terça-feira, 13 de outubro de 2020

Foto 894: Avusrennen, 1937

 

A icônica foto de Rudolf Caracciola (#35) e Bernd Rosemeyer (#31) da então nova bancada
do circuito de AVUS em 1937
(Foto: Ullstein Bild)

Houve um período da década de 1930 que a competição tomou contornos interessantes. A corrida armamentista entre Mercedes e Auto Union teve um crescimento estratosférico exatamente no ano de 1937 quando ambas fábricas passaram apostar alto em carros extremamente velozes e a quebra de recordes, seja em auto estradas ou em pistas fechadas, tomaram um rumo espetacular chamando atenção do público e imprensa que passaram a esperar cada vez mais proezas vindas dos dois lados.

Há de se ressaltar que para a Mercedes o ano de 1937 era de retomada, já que o ano anterior a equipe havia sido dominada amplamente pela Auto Union e Bernd Rosemeyer. As principais corridas de 1936 foram vencidas por Rosemeyer com a Auto Union, enquanto que Rudolf Caracciola com seu Mercedes conseguiram apenas duas vitórias (Mônaco e Tunisia) e acabaram por perder o título para Rosemeyer que venceu em Nurburgrig (duas vezes), Copa Accerbo, Suiça e Itália, isso sem contar num impressionante Tazio Nuvolari que esteve em grande forma em 1936 ao conseguir vencer quatro corridas, frente ao domínio quase que absoluto dos alemães. Enquanto que a Auto Union e Rosemeyer gozavam do grande sucesso naquela temporada – inclusive Bernd que já estava no patamar de grande ídolo do automobilismo alemão naquela época – a Mercedes tinha muito que lamentar após uma temporada abaixo do que vinha apresentando nos últimos anos. A perda do Dr. Hans Nibel, então projetista da equipe, no decorrer do ano de 1934 após sofre um infarte, foi um fator a se considerar e Max Sailer, que substituiu Nibel para 1935 manteve todo projeto de Nibel em grande nível, tanto que Rudolf Caraccioa foi campeão daquele ano com a W25, mas para 1936 não conseguiu repetir o sucesso do finado projetista e a Mercedes retirou-se do campeonato na metade para tentar concentrar-se para 1937.

A chegada de Rudolf Uhlenhaut já em 1936 para comandar as pranchetas da Mercedes deu uma lufada de ar fresco e foi vital para que a equipe chefiada pelo folclórico Alfred Neubauer voltasse forte para a temporada de 1937. Enquanto que a Auto Union optou em aperfeiçoar o formidável Type C, que havia dominado a temporada de 1936, a Mercedes partiu para trabalhar um carro totalmente novo que seria o primeiro sob os trabalhos de Uhlenhaut – há de se destacar que Rudolf, apesar de engenheiro formado, ainda não havia estado a frente de um projeto para concepção de um carro de corrida, porém a sua habilidade em testar carros deu a ele uma ótima base de percepção para entender melhor o comportamento dos carros de corrida e transferir para estes as soluções que fosse preciso para a melhora. O W125 tinha uma suspensão melhorada, muito melhor que a rígida que foi usada no W25 do ano anterior – Uhlenhaut chegou testar esse carro assim que passou a fazer parte do recém criado departamento técnico da Mercedes, percebendo que este era um dos problemas que haviam mais afetado o W25. Além da melhora da suspensão no W125, o chassi era mais rígido e o motor era um oito cilindros em linha de 5,6 litros que podia variar, dependendo da configuração a ser usada, de 560 até 640 cv. O GP de Tripoli abriu o calendário dos Grandes Prêmios de 1937 e a força do novo Mercedes W125 foi mostrada com uma exibição incontestável de Hermann Lang no veloz traçado que permeava o Lago Mellaha, onde o novo recruta da equipe chefiada por Neubauer ganhou a corrida sem ser ameaçado e com uma média de 217,8Km/h, 8 Km/h mais veloz que marca alcançada por Achille Varzi no ano anterior. A próxima etapa era em Avus, um evento usado para a divulgação oficial dos carros alemães frente a torcida e oficiais nazistas.

