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quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Foto 1017: Nino, ensina-lhe o caminho

 


Houve alguma simbiose tão intensa entre torcida e piloto na história do motorsport? Bem provável... Claro que isso pode se resumir a torcida e equipe e temos um exemplo máximo entre os tiffosi e sua querida Ferrari, onde o amor e ódio transitam em duas mãos, mas entre pilotos e torcida isso se resume a algumas situações clássicas onde as invasões de pista mostraram o quanto que a paixão estavam em alta. Exemplos disso? As conquistas de Nigel Mansell em solo inglês nos anos de 1987 e 1992 em Silverstone, assim como as de Ayrton Senna levando a torcida a momentos apoteóticos em 1991 e 1993 em Interlagos; e Michael Schumacher conquistando de vez o coração de seus fiéis torcedores na vitória em Hockenheim 1995. Mas a ponto de parecer que a torcida era o segundo motor de um carro de corrida, talvez isso acontecesse especialmente com Nino Vaccarella. 

O filho ilustre de Palermo, na região da Sicília, representava a todos da região quando uma das principais corridas da história do esporte a motor era realizada: o Targa Florio foi por décadas um dos grandes clássicos do endurance no mundo e foi onde Ninno pode encravar seu nome na história do motorsport. Ele venceu a prova em três oportunidades: 1965 em parceria com Lorenzo Bandini ao volante de um Ferrari 275 P2; voltou a vencer em 1971 com Toine Hezemans pilotando um Alfa Romeo 33/3; e repetiria o feito em 1975 quando esteve junto de seu compatriota Arturo Merzario no comando de um Alfa Romeo 33TT12. 

O conhecimento de Vaccarella naquele traçado colossal de 72 km era um ganho e tanto sobre os demais, levando Vic Elford - outro mestre das provas de endurance - a dizer que “ele conhecia as estradas da Sicília como a palma da sua mão” e isso não era nenhum exagero. O próprio Nino reconhecia que isso era uma vantagem, já que ele podia "treinar" naquele percurso meses antes de seus rivais: “Sendo um local, como nasci e cresci não muito longe da pista de Targa Florio, costumava ir a meses ou dois antes da corrida com meu próprio carro e memorizar cada curva. Uma volta foi de 72 quilômetros (45 milhas). Dessa forma, antes de uma corrida, eu poderia pular em um carro de corrida, fazer algumas voltas já me sentindo confortável com a pista. ” relatou certa vez. 

Mas Nino não se limitava apenas ao familiar traçado da Sicília, tendo conquistado outras corridas tão importantes quanto a de sua terra natal. Um ano antes de levar a sua primeira Targa Florio, ele venceu as 24 Horas de Le Mans de 1964 junto de Jean Guichet com o Ferrari 275 P oficial. As 12 Horas de Sebring foi outro palco onde ele sempre esteve em evidência: das nove participações, só não completou (1962 e 1969 [porém existe a desistência em 1971 quando estava ao lado de Toine Hezemans no Alfa Romeo T33/3 por causa de um problema no sistema de combustível, mas ele acabaria por pilotar junto de Andrea De Adamich e Henri Pescarolo no outro Alfa Romeo de mesmo modelo e terminando em terceiro na geral]). Ainda em Sebring, ele conseguiu dois segundos lugares (1963 e 1964); dois terceiros (1971 e 1972) e um quinto lugar (1967). Nino acabaria por vencer a edição de 1970 formando trio com Mario Andretti e o promissor Ignazio Giunti com o Ferrari 512S. Ele fez duas tentativas nas 24 Horas de Daytona, mas esta sem sucesso: foi quinto em 1968 (pilotando junto de Udo Shütz um Alfa Romeo T33/2) e abandonou em 1970 (quando estava junto de Giunti com o Ferrari 512S). 

Em março de 2002 Nino Vaccarella relembrou a sua histórica vitória no Targa Florio de 1965 e esta foi publicada no "Sicilia Motori":


Nino Vaccarella com o Ferrari 275 P2 no trecho de Collesano na edição de 1965 do Targa Florio

"... Nesse ínterim, o compromisso mais importante para mim foi a 49ª Targa Florio (edição de 1965). No final de março, a Ferrari havia enviado dois carros para testes, um Dino 2000 e um P2 3300, e após uma semana de testes, estávamos preparados para usar o P2, mais potente e volumoso, mas certamente mais rápido, mesmo que o Commendatore Ferrari quisesse o uso do Dino menor e mais manejável. Ao final, foram inscritos três P2s das tripulações Ludovico Scarfiotti-Mike Parkes, Giancarlo Baghetti-Jean Guichet e Lorenzo Bandini-Nino Vaccarella.

 O treino oficial foi agendado para sexta-feira, 7 de maio e as arquibancadas de Cerda foram invadidas por uma multidão imponente e entusiasta, que aguardava ansiosamente os meus testes, com a esperança de melhores resultados, o que teria evidenciado a possibilidade de uma vitória tão esperada e adiada por anos.

As ruas da Madonie e sobretudo as cidades estavam cheias de escritos elogiando o motorista da casa, Collesano com seu principal torcedor, o policial de trânsito Totò Giorni, que eu conhecia há alguns anos e apreciava pelo seu espírito esportivo, se preparava para pagar todo entusiasmo e paixão pelo esporte. Fiz a volta mais rápida com minha poderosa Ferrari em 39 minutos e 30 segundos, batendo o recorde anterior estabelecido por (Wolfgang) Von Trips e claramente à frente de meus rivais. Depois de tantas esperas e decepções, a possibilidade de sucesso finalmente se apresentou e para quem esperava tornou-se uma bela realidade. Sábado à tarde, véspera da corrida, fazia uma volta de reconhecimento para ver como tinha sido feito o trabalho de manutenção e para saber todas as dificuldades da estrada.
Fiquei espantado ao ver uma multidão incrível, que se tinha posicionado nos pontos cruciais, a encruzilhada Sclafani, a encruzilhada Caltavuturo, a encruzilhada Polizzi, autênticas passarelas panorâmicas, de onde foi possível seguir, por vários quilómetros, a passagem do carros. O trânsito nas aldeias era inimaginável, onde a empolgação da multidão era incrível, e era preciso passar devagar para evitar acidentes desagradáveis. Resumindo, um clima de festa e júbilo nunca antes visto, com a multidão siciliana pronta para apoiar o piloto da casa, nesta incrível vingança dos pilotos sicilianos muitas vezes mortificados e esquecidos.

Domingo de manhã às sete, aqui na arquibancada da Cerda, após uma noite sem dormir devido à enorme tensão, pronto para decolar com a minha Ferrari, número 198, acompanhada do diretor esportivo (da Ferrari) (Eugenio) Dragoni, para as últimas recomendações, com a concentração certa para enfrentar as estradas sinuosas de Madonite. Na minha partida o grito da torcida competia com o rugido da Ferrari e comecei a devorar a estrada, entre duas alas de espectadores incautos, o que dificultava minha direção. O trecho da estrada que ia das arquibancadas à vila de Cerda foi rápido com trechos consistentes, interrompidos por curvas desafiadoras e escorregadias, com o campo verde repleto de alcachofras que foram particularmente apreciadas pelos motoristas. Depois da vila de Cerda, caracterizada por uma longa estrada rectilínea, chegava-se ao entroncamento de Montemaggiore com uma curva à esquerda, que precedia um traçado misto - rápido, muito exigente com o piso da estrada um pouco acidentado, devido aos inúmeros deslizamentos e que muitas vezes fazia saltar o carro, com aterragens perigosas, que colocavam uma pressão sobre a suspensão e o chassis. Os trechos rápidos da Granza, entre os olivais, levaram às curvas fechadas de Sclafani, antes de iniciar a subida, lotada inacreditavelmente e muito exigente com o poderoso e pesado (Ferrari 275) P2.

A pedra Masetti, na curva onde morreu o famoso conde-piloto (nota: Giulio Masetti faleceu neste ponto do traçado em 1926 durante a edição daquele ano e no local foi colocado um marco de pedra), precedeu uma série de extensões que deram origem às curvas fechadas de Caltavuturo. Invadida por milhares de Madonites, num trecho típico da serra, que passava pela encruzilhada continuava descendo em direção a encruzilhada de Scillato, onde o cheiro da corrida lembrava as saborosas laranjas, que os fazendeiros muitas vezes davam aos pilotos que por ali passavam. A subida curva-se em direção ao entroncamento Polizzi, onde as Scuderias organizaram atendimentos, para suprimentos extraordinários ou reparos inesperados ou relatórios importantes, em outro trecho panorâmico, de onde era possível ver muitos quilômetros de estrada, concluíam esses trechos mistos e estressantes para os pilotos dos poderosos protótipos. Não foi um momento de trégua e continuamos num mix rápido muito exigente rumo a Collesano, onde o entusiasmo do povo deu uma forte emoção, que te leva para o meu trecho preferido, a descida rápida em direção a Campofelice, que te fez usar a força da P2, com sensações maravilhosas. A entrada na aldeia era muito rápida, com o asfalto escorregadio, que o ocupava para não esbarrar nas calçadas apinhadas ou nas casas. Por último, um trecho muito rápido, com a recta Bonfornello, onde se atingiram velocidades próximas dos 300 km e onde se podia dar um descanso, sem o empenho estressante das mudanças constantes. Uma mistura rápida e agradável, própria para Ferrari, desenvolvida até a chegada das arquibancadas da Cerda, onde começou a próxima volta estressante. Certamente a corrida mais cansativa e emocionante do mundo. Eu havia percorrido esses desafiadores 72 quilômetros, na primeira volta, com uma largada parada, em 40 minutos e 5 segundos, na segunda volta em 39 minutos e 21 segundos, na terceira volta em 39 minutos e 19 segundos, uma nova corrida registro.

