(Foto: José Mario Dias) |
Para os três pilotos brasileiros a conquista foi especial,
claro. André Negrão chegou a sua segunda conquista consecutiva em Sarthe e de
quebra, junto de Nicolas Lapierre e Pierre Thiriet, levou o campeonato da LMP2.
Daniel Serra confirmou mais uma vez a sua destreza ao volante de um GT, algo
que já acostumamos ver aqui no Brasil desde que começou a pilotar este tipo de
carro. E Felipe Fraga com o seu já conhecido pé pesado, que o ajudou a ganhar
fama e titulo na Stock Car, também passa a escrever um capitulo importante para
ele no automobilismo estrangeiro.
A vitória tripla dos pilotos daqui em Le Mans só reforça
algo que já é recorrente: que existe vida fora da Fórmula-1. A cada conquista
que um piloto nacional consegue nos grandes centros serve para mostrar a nova safra
que mesmo que tenham o sonho de ingressar na F1 e este seja dizimado a pó, as
possibilidades de seguir uma carreira internacional – e muito sucesso – existe e
com grandes atrativos. André Negrão é um exemplo claro: tendo passado
naturalmente pelos monopostos, acabou ingressando nos protótipos e já em 2017 –
pela sua atual equipe, a Signatech Alpine - conseguiu um terceiro lugar nas 24
Horas de Le Mans na LMP2. Já na Super Temporada do WEC, que terminou exatamente
em Sarthe, o piloto de Campinas chegou ao lugar mais alto do pódio na edição de
2018 e repetiu o feito neste 2019 para, também, levantar a taça de Campeão
Mundial da LMP2. André seguiu apenas o caminho de outros dois jovens pilotos
brasileiros que também trocaram os monopostos pelos protótipos: os “Felipes”
Derani e Nasr hoje brilham na IMSA onde já tem seus nomes encravados na
história da grande categoria. Portanto, exemplos para que a nova geração se
inspire não falta.
Para o automobilismo brasileiro as marcas alcançadas por
estes três, só enriquece ainda mais a história daqui no Endurance
Internacional. As várias vitórias em provas importantes do Endurance Mundial
como 24 Horas de Daytona, 24 Horas de Spa, 12 Horas de Sebring, 6 Horas de
Watkins Glen e ainda mais os títulos – como o de Raul Boesel no World Sportscar
de 1986; o de Ricardo Zonta no FIA GT de 1998, os de Christian Fittipaldi na
IMSA no biênio 2014/ 2015 e mais o de Felipe Nasr em 2018- mostram um caminho
dos mais interessantes para ser apostado. Por outro lado, mesmo com um
automobilismo cambaleante como o nosso, estes resultados soam como um eco de
que ainda existe uma chance de retomarmos o caminho do fortalecimento do nosso
esporte para que outros pilotos sejam revelados e venham aumentar, no futuro,
estes números que ainda vão crescer com esta turma que tem reescrevido a
história do automobilismo nacional lá fora.
Com resultados assim, sempre reaparece a velha questão:
quando que chegará tão esperada vitória na geral? Passamos perto disso em 1973
com José Carlos Pace com a Ferrari, que ele dividiu com Arturo Merzario; em
1991 com Raul Boesel pilotando o Jaguar ao lado de Davy Jones e Michel Ferté; e
depois com Lucas Di Grassi, que chegou em segundo na edição de 2014 quando
estava a serviço da Audi ao compartilhar o volante do R18 com Tom Kristensen e
Marc Gené. Diria que é apenas uma questão de oportunidade para que algum piloto
brasileiro possa ingressar e, enfim, ter a chance de ganhar a grande clássica do
automobilismo mundial. Afinal, é que a falta para coroar a riquíssima história de
tantos títulos e vitórias que os pilotos daqui ajudaram a escrever mundo afora.
Na LMP1, mais uma vez Toyota
(Foto: Toyota) |
Esta prova foi o reflexo do que foi a temporada inteira: uma
Toyota anos luz à frente dos demais e a concorrência apenas esperando um
deslize deles para que pudessem, enfim, vencer na geral. A fábrica japonesa fez
valer a sua força e levou para casa a sua segunda 24 Horas de Le Mans, duas na
mesma temporada – uma marca que dificilmente será superada por outra equipe.