Os inscritos e a corrida


A prova de Avus – que retornava ao certame após um ano de ausência –
 era uma corrida de Formula Libre, onde as mudanças na carroceria e potência não tinham limites. Esse tipo de evento foi muito usado, também, pelo partido nazista que aproveitava o ensejo para proliferar seus discursos de efeito nacionalista e ressaltar a superioridade alemã frente aos demais – e o automobilismo, infelizmente, foi um importante instrumento para tal causa. A Mercedes levou para Avus cinco carros, sendo dois W125 e três W25K de variadas configurações de motor e carroceria. Rudolf Caracciola tomou partido de um W125 com motor de oito cilindros em linha, enquanto que Manfred Von Brauschitsch pilotou um W25K com motor V12, mesmo modelo que seria utilizado por Goffredo Zehender; Hermann Lang também teve um W25K a seu dispor, mas como o novo motor de oito cilindros. Estes três carros usavam chassi inspirado no carro de quebra de recorde usado pela Mercedes em 1936 – a modificação mais latente entre as três grandes carrocerias ficavam para as rodas, sendo que a do novo W125 de Caracciola não era coberta, enquanto que dos dois W25K eram fechadas. A Auto Union levou quatro modelos Type C com motor 6.0 V16 para Bernd Rosemeyer, Ernst Von Delius, Luigi Fagioli – que deixara a Mercedes – e Rudolf Hasse. A exemplo da Mercedes, a Auto Union também utilizou dois chassi que foram usados para quebra de recorde em 1936 e que ficaram para Rosemeyer e Fagioli. Houve oito inscrições de carros italianos sendo quatro Alfa Romeo e quatro Maserati, mas apenas três Maserati 8CM é que se fizeram presentes e que foram inscritos de forma particular por Laszlo Hartmann, Renato Balestrero e Luigi Soffietti. A equipe Ferrari levou três Alfa Romeo Type B/ P3 para Tazio Nuvolari, Antonio Brivio e Giuseppe Farina, mas nem chegaram a correr. Nuvolari ficou de fora da corrida, mas não do evento em si: o piloto italiano foi convidado pela Auto Union para ficar em seus boxes – talvez daí onde tenha começado o interesse do italiano em integrar a equipe já naquele ano, uma vez que mostraria descontentamento com os Alfa Romeo.

Com o retorno do circuito de AVUS ao calendário, este mostrava uma nova seção que tornaria o circuito não apenas veloz, como também o encravaria de vez nos livros de história por ser um dos mais populares do motorsport em todos os tempos: a criação da curva norte com uma bancada de 43,5 graus de inclinação faria com que as velocidades fossem ainda mais altas numa pista já caracterizada por velocidades bastante elevadas. A vitória de Luigi Fagioli na edição de 1935, pilotando pela Mercedes Benz, foi uma amostra de como a pista de AVUS já era extremamente rápida quando o italiano alcançou a vitória com a média de 238,5 Km/h e levou o esguio circuito localizado em Berlim a ser o mais veloz do mundo na ocasião. A expectativa com a nova bancada era de que a pista ficasse ainda mais rápida e assim o antigo recorde fosse pulverizado. Para esta prova de 1937 estava programado três baterias, sendo duas de sete voltas e os quatro melhores destas duas baterias iam para a terceira decisiva que teria oito voltas. As premiações, em seu total, estavam em torno de 32.000 Reich Marks com o vencedor da prova final levando 12.000 Reich Marks – mas isso só aconteceria se caso ele tivesse vencido uma das baterias anteriores. Nas duas baterias os vencedores levariam 2.000 Reich Marks e o segundo de cada uma em torno de 1.000 Reich Marks.