Vaccarella e Bandini no pódio
(Foto: Antonio Azzano)
Completei minha volta com mais de três minutos de vantagem e fiquei sozinho para defender as cores da Ferrari, tendo retirado Scarfiotti por um toque imprudente e depois Baghetti. Assim, quando Bandini assumiu o turno de 4 voltas, já havia sido catequizado pelo diretor esportivo Dragoni para não ficar
abaixo de 41 minutos por volta, pois só restava a nossa Ferrari, seguida à distância pelos Porsches de Umberto Maglioli, Jo Bonnier de Colin Davis. Bandini fez uma volta de 43 minutos e salvou o carro para evitar imprevistos desagradáveis, mantendo a primeira posição. Entretanto, num ambiente de grande tensão, preparava-me para substituir o meu parceiro, tendo com o Dragoni decidido controlar os meus adversários e não correr riscos desnecessários para não comprometer a corrida, que agora parecia vencida. Estou saindo de novo, depois de um rápido reabastecimento, acompanhado pelos aplausos do resto da torcida e dei minhas voltas com tempos de absoluta tranquilidade perto dos 41 minutos, depois de ter feito uma ultrapassagem espetacular, logo após as boxes, contra o Porsche de Bonnier. A última volta foi um motim de gente, torcendo ao passar pela berma da estrada, em Collesano uma chuva de pétalas de rosas vermelhas e muita emoção e finalmente a chegada às arquibancadas de Cerda para sancionar uma vitória esperada por tantos anos, a mais bela e completa vitória. Saí do carro muito cansado e com as mãos, como sempre, ferido e escoltado por um grande grupo de carabinieri
(nota: são parte das Forças Armadas da Itália e que ajuda no policiamento de grandes eventos) fui acompanhado até o terraço acima dos boxes para a habitual coroação, enquanto os felizes e emocionados Bandini e Dragoni se juntaram a mim para me abraçar e elogiar. Enquanto isso, o Presidente do Automóvel Clube de Palermo, meu amigo Nino Sansone, organizador da corrida, me envolveu com a grande coroa de louros com Bandini, em meio aos aplausos e gritos do povo e na arquibancada em frente notei minha mãe emocionada , que me cumprimentou, rodeado de tantos espectadores que parabenizaram por tão bom filho. A Sicília festejava a vitória de seu piloto e preparava uma série de reuniões para recompensá-lo e agradecê-lo. Eu tinha ficado a frente do Porsche de Colin Davis – Gerhard Mitter por mais de 4 minutos, do Porsche de Umberto Maglioli - Herbert Linge por mais de 5 minutos e do Porsche de Jo Bonnier - Graham Hill por mais de 8 minutos. 

Marcello Sabatini, um dos correspondentes da revista italiana Auto escreveu: "Nino ensina-lhe o caminho" estava escrito em uma das muitas paredes ao longo da rota do Targa. E desta vez Nino Vaccarella ensinou realmente aos seus companheiros campeões e a 102.561 quilômetros por hora a geografia do terreno onde nasceu o professor-diretor da Ferrari fazia hora extra. Depois de ter ensinado, até sábado, aos alunos de sua escola, que então vieram em massa para torcer por tanto professor, que por sete horas um minuto e doze segundos foi o professor daquela ilustre assembléia de campeões que uma raça antiga e gloriosa como a Targa Florio sempre coleta. E ele deu uma alegria e emoção inimagináveis ​​à multidão siciliana, que no final agradeceu por sua façanha excepcional ”. "


Um relato emocionante do Professor - Vaccarella, junto de sua irmã, desde 1956 tomavam conta de uma escola fundada por seu pai - onde a torcida esperava ansiosamente pela conquista de seu filho pródigo desde a estreia deste em 1960 quando esteve no comando de um Maserati Birdcage junto de Umberto Maglioli, outro lendário piloto detentor de três conquistas no traçado da Targa Florio. A vitória veio da melhor forma possível, não apenas com Nino domando os 72 km do circuito, mas também dando à Ferrari uma vitória maiúscula frente a horda de Porsches que já ensaiavam um assalto mundo do endurance a nível mundial naquela época. Isso sem contar na apaixonada torcida, que estava a impulsionar Vaccarella a cada passagem e ajudando a compor uma das mais belas histórias do esporte a motor. 

Nino Vaccarella ainda teve tempo para presentear seus conterrâneos com as vitórias de 1971 e 1975 e entrando para a galeria de maior vencedor da Targa Florio junto de Umberto Maglioli (1953, 1956 e 1968) e Olivier Gendebien (1958, 1961 e 1962).

O homem que sabia de cór os caminhos do Targa Florio se foi hoje aos 88 anos após problemas cardíacos e outras comorbidades

terça-feira, 6 de julho de 2021

Foto 985: Luigi Musso/ Olivier Gendebien, Targa Florio 1958

 

(Foto: Bernard Cahier)

A belíssima foto de Bernard Cahier do Ferrari 250 TR conduzido por Luigi Musso durante o Targa Florio de 1958. Ele dividiu a condução do Ferrari com o belga Olivier Gendebien. 

A Targa Florio retornava ao calendário do Mundial de Carros Sport após três anos de recesso, uma vez que as provas de estrada na Itália continental estavam proibidas - um reflexo do desastre em Le Mans 1955. 

Para esta edição - a 42ª da história - a Ferrari escalou quatro 250 TR para as duplas Mike Hawthorn/ Wolfgang von Trips, Luigi Musso Olivier/ Gendebien, Phil Hill/ Peter Collins e Gino Munaron/ Wolfgang Seidel. Os principais rivais para aquele ano remontavam a Aston Martin, que levou apenas um DBR1 para Stirling Moss/ Tony Brooks, e a Porsche que inscreveu três modelos diferentes: o 356A Carrera para Alfonso Tiele (que não participou), um 550 RS para Giorgio Scarlatti/ Edgar Barth e um 718 RSK que foi dividido entre Jean Behra e Giorgio Scarlatti que faria, assim, uma dupla jornada nos carros alemães.

A prova foi um passeio do Ferrari #106 de Musso/ Gendebien, onde a dupla parecia estar alheio a tudo enquanto que seus companheiros sofriam dos mais diversos problemas: von Trips bateu seu Ferrari e precisou fazer um longo caminho até chegar aos boxes para os reparos; Hill escapou em um dos trechos chegando a cair numa vala, onde perdeu bastante tempo; Munaron/ Seidel abandonaram na penúltima volta. 

Se os outros Ferrari apresentaram ou enfrentaram problemas, Musso fez quatro primeiras voltas num ritmo alucinante até entregar o carro para Gendebien. A grande ameaça a dupla era por conta do Aston Martin conduzido por Moss, que estava no encalço ao realizar, assim como fizera Musso, voltas alucinantes - com direito a cravar a melhor volta na ocasião com a marca de 42 minutos e 17s -, mas o câmbio do DBR1 não aguentou e quebrou na quarta volta. 

A condução de Gendebien foi precisa, por mais que não fosse brilhante como fizera Musso, mas foi o suficiente para deixar o mais longe possível o Porsche de Jean Behra que fazia uma grande prova até ali ocupando o segundo lugar. A boa vantagem construída por Luigi e muito bem administrada por Olivier, dava uma grande tranquilidade para a dupla. 

Mas numa corrida longa como essa, é quase impossível realizá-la sem ter um problema: quando faltava três voltas para o fim, Musso teve um vazamento de fluído de freios o que o fez diminuir bastante o ritmo por conta da falta de freios - chegando perder até quatro minutos em uma volta para Behra. Ele foi aos boxes, fez os reparos e entregou o carro para Gendebien que ainda retornou com três minutos de avanço. Nas voltas restantes, o piloto belga voltou ao ritmo e ampliou de três para cinco minutos a vantagem sobre Behra/ Scarlatti para conquistar uma grande vitória. A terceira posição ficou para a Ferrari de Von Trips/ Hawthorn. 

Hoje completa exatos 63 anos da morte de Luigi Musso, que aconteceu durante o GP da França de 1958 realizado em Reims.

sábado, 5 de junho de 2021

Foto 957: Umberto Maglioli, Targa Florio 1968

 


O festejo de uma grande vitória... Ao centro, Umberto Maglioli envolto com a coroa de louros junto de seu companheiro Vic Elford após a edição da Targa Florio de 1968, que ambos venceram com um Porsche 907 de fábrica. 

