova já que o sul-africano estava com a chance de vencer o campeonato ali mesmo em Monza - o que acabou acontecendo, com Jody vencendo a corrida e o campeonato e Villeneuve ficando em segundo. Gilles guardou para si e esperava a sua chance mais adiante...
Para Pierre Lecours, as criticas foram endereçadas à Pironi e Piccinini. Em relação ao seu companheiro - e agora desafeto -, ele declarou: “Eu nunca vou perdoá-lo. Se eu puder bloqueá-lo, eu vou, acredite! De agora em diante, é guerra entre nós. " e depois não perdoou Piccinini ao dizer "Também não quero saber nada sobre ele! Ele é um falso padre! Está riscado da minha lista (de amigos)!" - a bronca sobre Piccinini também remonta ao fato dele ter defendido Didier logo após o acontecido em San Marino. Isso que ainda teve o casamento de Didier com Catherine antes do GP em Ímola, onde Gilles não convidado e Piccinini foi o padrinho de Pironi.
Ainda na casa das declarações pesadas em relação à Pironi, ele disse para Nigel Roebuck que "Terminar em segundo é uma coisa, mas terminar em segundo porque você foi roubado é outra".
Apesar de toda a raiva de Gilles com aquela situação de quinze dias atrás ainda bem viva em sua memória, há de convir que o canadense não era um homem feliz naquele período: uma que as discussões na Ferrari não tinham sido das melhores - até mesmo com uma possível declaração de Villeneuve para um amigo de ele teria sido demitido da Ferrari - e também com relação a sua vida pessoal, onde uma possível relação extra-conjugal estaria colocando um fim em seu casamento com Joanne que já não estava indo para os GPs junto de Gilles.
Portanto, todo clima para o querido piloto canadense, que também já olhava para fora da Ferrari com uma possível negociação com a Williams já para 1983, não era das melhores. E com o coração carregado de rancor após Ímola, o desfecho de tudo isso em Zolder não seria dos melhores.
Em Terlamenbocht, o fim de Gilles Villeneuve
Aquela qualificação em Zolder já estava quase para acabar e os resultados das duas primeiras filas já estavam assegurados - ou quase isso: os impressionantes Renault Turbo continuavam a ditar a velocidade por onde passavam e mais um vez monopolizavam a primeira fila, com Alain Prost na pole e René Arnoux em segundo; na segunda fila Keke Rosberg aparecia em terceiro com a nova Williams FW08 e em quarto Niki Lauda; a terceira fila era de Michele Alboreto com a Tyrrell e em sexto Didier Pironi. Gilles Villeneuve era apenas o oitavo naquele final de qualificação do dia 8 de maio e o seu principal alvo era superar a marca de Pironi: o francês tinha a marca de 1'16''501 e Gilles o tempo de 1'16''616. Ele havia feito algumas tentativas, mas sem sucesso até que Piccinini o chamou para os boxes para que mudasse de pneus ou fizessem uma nova recalibração nos Goodyear. Mas não houve tempo para isso...
(Foto: Fastlane) |
O Doutor Sid Watkins, em seu ótimo livro "Viver nos Limites", relata o momento em que chegou ao local do acidente: "Eu estava numa Station-Wagon Mercedes com um excelente jovem piloto belga quando vi Roland Bruynseraede com uma bandeira vermelha no final do pit-lane incitando-nos para
arrancarmos. Saímos na frente de uma Ferrari que acabava de sair do pit-lane, e reconheci o carro de Pironi, e ele abrandou para nos deixar passar. Quando chegamos à parte detrás do circuito começaram a aparecer pedaços de destroços, e finalmente os destroços vazios de uma Ferrari. Vi então que era Villeneuve, o coração caiu-me aos pés, recordando suas palavras quando nos conhecemos: 'Espero nunca precisar de você.' "
Os primeiros socorros foram feitos ali mesmo onde o corpo de Gilles se encontrava e logo em seguida levado ao centro médico do circuito, para depois ser levado para o Hospital de Saint Rafael que fica em Louvain. Após a ressonância magnética, onde foi constatado a fratura na parte onde a espinha encontra o crânio, foi tentado até mesmo a intervenção de um neurocirurgião que pudesse salvar Gilles. Somente após a chegada de Joann, e uma longa conversa com o Doutor Sid Watkins e a junta médica, expondo a situação irreversível do quadro, é que os aparelhos que mantinham Gilles vivo foram desligados e o piloto canadense foi declarado morto.
Aquele desfecho colocou um ponto no fim de semana da Ferrari ali em Zolder. Para Didier Pironi foi mais um capítulo complicado e trágico. "Olhei para cima e vi que Pironi tinha parado, mesmo atrás de mim, mas uns segundos depois ele virou-se e foi-se embora." , disse o Doutor Sid Watkins ainda em seu livro.
A cena de Pironi levando o seu capacete e o de Villeneuve do local do acidente, é uma das mais impactantes daquele ano que ainda reservava muito ao piloto francês.
John Watson vence o GP belga
(Foto: Getty Images) |
Apesar dos pesares e de toda tristeza em volta a este GP, a corrida da Bélgica foi realizada sem a presença da Ferrari. Isso era uma boa oportunidade para que a Renault aproveitasse bem a ausência de sua mais direta rival e coletasse importantes pontos para os mundiais de pilotos e construtores.
Mas o desempenhos dos dois carros amarelos foram decepcionantes: enquanto que Arnoux apresentava problemas na volta cinco quando era líder, Prost não tinha ritmo suficiente e perdia terreno para os demais. No final das contas, Arnoux abandonaria na volta sete com o turbo quebrado e Prost sai da corrida na volta 62 após uma rodada. Um final de semana frustrante para os franceses.
Estes problemas abriram caminho para os carros de motores atmosféricos vencerem. Keke Rosberg parecia ser o favorito daquela tarde em Zolder com um desempenho bem forte, mostrando que o novo Williams tinha boas condições de levá-lo a disputar vitórias. Por outro lado, ele teria a oposição da Mclaren com o constante duo formado por Niki Lauda e John Watson.
Enquanto que Rosberg conseguia domar uma boa diferença para Lauda - mesmo com uma das saias da Williams danificadas -, o austríaco tinha problemas de desgaste nos pneus macios. Alheio a tudo isso, mas escalando o pelotão com determinação, aparecia a figura de John Watson que estava em terceiro após largar em décimo - largaria em décimo segundo, mas ganhou duas posições por conta da desistência da Ferrari.
Watson era o segundo colocado na volta 47 de um total de 70 programadas e levava 17 segundos de atraso para Keke Rosberg. A principio seria bem complicado descontar aquela desvantagem para Keke faltando vinte e três voltas para o final, mas problemas de freios e um dos pneus traseiros do Williams do finlandês passou a ficar gasto e isso trouxe uma grande dificuldade para que Rosberg se mantesse na liderança.
A diferença foi despencando volta a volta até que John assumiu a liderança faltando duas voltas para o final, vindo alcançar uma importante vitória em Zolder. Rosberg ficou em segundo e Lauda em terceiro.
Apesar do largo sorriso de Watson no pódio, não tinha muito a comemorar ali com a pista de Zolder ficando marcada pelo segundo ano consecutivo pelo signo da morte.
A Fórmula-1 voltaria à Zolder apenas em 1984, já que em 1983 o GP da Bélgica seria na sua tradicional casa em Spa-Francorchamps, agora com uma pista totalmente remodelada.