Independente dos estratagemas que possam ter empregado nas suas quatro
conquistas nesta Super Temporada – título de marcas, pilotos e as duas edições das
24 Horas de Le Mans – a Toyota aproveitou bem da sua superioridade para
vencê-las e esmagar um contigente de protótipos não híbridos que apenas
esperavam pelas migalhas que podiam ficar pelo caminho. Culpa da Toyota? Talvez
não tanto... Como sempre digo, nem sempre tudo chega aos nossos ouvidos e
dificilmente chegará algo. Vá saber o que pode ter costurado a ACO com a
fabricante japonesa após aquela saída maciça do Grupo VW (leia-se Audi e
Porsche), sendo que uma movimentação dessa talvez até tenha mexido com o ânimo
deles em disputar um mundial praticamente sozinha. Algum retorno pode muito bem
ter sido acertado para que ao menos uma grande fábrica ficasse no certamente,
uma vez que a menina dos olhos da ACO – a Peugeot – sempre rechaçou um retorno
enquanto que os custos continuassem altos. A Toyota manteve-se no campeonato e
ganhou com sobras, fazendo o que deve se fazer numa situação dessas. Pior é se
tivesse perdido tudo ou parte dessas conquistas. A vergonha seria pesada para
aqueles lados.
Sobre as conquistas em Le Mans, estas ficaram sob a luz da
suspeita exatamente por contar com um piloto que tem o seu talento proporcional
a polêmica que causa por onde passa: Fernando Alonso ingressou na Toyota exatamente
para tentar conquistar uma das três jóias da Tríplice Coroa do Automobilismo e
acabou ganhando duas, assim como fizera nos seus tempos de Fórmula-1 ao vencer
duas vezes seguidas o GP de Mônaco que é a outra jóia da Coroa. Se em 2018 já
ficaram de burburinho em torno de sua conquista, ao desconfiarem do ritmo de “Pechito”
Lopez no meio da noite com o #7 que virava extremamente lento em face ao ritmo
imposto por Alonso no mesmo momento da prova com o #8, indicando que ali
poderia ter rolado alguma situação para que o espanhol levasse a prova junto de
seus companheiros Kazuki Nakjima e Sebastien Buemi. O pobre argentino acabou
por estar novamente no centro das atenções nesta edição ao apresentar um
problema em um dos pneus – que depois foi confirmado pelo pessoal da Toyota que
foi um problema no sensor de pressão dos pneus – quando faltava exatamente uma hora para o
final, que foi informado como um furo lento e que teve de ir aos boxes para
trocá-lo. Com isso acabou perdendo a liderança da prova para o #8 que estava
com Kazuki Nakajima ao volante e que apenas precisou conduzir o TS050 para a
sua segunda vitória em Sarthe, numa prova que foi claramente dominada pelo #7
desde os treinos. Se foi uma vitória “ajeitada” para que o #8 saísse de Le Mans
com a segunda conquista em Sarthe e de lambuja o título desta Super Temporada,
não saberemos. Mas a verdade é que para uma fábrica que tantas vezes ficou no
quase num território que foi sempre a sua ambição, qualquer sinal de problemas
é algo que chega arrepiar os japoneses.
A corrida da LMP1 teve sua ação mesmo entre os não híbridos,
onde Rebellion e SMP se entregaram a uma batalha fenomenal pela terceira
posição. Os quatro carros batalharam por um bom tempo, sendo que o #3 enfrentou
nos mais variados horários os dois carros da equipe russa já que o #1 enfrentou
muitos problemas e precisou fazer algumas recuperações para enfim terminar a
prova na quarta colocação na geral, exatamente a frente do #3 que também passou
por alguns problemas e até mesmo um pequeno acidente um pouco antes do
anoitecer. A SMP teve o seu #17 acidentado na parte noturna, quando este vinha
bem na classificação ao incomodar os Rebellion junto do gêmeo #11. Este último
sobreviveu ao desafio e desbancou a equipe suíça ao levar o terceiro lugar com
o trio Vitaly Petrov/ Mikail Aleshin/ Stoffel Vandoorne, com o belga fazendo um
belo trabalho nesta sua primeira visita à Sarthe - onde registrou a maior velocidade de reta
(350 km/h). ByKolles e Dragonspeed não chegaram ao final da prova pelos
inúmeros problemas que apareceram durante o certame.