Essa corrida foi 52ª edição da Targa Florio, que era a quinta etapa do Mundial de Marcas de 1968. A Ferrari não compareceu a essa prova em sinal de protesto a mudança de motores a partir de 1969, onde os Protótipos do Grupo 6 ficariam limitados a 3 Litros e os Carros Esporte do Grupo 4 a 5 Litros com o martelo sendo batido durante o final de semana das 24 Horas de Le Mans. Dessa forma, a Porsche teria caminho livre para tentar vencer a Targa Florio, mas a Alfa Romeo apareceu na competição com seu Tipo 33/2 e isso significava que haveria um duelo pela vitória naquela edição. 

O que pesou à favor da Porsche foi o virtuosismo de Vic Elford, que conseguiu recuperar terreno após ter perdido uma roda do 907 na primeira volta e, para piorar, o carro ainda teria um pneu furado. Isso deixaria as coisas bem mais dificeis, mas o britânico conseguiu recuperar-se de forma impressionante ao conseguir aliar velocidade e destreza com uma tocada de rally, fazendo com que o Porsche 907 deslizasse pelas curvas do colossal traçado da Sicília. Das dez voltas programas, Vic pilotou em sete e entregou o carro para o experiente Maglioli em três voltas. Na nona volta, Elford alcançou o Alfa Romeo Tipo 33/2 dos jovens Nanni Galli/ Ignazio Giunti, que lideravam na ocasião, para ultrapassá-los
e vencer a prova com três minutos de vantagem. 

O Porsche 907 de Elford/ Maglioli na Targa Florio
Essa vitória na Targa Florio foi a terceira e última de Umberto na grande prova, tendo vencido em 1953 com um Lancia D20 e em 1956 com um Porsche - sendo essas duas pilotando sozinho. Maglioli foi um dos melhores pilotos de endurance de sua geração a vencer provas importantes como a última Carrera Panamericana em 1954 (com uma Ferrari 375 Plus), 1000km de Buenos Aires (também em 1954 em parceria com Nino Farina) e o Supercortermaggiore realizado em Monza em dupla com Mike Hawthorn. Ele ainda venceria uma 12 Horas de Sebring em 1964 pela Ferrari.

O italiano ainda participou de dez provas na Fórmula-1, tendo estreado em 1953 no GP da Itália pela Ferrari. Ele conseguiu dois pódios: foi terceiro no GP da Itália de 1954 e repetiu o feito no GP da Argentina de 1955.

Umberto Maglioli completaria 93 anos hoje. 

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Os 50 anos da vitória da Porsche em Le Mans

(Foto: Motorsport Images)

A simbiose entre Porsche e Le Mans chega a ser palpável, tamanha ligação que os dois nomes possuem. Independente se a pessoa esteja lá em Sarthe ou a quilômetros de distância, acompanhando a clássica prova do conforto de sua casa, ou até mesmo lendo algum artigo sobre uma das duas, chega ser impressionante o quanto que se completam. Um exemplo que ilustra isso é a edição de 2014 que marcou o retorno da Porsche na classe principal após 16 anos de ausência em Sarthe: os inúmeros problemas enfrentados pelas suas rivais Audi e Toyota deram a Porsche a oportunidade de chegar com chances de vitória faltando duas horas para o final com o Porsche 919 Hybrid #20 conduzido por Mark Webber/ Timo Benhard/ Brendon Hartley, mas problemas na bomba de combustível – mesmo problema que teve o #14 da fábrica alemã algumas horas antes – acabou por adiar o sonho em um ano quando puderam comemorar a conquista em seu território favorito.
Porém, essa simbiose foi sendo maturada no decorrer dos anos: desde a sua estreia em 1951, a Porsche colecionou vitórias em quase todos os anos em diferentes classes. Em 1951 venceram na classe para carros de até 1100cc com a dupla Auguste Vevillet/ Edmond Mouche que pilotaram um Porsche 356. Foi um inicio promissor que se estendeu pelos anos seguintes e de 1951 até 1969, um ano antes de vencerem na geral em Le Mans, a Porsche venceu 29 vezes nas subclasses, ficando apenas em 1959 sem conquistar nenhuma vitória. Estes números foram inflados, principalmente, em anos onde a Porsche venceu em mais de uma classe como os casos de 1955, 58, 61, 65 e 67 onde venceram em duas classes e depois em 1966, 68 e 69 conquistando em três classes. A segunda parte dos anos 60 foi importante para que a Porsche começasse a perseguir a sua já tão sonhada conquista na geral das 24 Horas de Le Mans: em 1968 posicionou em segundo e terceiro na geral com os Porsche 907 LH da Squadra Tartaruga (Rico Steineman/ Dieter Spoerry) e 908 da equipe oficial com Jochen Neerpasch e Rolf Stommelen, em prova vencida pelo Ford GT40 da J.W Engineering de Pedro Rodriguez/ Lucien Bianchi; já em 1969 a grande chance que acabou ficando pelo caminho, com a lendária perseguição de Jacky Ickx, a bordo do seu Ford GT40 - compartilhado com Jackie Oliver -, ao Porsche 908 LH de Hans Hermann e Gerard Larousse, quando Ickx bateu Hermann por 100 metros numa das chegadas mais apertadas da história de Sarthe. Os problemas de freios que Hermann enfrentou no final da prova foi um fator decisivo, uma vez que ele acreditava que Jacky também teria estes problemas na parte final da prova e por isso decidiu não ir aos boxes para repará-los: “A decisão foi minha. Eu pensei que Jacky também poderia ter problemas. Por isso fiquei na pista ”, relatou Hermann alguns anos depois em entrevista a News Room Porsche.

O selvagem 917
Uma das fotos do livro de apresentação do novo Porsche 917 em 1969. A nomenclatura 917 era a junção de 912 (12 cilndros
do motor) mais o 5 do número de marchas, levando a soma que originou o 917
(Foto: Primotipo)

Existiu um homem na Porsche que teve participação importante nos sucessos da marca a partir daquela década de 60: Hans Mezger entrou na Porsche em 1956 quando passou a trabalhar na melhoria do motor boxer de quatro cilindros. Esteve também na empreitada da fábrica na Fórmula-1 no início da década de 1960 e na metade desta passou a trabalhar de vez no departamento de corridas da marca – justamente num dos períodos onde a Porsche passou a vencer em mais classes nas 24 Horas de Le Mans. Os trabalhos realizados nos modelos 906, 910, 907, 908 e 909 foram importantes não apenas para que a Porsche crescesse no cenário automobilístico de primeira classe – algo que já estava bem consolidado na classe dos GTs – mas também para a criação de um carro que marcaria época para eles e na história do motorsport: o Porsche 917, seja em sua forma LangHeck (LH) ou KurtHeck (KH), o Porsche 917 teve um papel fundamental para que, enfim, a fábrica alemã entrasse de vez para o panteão das grandes vencedoras das 24 Horas de Le Mans. “O 917 era uma evolução do que vínhamos fazendo antes. O motor evoluiu dos boxers de quatro, seis e oito cilindros com um novo projeto de virabrequim e sistema de lubrificação de baixa pressão. O chassi evoluiu a partir dos coupês 907 e 908. Era apenas o próximo passo para o chassi, que teria mais força, rodas mais largas e assim por diante.”, relata Mezger.
Em 1969 a Porsche utilizava o modelo 908 que havia estreado durante a campanha do Mundial de Marcas de 1968, onde a esquadra alemã perdeu o título para a Ford por apenas três pontos. Porém, sabia-se que o carro tinha potencial, mas ainda não era páreo para o Ford GT40 quando se encontravam em Le Mans. Segundo Hans Mezger, “Depois da experiência com o Ford GT40 em 1968, acreditávamos que o 908 talvez não fosse capaz de vencer a competição de Le Mans. Em 1969, ele se mostrou um projeto mais acabado, mas o 908 ainda não era o suficiente.”  Como forma de revisar o Porsche 908, a fábrica fez uma longa sessão de testes em Monza que duraram um total de 18 horas para que pudesse identificar possíveis problemas – apesar deles terem pontuado em todas as provas do campeonato de 1968, o 908 apresentou uma série de problemas no decorrer do ano e o longo teste servia para sanar estas duvidas. Apesar de mudarem de uma caixa de câmbio de seis marchas para uma de cinco, que era mais leve e igualmente resistente, o teste acabou não indo muito longe depois que Hans Hermann bateu num dos trechos do circuito italiano, mas ainda sim conseguiram tirar algum proveito.
Porém, àquelas horas perdidas em Monza fariam muita falta quando os quatro 908 que foram enviados para a etapa de abertura do Mundial de Marcas de 1969, as 24 Horas de Daytona, não completaram a prova por problemas na transmissão e também na bomba de óleo. Mesmo que o desempenho destes tenham sido fortes em Daytona – onde o último Porsche em pista conduzido por Jo Siffert e Hans Hermann abandonaram quando tinham 45 voltas de avanço sobre o Lola T70 de Mark Donohue/ Chuck Parsons na 18ª hora – a expressão de Rico Steinemann, então diretor de provas da Porsche, ao falar que eles “tinham os melhores carros, mas que não era o suficiente”, foi reavivado na etapa seguinte para a disputa das 12 Horas de Sebring onde quase todos os 908 Spyder, que faziam sua estréia, sucumbiram por problemas de rachaduras no chassi – o 907 pilotado por Rolf Stommelen/ Joe Buzzeta também sofreu do mesmo problema, mas foi reparado e ainda salvou um honroso terceiro lugar na prova logo atrás do Ferrari 312P de Chris Amon/ Mario Andretti e do vencedor Ford GT40 pilotado por Jacky Ickx/ Jackie Oliver. Outros dois 908 chegaram entre os dez primeiros: o conduzido por Gerard Mitter/ Udo Schutz ficou em quinto e o pilotado por Vic Elford/ Richard Attwood – estes não sofreram com os problemas de chassi, mas no entanto tiveram um furo no tanque de combustível – fecharam em sétimo. As explicações para este desaire em
As duas versões de cauda do 917 e com o uso de
flaps móveis que foram proibidos ao final das 24 Horas
de Le Mans de 1969.
(Foto: Primotipo)
Sebring foram relacionados as fortes vibrações do asfalto do antigo aeródromo.
Enquanto que o 908 apresentava ritmo, mas faltava confiabilidade, a nova máquina estava a ser preparada: o 917 teve como base o 908 e ao contrário do irmão mais velho, este utilizaria um V12 de 4.494cm3 e em março de 1969 ele foi apresentado no Salão do Automóvel de Genebra e em abril eles apresentaram 25 modelos montados para a inspeção de Dean Delamont (então representante da CSI) que homologou o Porsche 917 para competição – uma outra inspeção tinha sido feita meses antes, mas apenas três carros estavam montados e outros 18 na linha de montagem, o que não deixou o carro ser homologado de imediato. Os primeiros testes do 917 se deu em Le Mans num final de semana, já no final de março. Lá, Rolf Stommelen conseguiu uma volta quatro milhas mais veloz que os 908LH e atingiu uma marca de 347, 544Km/h na Hunaudières/ Mulsanne. Porém, descobriu-se o mau comportamento do carro em velocidades elevadas e ali começava uma saga para tentar descobrir o que de fato fazia com que o carro tivesse tal instabilidade.
O mês de maio, mais precisamente nos 1000km de Spa-Francorchamps, então sexta etapa do Mundial de Marcas, a Porsche resolveu inscrever um 917 que inicialmente seria usado por Jo Siffert e Brian Redman. No entanto, as costumeiras chuvas nas Ardenes atrasaram um pouco o cronograma e quando enfim as atividades iniciaram, Siffert e Redman compartilharam da mesma opinião em relação ao novo carro quando foram à pista belga, com o piloto suíço declarando que o 917 era “não apenas instável, como também perigoso!”, sendo que este tinha péssimo comportamento em curvas de alta e nas longas retas de Spa – isso que ainda conseguiram um tempo de volta veloz num dos treinos livres, que poderiam lhe dar a pole para a corrida. Siffert deixou de lado o 917 e foi pilotar um 908LH com Redman, enquanto que o novo carro ficou sob os cuidados de Gerhard Mitter e Udo Schutz. Mas a prova dos dois não foi muito longe, sendo o que motor do 917 apresentou falhas ainda na primeira volta e forçou o abandono da dupla. Por outro lado, Siffert e Redman acabariam por vencer a corrida em Spa, com a Ferrari 312P de Pedro Rodriguez e David Piper em segundo e o Porsche 908LH de Vic Elford e Khurt Ahrens Jr. em terceiro.
Procurando ainda uma resposta para o indecifrável problema de instabilidade do 917, a equipe técnica da Porsche resolver instalar novos jogos de molas e amortecedores na suspensão e levar o carro para competir nos 1000km de Nurburgring. Apesar de nenhum dos pilotos titulares terem sido escalados para pilotá-lo, a solução foi conseguir a liberação dos pilotos da BMW Hubert Hahne e Dieter Quester para pudessem conduzir o carro, mas a BMW de imediato – talvez já sabendo da fama do 917 – proibiu que eles pilotassem a máquina. O jeito foi recrutar David Piper e Frank Gardner para conduzir o Porsche 917 e lá perceberam que as mudanças feitas não surtiram efeito, fazendo a equipe técnica voltar a mesa de projetos para continuar a saga frente aquele grande desafio. Mas o resultado na corrida ainda foi decente, sendo que largaram em oitavo e finalizaram na mesma colocação, com quatro voltas de atraso para os vencedores Siffert/ Redman que conduziram um 908LH e decidiram a fatura do Mundial de Marcas à favor da Porsche – aliás, foi um grande final de semana para a Porsche, que colocou 11 carros entre os quatorze primeiros.

O quase em Le Mans

Depois do desfecho do campeonato a favor da Porsche, as atenções foram voltadas para Sarthe onde a fábrica alemã era a grande favorita. Além dos quatro Porsche 908LH, ainda foram levados dois 917LH – todos os seis em caráter oficial – e um 917LH que foi inscrito de forma particular pela John Woolfe Racing, que foi conduzido por John Woolfe e Herbert Linge. Teve um terceiro Porsche 917LH que ficou como carro reserva, apesar de ter recebido as inscrições de Herbert Linge/ Brian Redman/ Rudi Lins. Os 917LH continuaram a receber modificações na suspensão dianteira, além de reparos no sistema de combustível.
Os treinos ficaram marcados pela grande velocidade do 917LH que fez a pole com a marca de 3’22’’900 estabelecido por Rolf Stommelen com o #14, sendo quase quatro segundos mais veloz que o outro 917LH que marcou 3’26’’700 pelas mãos de Vic Elford. O terceiro 917LH da John Woolfe aparecia em nono, com o tempo de 3’35’’800. A Porsche posicionara outros três 908LH entre os dez primeiros naquela classificação, sendo o 908LH #20 semi-oficial da Hart Ski Racing Team – pilotado por Jo Siffert/ Brian Redman em terceiro no grid.
Toda expectativa criada em torno daquela que poderia ser a primeira vitória da Porsche em Le Mans, começou a se desfazer já na infeliz primeira volta onde John Woolfe, após boa largada, acabou batendo o seu 917LH na Maison Blanche e vindo a morrer. Aquela situação poderia ter sido tratada como um presságio já que Rico Steinemann pedira a Woolfe que entregasse o carro a Linge para que este, já com certa experiência com o 917, pilotasse na primeira perna da prova. Com Woolfe ignorando o conselho, ele foi para a largada e ao passar com as duas rodas na grama acabou rodopiando, batendo e explodindo – um pouco antes John foi lançado para fora do carro, já que não tinha afivelado o cinto de segurança. Um inicio nada interessante para um carro que tinha já sua fama de inguiável. No entanto, foi nesta mesma edição que ficou registrado o momento em que Jacky Ickx, em sinal de protesto pela famosa “Largada Le Mans”, caminhou lentamente para seu Ford GT40 e saiu apenas quando estava corretamente afivelado.
Porém, o 917LH ainda teve uma boa jornada pelas mãos das duplas Stommelen/ Ahrens Jr. e Elford/ Attwood, mas um par de Porsche enfrentaria os mais variados problemas no decorrer das horas seguintes – inclusive o carro de Stommelen/ Ahrens que tiveram vazamento de óleo da transmissão, que acabaria por atrasá-los e mais tarde causar o abandono na 15ª volta.
A liderança passou para as mãos do duo britânico do 917LH #12 de Vic Elford e Richard Attwood, que conduziram o carro de forma magnifica, mas que acabariam por abandonar por problemas no câmbio quando eram lideres e a corrida já estava na sua 22ª hora. Mais um pouco o 917LH, de tantos problemas e criticas, teria vencido logo na sua primeira visita à Le Mans. Hans Mezger relembra aquela situação: “Em 1969, o 917 de cauda longa não era fácil de pilotar, mas Vic Elford teria vencido em Le Mans se a caixa de velocidades não tivesse quebrado. Ele tinha uma grande vantagem quando isso ocorreu. Isso aconteceu porque não havíamos tido tempo para fazer o teste de resistência habitual. Tivemos de apresentar os 25 carros para a FIA no final de abril e finalmente recebemos os documentos de homologação em 1 de maio. Seis semanas mais tarde, tivemos de ir para a corrida mais severa de todas. Foi uma grande pena, porque Elford teria vencido, mesmo com a força vertical descendente não sendo a ideal.”. Além dos problemas de embreagem, os freios do Porsche #12 eram praticamente inexistentes, sendo a uma má ventilação fazia o fluído superaquecer – isso sem contar que um dos cabos tinha se rompido. Para Rico Steinemann, a condução suave do duo permitiu que a longevidade do 917LH #12 fosse tão prolongada.
A Porsche ainda teve uma última cartada que foi o Porsche 908 #64 de Hans Hermann/ Gerárd Larousse que lideraram até a volta final, mas os problemas de freios acabaram dificultando a condução de Hermann – que optara em não parar para trocar o sistema – e acabou sendo presa fácil para o Ford GT40 #6 de Jacky Ickx/ Jackie Oliver – que parara algumas voltas antes para reparos nos freios – e passou o Porsche 908 #64 para vencer por míseros 100 metros.
Foi uma derrota para lá de dolorosa para a Porsche, mas ao menos serviu para que as impressões sobre o 917 fossem reforçadas: com melhorias pontuais, seria um carro de corrida de primeira linha.