LMP2: Uma batalha dura, mas recompensada no final para a Signatech Alpine
A corrida nessa classe foi concentrada especialmente no
embate entre a Signatech Alpine e a G-Drive, onde os dois carros se entregaram
a uma disputa que animou bastante as horas que se seguiram em Sarthe até o
anoitecer, quando o #26 da G-Drive começou abrir distância sobre o Alpine #36
da Signatech. Mas antes disso, a troca de posições na liderança feita por estes
dois carros foi visceral – com direito a uma ultrapassagem sensacional de André
Negrão em plena Mulsanne usando o que podia de pista para efetuar a manobra.
Com o G-Drive se distanciando e fazendo trabalhos de
pit-stop de forma correta e efetiva, ficava cada vez mais difícil para que o
panorama mudasse à favor da Signatech Alpine. Mas já perto do amanhecer, o
G-Drive apresentou problemas no motor de arranque do Gibson assim que fez uma
parada de box. Com o problema não sendo solucionado a tempo – gastou-se cerca
de vinte minutos para que o #26 voltasse à pista já com um bom atraso – o caminho
ficou aberto para que o trio do #36 da Signatech Alpine (Nicolas Lapierre/
André Negrão/ Pierre Thiriet) assumissem a liderança e apenas administrassem a volta
de vantagem que tinham sobre o #38 da Jackie Chan DC Racing – com quem lutavam
pelo titulo da LMP2. A vitória veio apenas para abrilhantar ainda mais o título
conquistado pelo trio na categoria – isso sem contar na segunda conquista em
Sarthe. O furo no pneu do #38 da Jackie Chan DC Racing (Ho-Pin Thung/ Stéphane
Richelmi/ Gabriel Aubry) foi um alento ao trio do #36 uma vez que eles vinham
bem e podiam ameaçar a então segunda colocação, entrando na luta direta pelo
título.
LMGTE-PRO: Ferrari derrubando a esquadra da Porsche
Por um tempo essa categoria parecia que estava fadada a ter
a vitória direcionada para Porsche ou Corvette, visto que os desempenhos destes
carros estavam em grande forma – especialmente pelo #92 e #91 da Porsche e pelo
#63 da Corvette. Foi uma prova em que estes três estiveram com condições claras
de saírem vencedores dessa classe. Mas como se trata de uma prova de 24 Horas,
as coisas podem mudar constantemente.
Para a Porsche a perca do #92 por conta de um problema no
escapamento que o alijaram da disputa pela vitória foi um duro golpe antes do
amanhecer, mas ainda restava esperanças com os #91 e #93 que vinham muito bem.
Porém a grande performance do trio da Ferrari #51 da AF Corse foi importante
para o desenrolar da prova. O trio formado por Alessandro Pier Guidi/ James
Calado/ Daniel Serra, destoou do restante que defendiam suas esquadras ao
fazerem stints muito bons e conseguir levar o Ferrari #51 ao topo da tabela de
classificação e alcançando uma vitória para a marca italiana justamente no ano
que comemora-se a primeira conquista da Ferrari em Le Mans. Uma conquista e
tanto, principalmente por lutar – e bater – equipes genuinamente de fábrica. Uma
conquista igualmente importante para Pier Guidi e James Calado que venceram pela
primeira vez em Le Mans e também para Serra, que venceu a sua segunda 24 Horas
de Le Mans num intervalo de três anos.
A Ford despediu-se de Sarthe sem ter uma grande performance nesta
sua última passagem. Talvez apena o Ford GT #67 (Andy Priaulx/ Harry
Thincknell/ Jonathan Bomarito) é quem teve alguma hipotese, já que foi o melhor
carro do quarteto desde os treinos. Mesmo assim, não foi um grande incomodo
para Porsche, Ferrari e Corvette – a despedida da Ford só não passou em branco
porque salvaram a festa na LMGTE-AM.