Mais modificações para o 917 e vitória em Zeltweg

Após o desaire em Le Mans, a Porsche deixou de ir de forma oficial para as duas provas restantes que seriam as 6 Horas de Watkins Glen e os 1000km de Zeltweg, mas teriam seus 908 nestas provas todos em caráter particular.
O 917 não foi levado para Glen, mas a Porsche levou a máquina para Nurburgring onde foram feitas mais mudanças. Os resultados foram bons, mas o carro nem se aproximou do tempo feito pelo 908 meses atrás. Em Glen, a Porsche venceu com a dupla Siffert/ Redman que estava a serviço da Porsche Austria e tivaram a companhia dos outros dois Porsche 908 conduzidos por Elford/ Attwood (AG Dean Racing) e Joe Buzzeta/ Rudi Lins (Porsche Austria).
Em Zeltweg, além do punhado de Porsche 908 que foram inscritos, dois 917 apareceram: um de #29 foi inscrito por Karl Freiherr e entregue a Jo Siffert e Kurt Ahrens Jr. e um de #30 inscrito pela David Pipper Racing e pilotada por Richard Attwood e Brian Redman. Os técnicos
Siffert e Ahrens Jr. no Porsche 917 que venceu os
1000km de Zeltweg
(Foto: porsche917.com)
da Porsche fizeram mudanças nos freios – apesar deste não estar totalmente ok, a exemplo da instabilidade que, apesar de ter melhorado bastante ao que os pilotos relatavam, ainda não estava no ponto. Novos escapes foram colocados, e isso reduziu o consumo de combustível; a dianteira foi modificada e o carro teve uma melhor ventilação para o interior do cockpit, que sofreu em algumas situações com gases do escape.
Na qualificação, o 917 de Siffert/ Ahrens Jr. foi o melhor dos Porsche ao se colocar em quarto – numa classificação que viu o Mirage M30 Ford de Ickx/ Oliver marcar a pole (1’47’’600) e ser seguido pelo Lola T70 de Jo Bonnier/ Herbert Muller e pelo Matra MS650 de Johnny Servoz-Gavin e Pedro Rodriguez.
A corrida acabou marcando a primeira vitória do 917 vinda pelas mãos de Siffert/ Ahrens Jr. após 170 voltas, terminando quase dois minutos a frente de Bonnier/ Muller. O outro 917 de Attwood/ Redman ficou em terceiro, com uma volta de atraso. Além de ter sido uma tarde proveitosa para o 917, marcou também a estreia de uma categoria internacional naquele novo circuito. O Porsche 917 ainda venceu as 9 Horas de Kyalami através de David Pipper e Richard Attwood no final do ano.
Apesar dos pesares, o 917 tinha chegado a sua primeira vitória, mas todos sabiam que ainda faltava muita coisa para aquele carro chegar ao ponto e poder destravar todo seu potencial. E isso seria feito para já, ainda naquele 1969, em vista ao campeonato de 1970.

Um outro 917 e domínio da Porsche
Talvez a principal mudança que veio a dar o que faltava no 917, foi a mudança na parte traseira do carro, com a adição da asa traseira retratada nesta foto de John Horsman, então engenheiro da JW Engineering, onde chapas de aluminio e flaps do mesmo material foram inseridos e colocado na pista com Brian Redman ao volante. O piloto inglês gostou dos resultados após sete voltas. Mudanças na carroceria foram feitas após isso e com o feedback adquirido nestes testes e mais um que foi realizado de forma secreta em Daytona em novembro de 1969, o carro retornou a Alemanha onde foi enviado à Universidade de Sttugart e foi feito testes no túnel de vento. O resultado final, onde concluiu que não precisaria de mais nenhum tipo de modificações, mostrou um carro com aparência ao que inciaria o campeonato em 1970.

Novo ano, novos horizontes. Todos da Porsche sabiam bem do potencial que o 917 possuía, mas como todo potro selvagem ele precisava ser domesticado para poder chegar onde a Porsche queria. As modificações que foram feitas no decorrer de 1969 ajudaram amansar um pouco aquele carro e em Zeltweg, quando venceram a derradeira prova do Mundial de Marcas, sabiam que tinham dado um belo passo rumo a liberar o potencial do carro, mas ainda faltava mais para que ele pudesse ser estável e aproveitar toda força bruta (leia-se velocidade) que o 917 tinha. Dessa forma, um novo personagem entrava para o quadro daqueles que foram importantes para moldar a história da máquina: a JW Engineering Automotive já era bem conhecida por todos – principalmente pela própria Porsche – já que estava desde a metade dos anos 60 no comando dos Ford GT e depois passou a comandar de forma integral o projeto após a Ford encerrar o programa  FAV (Ford Advance Vehicles) e desde então passaram a colecionar um grande número de vitórias e títulos – inclusive duas 24 Horas de Le Mans onde a Porsche foi vice, a de 1968 e na famosa e já citada edição de 1969. Em setembro de 1969 Porsche e JWA – representada pelos sócios John Wyer e John Willmente – firmaram um acordo de cooperação onde consistia num contingente de sete carros. Os testes para melhoramento do 917 com a nova equipe inciou já naquele final de 1969.
As primeiras providências tomadas assim que os testes se iniciaram em Zeltweg – pegaram esta pista como parâmetro, pois foi onde o 917 se deu melhor e acabou vencendo – foi modificações nas suspensões; dois flaps de alumínio em cada lado da asa traseira; e mudança dos pneus Dunlop para os Firestone – o olhar clinico de John Horsman, então engenheiro chefe da JWA, em observar a má passagem de ar por sobre a seção traseira do 917, foi o fator que mudaram os rumos da máquina. "Eu notei que quase não havia mosquitos mortos nos spoilers traseiros. Como são muito pequenos e leves, eu sabia que os mosquitos fluiriam sobre a carroceria exatamente como o ar fluia, e semelhante à fumaça das varinhas usadas nos túneis de vento.”, como bem relata John em suas anotações que deram vida ao seu livro “Racing in The Rain”. Horsman deu mais detalhes “Soube imediatamente que tínhamos que levantar o convés traseiro e depois anexar pequenos spoilers ajustáveis ​​à borda traseira. Era óbvio para mim que, se toda a superfície traseira do corpo estivesse na corrente de ar, seria capaz de exercer alguma força descendente. ”
 Essas modificações trouxeram uma melhora absurda na estabilidade do carro, não lembrando em nada o “cavalo” indomável que havia se mostrado nos primeiros teste do primeiro semestre. Além do 917LH, outro modelo esteve presente em Zeltweg para auxiliar no desenvolvimento: um 917PA, que foi usado por Jo Siffert em algumas etapas da Can-Am de 1969, e que ajudou bastante para a evolução dos carros que iriam para o Mundial de Marcas de 1970. Mais para frente, continuaria a ser tão importante quanto, após servir como mula para o poderoso motor biturbo que equiparia o futuro 917/30 na Can-Am a partir de 1972.
Além das melhorias encontradas na pista, outras para o chassi foram feitas internamente como reforço no chassi, tubos flexíveis para melhorar a lubrificação e consequentemente evitar vazamentos; proteções para evitar entrada de sujeiras nos radiadores; sistema anti incêndio; com a entrada da Firestone no lugar da Dunlop, os pneus traseiros subiram de 12’’ para 15’’ e isso interferiu em modificações na cauda do carro.
Apesar do 917 passar a ser a aposta da Porsche para vencer o campeonato e, claro, as 24 Horas de Le Mans, o 908 não foi abandonado: foi feito uma releitura para o novo chassi (agora denominado 908/03) que tornou-se mais curto e ágil e seria usado em provas de estrada como a Targa Florio e em pistas mais sinuosas como Nurburgring, locais onde o maior volume dos Porsche 917LH e 917K não teriam grande chance. Contando com o apoio da JWA e em seguida da Porsche Salzburg (ou Porsche Austria) – equipes teriam total autonomia na parte de escolha de pilotos e gestão, além de receberem apoio da própria Porsche no manuseio, manutenção e evolução dos 917 –, a fábrica alemã estava pronta para enfrentar o desafio que seria aquela temporada de 1970. O seu maior oponente era a Ferrari, que havia desenvolvido o elegante 512S e que estava à espera da homologação junto a CSI e FIA – que saiu apenas no final de janeiro.
O Porsche 917K de Piper e Redman em Buenos Aires
(Foto: porsche917.com)
A Porsche iniciou a sua temporada de provas em dois eventos extra-oficiais na Argentina, onde um 917K foi confiado a equipe de David Piper. Piper e Redman alinharam o carro para os 1000KM de Buenos Aires em 11 de janeiro e marcaram a pole frente uma horda de outros Porsches 908 particulares e dos carros oficiais da Matra e Autodelta, que alinhou os Alfa Romeo T33/3. Mas o que poderia ser uma vitória, acabou se tornando um grande decepção, quando perderam o controle do Porsche 917K em um dos pontos dos circuito e acabou danificando a suspensão causando, assim, o abandono. A vitória coube a Jean Pierre Beltoise e Henri Pescarolo com o Matra-Simca MS630/650. Após alguns reparos no carro – que foi feito por Horacio Steven, um dos grandes construtores do motorsport argentino – Piper e Redman se inscreveram para as 200 Milhas de Buenos Aires, mas não foram muito felizes na competição: não tiveram tempo para acertar o carro, largaram apenas em sétimo para a primeira bateria e a corrida durou apenas duas voltas por causa de quebra do câmbio – a prova foi vencida por Andrea De Adamich e Piers Courage com o Alfa Romeo T33/3 da Autodelta. Mas o carro já havia apresentado outros problemas, como alto desgaste de pneus – por conta da diferença de medida dos rolamentos, foi mudada a geometria da suspensão e com isso o desgaste foi enorme o que valeu algumas visitas aos boxes antes que Redman escapasse da pista durante os 1000km. Descobriu-se depois que tudo isso era por conta da calda curta que foi usada por eles na Argentina e isso valeu um bom par de horas de testes feitos pela JWA para resolver este problema de configuração.
Sobre Hans Mezger, este faleceu no último dia 10 de junho aos 90 anos. Sem dúvida alguma, ao lado de John Horsman, que falecera em abril deste 2020, foram duas peças extremamente essenciais para o sucesso da linhagem dos 917.



O inicio do duelo entre Porsche e Ferrari

As 24 Horas de Daytona abriram o calendário do Mundial de Marcas de 1970 com a disputa direta entre os 917K e os 512S, estes últimos recebendo a homologação dias antes. A JWA inscreveu dois 917K para Pedro Rodriguez/ Leo Kinnunen e o segundo para Jo Siffert/ Brian Redman. Ainda tinha outros dois 917K: um inscrito pela Porsche Salzburg para Kurt Ahrens Jr./ Vic Elford e outro por Tony Dean que compartilhou a pilotagem com Peter Gregg – mas estes dois não largaram por conta de uma quebra de motor antes da prova.
A Ferrari inscreveu três 512S para Nino Vaccarella/ Ignazio Giunti; Jacky Ickx/ Peter Schetty; Mario Andretti/ Arturo Merzario. Outros dois 512S ficaram sob os cuidados da NART (North American Racing Team) e Scuderia Picchio Rosso.
Apesar da corrida ter mostrado uma grande velocidade para os 512S, foram os Porsche 917K da JWA que deram o tom ao mostrar grande resistência e agilidade durante as 24 Horas da prova. Enquanto que a Porsche passeava, a Ferrari enfrentava um grave problema de consumo de combustível que obrigava os pilotos entrarem para reabastecer constantemente – isso sem contar com a deficiência dos freios, esterçamento e até fragilidade do chassi, que foi vista na parte de trás do Ferrari de Andretti/ Merzario quando apareceu um fissura que o fez perder um bom par de voltas. Mas a terceira posição, para um carro que não teve tanto tempo para ser testado, foi uma vitória.
Por outro lado, a Porsche saiu vencedora das 24 Horas de Daytona através de Rodriguez/ Kinnunen e ainda teve o segundo lugar conquistado por Siffert/ Redman – enquanto que o 917K da Porsche Salzburg não completou por problemas na bomba de gasolina –, mas a grande vitória foi ter observado que todo o esforço gasto para transformar um indomável 917 num carro extremamente estável e veloz tinha surtido efeito. Uma era dourada para a Porsche estava apenas começando.  
As corridas seguintes foram quase que um passeio total da Porsche frente a Ferrari, excetuando as 12 Horas de Sebring onde os principais 917K inscritos pela JWA acabaram
O Porsche 917K de Rodriguez/ Kinnunen a frente do
Ferrari 512S de Vaccarella/ Giunt/ Amon
durante os 1000km de Monza
tendo os mais variados contratempos iniciando por problemas elétricos, suspensão e no cubo da roda, justamente num local onde doze meses antes a Porsche tinha sofrido comas rachaduras nos chassi. Porém, um Porsche 908/02 inscrito pela Solar Productions e que contou com Steve McQueen – que iniciava seu projeto de filmagens para o seu futuro filme, que retrataria as 24 Horas de Le Mans – e Peter Revson estavam com a grande chance de levar a prova, mas isso não foi possível por conta de um inspirado Mario Andretti que pode recuperar-se na prova para ultrapassar o duo e vencer de forma espetacular a prova – Mario sofrera com problemas no câmbio de seu carro e foi forçado a abandonar, mas a Ferrari acabou por coloca-lo ao lado de Nino Vaccarella/ Ignazio Giunti para buscar uma resultado que parecia já perdido. O melhor Porsche 917K na prova ficou por conta de Siffert/ Redman, que terminaram em quarto com quatro voltas de atraso para os vencedores.
A Porsche recuperou o posto de grande vencedora ao levar o chuvoso 1000km de Brands Hatch, onde Pedro Rodriguez/ Leo Kinnunen desfilaram sua finesse (principalmente o mexicano, que levara uma punição por ultrapassar em bandeira amarela e recuperou-se) sobre o encharcado circuito e conseguindo uma vitória imponente frente aos demais. A Ferrari chegou marcar a pole com Chris Amon – que dividiu o carro com Arturo Merzario – e uma breve liderança com Jacky Ickx, que apresentou falhas no motor que o atrasaram por demais na corrida. Ele e Jackie Oliver terminaram em oitavo. Para a Porsche foi um grande dia num cinzento e chuvoso Brands Hatch, onde eles conseguiram colocar quatro carros nas quatro primeiras posições sendo o Porsche de Rodriguez/ Kinnunen em primeiro com cinco voltas de vantagem sobre o 917K da Porsche Salzburg pilotado por Vic Elford/ Denny Hulme e na terceira posição o outro carro da Porsche Salzburg, que foi conduzido por Richard Attwood/ Hans Hermann. A quarta colocação ficou para o Porsche 908/02 da AAW Racing Team, que contou com Hans Laine e Gijs Van Lennep no comando. O outro Porsche da JWA de Siffert e Redman abandonou na volta 176 após um acidente.
No território ferrarista – os 1000km de Monza – a Porsche estreou o seu novo motor de 4907cc que dava a eles 20cv a mais de potência, além de uma boa melhoria no torque. Foi mudanças consistiam na troca de freios, com a Porsche passando a usar os Girling e abandonando os ATE. Apesar da pole ter sido obtida com o uso do novo motor por Siffert, essa foi descartada para a corrida depois que um vazamento de óleo foi descoberto. Dessa forma, os motores de 4494cc foram usados na prova. Siffert/ Redman tiveram problemas e a corrida tornou-se uma batalha de Rodriguez/ Kinnunen contra os três Ferrari 512S que o perseguiam por todo certame. Pedro Rodriguez mostrou mais uma fez sua finesse ao duelar contra os Ferrari e levar a Porsche a mais um vitória com o Ferrari de Vaccarella/ Giunti em segundo e o outro Ferrari de John Surtees – que substituiu Mario Andretti – e Peter Schetty em terceiro. Um outro Porsche 917K apareceu apenas na 10ª posição, que foi inscrito pela Gesipa Racing Team e pilotado por Jurgen Neuhaus/ Helmut Kelleners. Aproveitando a estadia na Itália, foi realizado a Targa Florio que marcou a estreia dos novos 908/03 e que acabou vencendo através de Jo Siffert/ Brian Redman – não antes de duelarem primeiramente contra o Ferrari 512S de Vaccarella/ Giunti e mais tarde contra o Porsche gêmeo de Rodriguez/ Kinnunen. Um 917K foi usado nos treinos por Vic Elford, mas foi descartado seu uso devido a dificuldade de manuseio deste no sinuoso traçado da Sicília. Elford e Hermann usaram um chassi 908/03, mas abandonaram antes de completar a primeira volta devido um acidente.
Os 1000km de Spa foi uma das melhores corridas do ano, colocando face a face Porsche e Ferrari numa grande disputa que já iniciou pela disputa da pole – que foi vencida por Rodriguez/ Kinnunen com a marca de 3’19’’800 contra 3’23’’900 de Siffert/ Redman e que ainda contavam com a Ferrari de Ickx/ Surtees na terceira colocação. A corrida já iniciou com o duelo entre Siffert e Rodriguez que por muito pouco não limou os dois Porsche da JWA da corrida e esta diputa durou um bom par de voltas, sempre assistida pela Ferrari 512S de Ickx/ Surtees. Os dois Porsches se distanciaram exatamente quando o de Rodriguez teve um pneu furado e ele teve que ir aos boxes, deixando o caminho aberto para que Ickx buscasse a liderança quando Siffert teve uma parada de box mais lenta. Siffert teve dificuldades em chegar próximo de Ickx, mas as coisas melhoraram de cenário quando Surtees assumiu a comando do Ferrari e Redman o do Porsche. Brian se beneficiou das lentas negociações de John com os retardatários e assumiu a liderança para conseguir boa vantagem e entregar o carro a Siffert ainda na liderança e mesmo com os esforços de Ickx nas voltas finais, não foi possível tirar a vitória de Siffert e Redman em Spa. Além do segundo lugar conquistado pela Ferrari de Ickx/ Surtees, a Porsche ainda teve o carro da equipe Porsche Salzburg em terceiro com Vic Elford/ Kurt Ahrens Jr. O Porsche de Rodriguez/ Kinnunen abandonou na volta 44 por problemas no câmbio.
Nos 1000km de Nurburgring a Porsche voltou a usar os 908/02, sendo dois por parte da JWA e dois pela Porsche Salzburg. A fabrica alemã não teve adversários, uma vez que a Ferrari, com o seu 512S, não era páreo. Os dois carros da JWA não completaram a prova – Siffert/ Redman tiveram problemas com a pressão do óleo enquanto que Rodriguez/ Kinnunen saíram após 11 voltas. A Porsche Salzburg conseguiu uma dobradinha com a vitória ficando para Vic Elford/ Kurt Ahrens Jr. e a segunda colocação indo para Hans Hermann/ Richard Attwood – essa conquista selou o Mundial de Marcas à favor da Porsche. A terceira colocação ficou para a Ferrari de John Surtees/ Nino Vaccarella. O final de semana destes 1000km de Nurburgring ficou marcado pela morte de Hans Laine durante os treinos, quando seu carro despistou-se capotou após a reta Antonius. O carro pegou fogo em seguida e o piloto finlandês acabou morrendo.