A Corvette parecia se encaminhar para uma batalha pela
vitória que poderia coroar a sua festa de 20 anos ininterruptos em Sarthe. Mas
a queda do #64 – após um baita acidente na Curva Porsche ainda na parte da tarde
de sábado, quando tocou-se com o Porsche #88 (AM) da Dempsey – os deixaram
apenas com o trio do #63 em ação. Jan Magnussen/ Antonio Garcia/ Mike
Rockenfeller fizeram um belo trabalho até o amanhecer, mas uma rodada na Curva
Porsche – que pareceu não muito amigável com o carro americano – pôs tudo a
perder e com isso saírem da disputa pela vitória, terminando na nona posição da
classe.
Talvez quem tenha tido mais motivos para sair de Sarthe com
a decepção em alta, foi a Aston Martin. Depois de um treino classificatório
onde os carros – especialmente o #95 que fez a pole – terem conseguido um ótimo
desempenho, o BOP de performance feito na sexta-feira alijou os Vantage com diminuição
da pressão do turbo e também a perca de dois litros na capacidade do tanque. A
falta de potência foi certamente vista no inicio da prova com o #95 sendo
atacado por Corvette e Porsche, sucumbindo às investidas. O calvário para o #95
acabou no meio da noite, quando Marco Sorensen bateu na Indianapolis. Um
desfecho melancólico. O #97 também sofreu um acidente e ainda voltou para a
prova, mas sem grandes perspectivas já que fechou em último na classe e com um
bom par de voltas de atraso.
A BMW também realizou a sua última corrida no WEC e sem
conseguir grande destaque – a não ser pelos memes que rodaram a internet por
causa do tamanho do M8 frente aos demais GTs. Foi uma prova discreta dos dois
M8 e apenas o #82 é que chegou ao final, na 11ª posição enquanto que o #81
abandonou a poucas horas do final. A BMW vai concentrar esforços na IMSA, que
ainda está com o campeonato em andamento.
Para a Porsche ainda restou a festa pelo título entre as
marcas e também entre os pilotos, com o título ficando para a dupla do Porsche
#92 Kevin Estre e Michael Christensen.
LMGTE-AM: Keating
Motorsport salvando a Ford
Esta era uma classe que parecia se desenhar para uma vitória
da Porsche. A Dempsey-Proton Racing era a mais credenciada para levar a classe,
mas problemas acabaram atrapalhando o andamento para uma equipe que poderia ter
levado a prova até mesmo com certa tranquilidade. As atrapalhadas de Satoshi
Hoshino no comando do Porsche #88 – ele estava ao volante do carro quando
ocorreu o acidente com o Corvette #64 - deitaram por terra a chance de vencer,
talvez, com o melhor carro do grupo. O #77 da Dempsey-Proton Racing bem que
tentou acompanhar os rivais, mas também não teve folego suficiente e fechou num
triste quinto lugar.
Como já foi relatado no inicio do texto, o Ford GT #85 da
Keating Motorsport escalou o pelotão tranquilamente para assegurar uma honrosa vitória
para a Ford em sua despedida do WEC – apesar que especula-se a entrada de um
Ford GT ainda para a temporada 2019/ 2020. Apesar do susto da punição que por
muito pouco não arruinou uma conquista que soava tranquila, a vitória foi
orquestrada pelo ótimo desempenho do trio em especial de Jeroen Bleekemolen e
Felipe Fraga.
A Porsche ainda repousou a suas esperanças no Porsche #56 da
Project 1, principalmente quando o #85 teve seus percalços na parte final da
prova. Mas tiveram que se contentar com a segunda posição. Mas a Project 1
ainda teve o que comemorar, afinal levou o título de marcas e também o de
pilotos com o seu trio Jörg Bergmeister/ Egidio Perfetti/ Patrick Lindsey.
Rodrigo Baptista, que estava no comando do Ferrari #84 da
JMW Motorsport junto de Jefrey Seagal e Wei Lu, subiu ao pódio também numa
ótima jornada do trio.
O campeonato do WEC volta em setembro, com a abertura do
mundial 2019/2020 marcada para o dia 1º com as 6 Horas de Silverstone.