Enfim, Le Mans
A largada em Le Mans 1970, com o Porsche 917LH #25 de Vic Elford/ Kurt Ahrens Jr. liderando o pelotão ao lado do
Porsche 917K #20 de Jo Siffert/ Brian Redman

Foram meses duros até que a oportunidade de correr novamente em Le Mans reaparecesse. Era o momento de colocar tudo que havia sido testado em jogo, e nada teria valido nas etapas anteriores se caso um novo fracasso viesse na mais importante prova de endurance do mundo. Assim como em 1969 a Porsche era a grande favorita, mas os trabalhos para que não houvesse a mesma decepção do ano foram ampliados para aquele gosto amargo dos 100 metros que o separaram da vitória desaparecessem de vez.
A Porsche teve um contingente de respeito para aquela 38ª edição das 24 Horas de Le Mans: nada mais que oito modelos 917 (seis 917K e dois 917LH) distribuídos em quatro equipes. A J.W. Engineering inscreveu três 917K para Jo Siffert/ Brian Redman; Pedro Rodriguez/ Leo Kinnunen; David Hobbs/ Mike Hailwood – um quarto Porsche seria inscrito por eles e pilotado por Steve McQueen e Jackie Stewart, mas a inscrição não foi aceita. David Piper teve um Porsche 917K inscrito para ele e Gijs Van Lennep; a Porsche Salzburg – que foi comandada por Louise Piech, irmã de Ferry Porsche e mãe Ferdinand Piech, indicando que equipe recebia apoio da fábrica -  inscreveu dois 917K para Richard Attwood/ Hans Hermann e Rico Steinemann/ Dieter Spoerry – este último não competiu deixando a Porsche com um total de sete modelos 917 na pista. O terceiro carro da Porsche Salzburg era o 917LH que foi desenvolvido em conjunto com o SERA (Société d’Études et de Réalisations Automobiles) sob
O icônico Porsche 917LH #3 "Psicodelic"
de Gerard Larousse/ Willy Kauhsen.
Os Porsche 917LH também receberam
o apelido de "Batmobile".
os cuidados do engenheiro francês Robert Choulet – que já havia trabalhado na concepção do Matra M640 que competiu nas 24 Horas de Le Mans de 1968 – afim de repaginar o conceito de cauda longa que tanto deu dor de cabeça aos engenheiros da Porsche quando o 917 apareceu em 1969 e dessa vez, o carro era bem mais estável e veloz que os 917K na longa reta da Hunaudières/ Mulsanne. O 917LH da Porsche Salzburg foi conduzido por Vic Elford/ Kurt Ahrens Jr. . A Martini Racing, que vinha competindo nas ultimas etapas com o uso de 908/02, inscreveu um outro 917LH nas cores verde e azul que foi logo apelidado de “Psicodélico” pela imprensa e este foi pilotado por Gerard Larousse/ Willy Kauhsen.
A Ferrari não ficou para trás em termos de inscrição. Aliás, os italianos foram mais ousados a inscreverem onze modelos 512S distribuídos em cinco equipes. A equipe oficial da Ferrari inscreveu quatro carros para Jacky Ickx/ Peter Schetty; Nino Vaccarella/ Ignazio Giunti; Ronnie Peterson/ Derek Bell – este último fazendo sua estreia em Le Mans em substituição a Jean Guichet, que sofrera um acidente de avião - ; Arturo Merzario/ Clay Regazzoni. A Scuderia Filipinett teve três carros que foram conduzidos por Jo Bonnier/ Reine Wisell; Mike Parkes/ Helmuth Muller; Corrado Manfredini/ Gianpiero Moretti. A Escuderia Montjuich teve apenas um 512S que foi para José Maria Juncadella/ Juan Fernandez. A última equipe com dois 512S era a NART que teve como pilotos Helmut Kelleners/ Georg Loos e Sam Posey Ronnie Bucknun.
A qualificação marcou o duelo entre Porsche e Ferrari: os alemães msotraram grande passo quando os 917LH mostraram a sua velocidade, porém Ricardo Rodriguez, com o 917K, é que conseguiu a pole provisória em 3’21 para depois ser superado por Nino Vaccarella com a Ferrari, mostrando que os italianos também tinham chances de sair na frente. Mas o 917LH mostrou o poder de fogo através de Vic Elford, que fechou a batalha pela pole com a marca de 3’19’800 contra os 3’20’’000 feito por Vacarella.
Dessa forma, a Porsche era a pole para a prova com o #25 de Elford/ Ahrens Jr. seguido pelo Ferrari #6 de Vaccarella/ Giunti. As demais posições ficaram para o Porsche #20 de Siffert/ Redman; Ferrari #8 de Merzario/ Regazzoni; Porsche #21 de Rodriguez/ Kinnunen; Ferrari #5 de Ickx/ Schetty; Ferrari #7 de Bell/ Peterson; Ferrari #15 de Muller/ Parkes; Ferrari #14 de Bonnier/ Wisell e o Porsche #22 de Hobbs/ Hailwood que fechou os dez primeiros. O último dos Porsche 917K na lista era o #23 da Porsche Salzburg, aparecia apenas na 15ª posição e era tripulado por Hans Hermann/ Richard Attwood que tiveram alguns problemas de freios na tomada de tempos. Porém a sorte destes dois pilotos seria bem diferente nas 24 Horas que prometiam ser das melhores.
A Porsche chega ao Olimpo em Le Mans
Sem dúvida alguma, aquelas prova em Le Mans prometiam ser das melhores. Tanto a Porsche, quanto a Ferrari, estavam bem preparadas para aquele duelo que prometia ser visceral pelas próximas 24 horas e apenas grandes infortúnios é que poderiam tirar as duas grandes fábricas da batalha que se avizinhava.
Às 16:00 horas Ferry Porsche, convidado pela ACO para baixar a bandeira francesa e iniciar as 24 Horas de Le Mans em comemoração ao 20º ano da sua fábrica na prova, viu a  Porsche liderar desde o inicio com o Porsche 917LH de Vic Elford/ Kurt Ahrens Jr. e sempre escoltado pelo #21 de Rodriguez/ Kinnunen, pelo #20 de Siffert/ Redman e pelo Porsche #3 de Larousse/ Kauhsen. A Ferrari teve uma parte de seu contingente limada até a quarta hora, seja por problemas mecânicos ou por acidente – só a Ferrari mesmo teve três dos seus quatro carros oficiais limados neste período. Os demais ficaram por conta da Scuderia Filipinetti, que teve dois abandonos. A Porsche, especialmente com a JW, teve dois abandonos no mesmo período, com o #21 de Rodriguez/ Kinnunen abandonando por problemas no motor e o #22 de Hobbs/ Hailwood por acidente.
Até aquela exata quarta hora, houve uma interessante disputa entre os Porsche #20 de Siffert/ Redman contra o Porsche 917LH de Elford/ Ahrens que se revezaram na liderança até aquele momento, mas que cessari da quinta hora em diante quando o duo do Porsche #20 comandou as ações. O Porsche #25 teve que ir aos boxes na oitava hora quando um pneu furado os fizeram descer de segundo para quinto na geral. Isso possibilitou que Ickx, se beneficiando da forte chuva já durante a noite, conseguisse chegar ao segundo lugar da corrida que era liderado pelo Porsche #20. Mas a corrida de Ickx/ Schetty terminou quando já decorria a 11ª hora quando sofreu o grave acidente na Ford Curve que acabou custando a vida do bandeirinha Jacques Argoud após o Ferrari explodir em chamas, com Ickx saindo ileso exatamente no instante que tentava alcançar Siffert. Sobre o Porsche #20, este teve que abandonar com problemas no motor. Porsche e Ferrari tinham já perdido alguns carros, sendo o pior saldo para os italianos que perderam seus quatro carros oficiais, enquanto que a Porsche ainda tinha alguns 917 na pista para tentar a vitória. Na 11ª hora o Porsche #23 da Porsche Salzburg, conduzido por Hermann/ Attwood, se beneficiava dos problemas que os demais tiveram a frente para subir o pelotão e assumir a liderança.
Hermann e Attwood para a Porsche
A corrida transcorria com certa normalidade quando chegou a sua metade, marcando uma hora que o Porsche #23 de Attwood e Hermann estavam liderando. Era uma situação de paciência que aquele dois pilotos experientes imprimiram até chegar aquele posto, visto que as primeiras onze horas tinham sido difíceis por conta dos mais variados acidente e problemas que os carros que iam à frente deles sofreram. “Não era absolutamente o que eu queria”. "Com tudo o que aconteceu, além do clima, a única coisa de que não precisávamos era a pressão adicional de liderar.", recorda Richard Attwood num evento de carros clássicos em Silverstone, para uma matéria feita pelo site goodwood.com. .
Richard e Hans tinham passado bem perto de vencer um ano antes ali mesmo: o inglês, ao lado de seu compatriota Vic Elford, lideraram por um bom tempo com o problemático 917 até
O Porsche 917K #23de Hermann/ Attwood em disputa com
o Ferrari 312P Coupe de Tony Adamowicz/ Chuck Parsons
abandonarem coma embreagem danificada na 22ª hora, enquanto que Hans Hermann e Gerard Larousse ficaram no quase ao perderem a corrida por 100 metros para o Ford GT40 de Jacky Ickx/ Jackie Oliver. Dessa forma, a liderança para aqueles dois parecia uma segunda chance para poderem conquistar a vitória que ficou pelo caminho um ano antes. Mas ainda tinham que batalhar contra o Porsche #25 de Vic Elford e Kurt Ahrens Jr, que ficaram em segundo da 13ª até a 16ª hora e que viriam abandonar na 18ª hora por problemas no motor. A chuva foi um momento complicado para os dois pilotos, tanto fora quanto dentro do carro, como relembra Attwood
"O carro estava basicamente bom, mas a água estava chegando a todos os lugares, principalmente na ignição e nos plugues, então tivemos que trabalhar o motor  para mantê-lo mais quente e, portanto, mais seco".
Para a Porsche foi um momento especial: além do Porsche #23 da Salzburg na liderança, ainda tinha o Porsche 908 #27 de Rudi Lins/ Helmut Marko em segundo – entre a 17ª e a 19ª hora – e depois o Porsche 917LH #3 de Larousse/ Kauhsen em terceiro, que assumiria a segunda posição na 20ª hora. Mesmo que Hermann/ Attwood tivessem cinco voltas de avanço sobre o Porsche #3, a cúpula da Porsche preferiu não liberar uma possível situação de caça onde poderiam jogar tudo por terra – apesar de que logo em seguida ainda houvesse o Porsche #27 que estava com uma diferença enorme de voltas sobre o Ferrari 512S #11 da NART na quarta colocação. Todo cuidado era pouco para a tão sonhada conquista da Porsche em Sarthe.
Finalmente, após uma maratona onde apenas nove carros completaram a prova, o Porsche #23 de Hans Hermann/ Richard Attwood receberam a quadriculada e automaticamente colocaram a fábrica alemã no rol das vencedoras na geral das 24 Horas de Le Mans. Mas a festa da Porsche ainda iria bem além daquela conquista na geral: o pódio foi completado pelo Porsche #3 de Gerard Larousse/ Willy Kauhsen e a terceira para o Porsche #27 de Rudi Lins/ Helmut Marko. Além do terceiro lugar, Lins e Marko venceram a sua classe destinada aos Protótipos  até 3000cc. A classe dos GTs entre 2000cc e 2500cc foi vencida pela Ecurie Luxembourg com o Porsche 911 S pilotado por Erwin Kremer/ Oliver Koob. A derradeira classe de GTs até 2000cc foi vencida pelo Porsche 914/6 da Etablissiment Sonauto, que foi conduzido por Guy Chasseuil/ Claude Ballot-Léna. Sem dúvida alguma, um final de semana para a história da Porsche.
Por mais que agora a vitória tenha, enfim, chegado as suas mãos, Attwood acreditava que aquela edição seria bem difícil deles ganharem: "Do meu ponto de vista, antes de começarmos a qualificação, não íamos ganhar esta corrida". “Nos qualificamos em 15º, os carros de 5 litros pareciam à prova de bala e para ganharmos tínhamos necessidade não só de ultrapassar um monte de carros. Em comparação com um carro de cauda longa de 5 litros, éramos 30 mph mais lentos na reta… Não só tivemos uma corrida clara, mas também esperamos que 14 carros à nossa frente quebrassem ou tivessem problemas antes que pudéssemos pensar em ganhar o corrida. Não era uma chance pequena, de onde eu estava sentado, não havia chance.”.
Hans Hermann e Richard Attwood
(Foto: Motorsport Images)
Assim como Attwood, Hermann enfim encontrou a vitória em Sarthe na classe geral. Antes disso, o veterano piloto, que estreara pela Porsche em 1952, tinha vencido nas subclasses das 24 Horas de Le Mans em 1958, 1962, 67 e 69, justamente nessa onde ficara em segundo no geral, mas desta vez, um ano depois, ele teve a chance de conquistar a tão esperada vitória na geral. "É claro que vencer em Le Mans exatamente um ano depois de perder o primeiro lugar significou muito para mim", recorda Hermann que teve naquela edição de 1970 a sua última corrida, sendo que havia prometido para a sua esposa que aquela seria a última, caso vencesse em Le Mans. Porém, ele teve que resolver um problema junto a Ferdinand Piech para que pudesse se retirar das pistas: “Eu disse a Herrn Piech que havia prometido a minha esposa que me aposentaria se vencesse a corrida, mas ele me disse que meu contrato com o Porsche Salzburg era para toda a temporada e se eu queria me aposentar, cabia a mim encontrar um piloto adequado para tomar meu lugar. Conversei com o campeão mundial Denny Hulme, que havia pilotado um dos Porsches de Salzburgo em uma das corridas e ele e Ferdinand Piech concordaram em Denny me substituir ”.
Após a grande jornada que tiveram em Le Mans, o campeonato ainda teve suas duas últimas provas: nas 6 Horas de Watkins Glen, o Porsche da JWA pilotado por Pedro Rodriguez/ Leoo Kinnunen saíram vencedores e no dia seguinte a esta prova, a Porsche entrou com um total de seis Porsche 917K para enfrentar os monstros da Can-Am – em especial os dominantes Mclaren M8D Chevrolet. Denny Hulme, pela Mclaren Cars, foi o vencedor com Jo Siffert em segundo e Richard Attwood em terceiro. Dos seis Porsche 917K inscritos, cinco terminaram entres os dez e o único a abandonar foi Georg Loos após quebra do câmbio. A derradeira prova do Mundial de Marcas foi os 1000km de Zeltweg, que foi vencida por Jo Siffert/ Brian Redman
O ano de 1970 foi terminado da melhor forma possível. Com a Porsche entrando de vez para o grande clube de vencedores das 24 Horas de Le Mans – cujos números seriam aumentados no decorrer das próximas décadas até chegar as 19 vitórias na geral, estabelecendo um recorde. Por outro lado, a confirmação do potencial do 917, seja com a com a sua cauda curta ou longa, marcou a era dos grandes protótipos tornando-se o carro por excelência da marca quando se fala em 24 Horas de Le Mans. Ainda repetiriam o sucesso em 1971 até que os grandes carros de motores de cinco litros fossem banidos do Mundial de Marcas para 1972, mas a Porsche não abriu mão e deu sobrevida o grande carro com a criação do poderoso 917/30 biturbo que destroçou os rivais na Can-Am em 1972 e 1973.
Foi o inicio de uma saga que completa seus 50 anos neste 2020.
O glorioso final das 24 Horas de Le Mans de 1970 e ao mesmo tempo o inicio de uma grande jornada, que
renderia a Porsche mais outras 18 conquistas na geral em Sarthe.
(Foto: newsroom.porsche.com)
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Foto 1042 - Uma imagem simbólica

Naquela época, para aqueles que vivenciaram as entranhas da Fórmula-1, o final daquele GP da Austrália de 1994, na sempre festiva e acolhedo...