Detalhe da nova curva inclinada de AVUS, que foi apelidada de "Curva da Morte"

Os testes que antecederam as praticas oficiais já mostravam do que os carros podiam alcançar e os desafio que os pilotos teriam, incluindo o susto que Hermann Lang teve ao ver as rodas dianteiras de seu Mercedes W25K-M125 – um dos dois Mercedes que foram usados em quebra de recordes no ano de 1936 – levantar quando o piloto atingiu a máxima de 390 km/h numa das retas de AVUS. Lang conseguiu diminuir a velocidade e assim voltar com o eixo dianteiro para o chão, mas assim que voltou aos boxes exigiu que as coberturas dos pneus dianteiros fossem retiradas, entendendo que a não vazão do ar que passava por baixo do carro – principalmente na parte dianteira – fazia com que a parte da frente do Mercedes levantasse.

Quandos os treinos oficiais começaram para valer, Bernd Rosemeyer deu mais uma prova que como seriam as coisas naquele reformulado AVUS ao atingir o tempo de 4’04’’2 numa média assombrosa de 284,31 Km/h. Mas o que valeu foi o recorde que valeu foi apenas o estabelecido na qualificação onde Fagioli chegou ao tempo de 4’08’’2 (média de 279,73 Km/h), marcando assim a pole para a corrida 2. Para estas corridas houve uma pressão por parte Alfred Neubauer que chegou cogitar que se caso Luigi Fagioli e Rudolf Caracciola caíssem no mesmo grupo que disputaria uma das baterias, a Mercedes não participaria. Essa atitude de Neubauer remontava à prova de Trípoli onde Fagioli e Caracciola tiveram um sério desentendimento que surgiu durante a corrida, quando o piloto alemão bloqueou deliberadamente seu ex-companheiro de Mercedes por boa parte da prova. Quando a corrida terminou, Luigi foi até os boxes da Mercedes e arremessou um martelo de rodas que por muito pouco não acertou a cabeça de Rudolf. Toda essa situação ainda tinha origens em acontecimentos de quando Fagioli e Caracciola eram da Mercedes e frequentemente o italiano era desalojado de sua posição para dar lugar a Rudolf, segundo os mandos de Alfred Neubauer. A animosidade entre os dois só aumentou desde então, principalmente após a Eifelrennen de 1935 depois que Luigi estacionou o carro após longa discussão com Alfred, exatamente por este pedir ao italiano que desse passagem a Caracciola.

Na primeira corrida, duelo direto entre Caracciola e Rosemeyer

A disputa entre Rosemeyer e Caracciola, a com a vitória ficando para o piloto da Mercedes 
na corrida 1
(Foto: Ullstein Bild)

A primeira bateria contou com apenas cinco participantes, já que Zehender teve o motor de seu Mercedes estourado e não houve tempo para arrumá-lo. Rosemeyer era o pole, seguido por Caracciola, Ernst Von Delius, Richard Seaman e Renato Balestrero. Com carros bem mais leves, Delius e Seaman conseguiram melhor partida enquanto que Rosemeyer e Caracciola ficaram para trás.

Havia expectativa de que pudesse ter até duas paradas para trocas de pneus, principalmente pelo conjunto velocidade/ calor que poderiam deteriorar os pneus. Por isso, houve instrução para do chefes da Mercedes e Auto Union para que seus pilotos cuidassem bem da borracha – o que ajudou bastante, pois acabaram não necessitando de pararem nos boxes. Dessa forma, Rosemeyer e Caracciola continuaram apenas a comboiar os outros dois carros alemães, mas não demorou muito para que os dois grandes pilotos alemães colocassem a o ritmo de suas duas maquinas mais potentes a prova: enquanto que Bernd assumia a liderança na volta dois, resistindo aos ataques iniciais de Von Delius, que mais tarde seriam rechaçados pelo melhor ritmo do carro de Rosemeyer, Caracciola apareceu para a batalha na próximo da abertura da volta cinco quando superou Bernd na temível e ultraveloz Nordkuve com a sua já famosa bancada inclinada.

Ainda na última volta Seaman e Von Delius ainda alimentavam esperança em conseguir atacar os dois principais pilotos, mas no decorrer do trajeto Caracciola e Rosemeyer aumentaram a velocidade e abriram boa diferença que os deixaram sozinhos na discussão de quem seria o vencedor daquela primeira bateria. Inicialmente Rosemeyer chegou assumir a liderança, mas Caracciola conseguiu contornar melhor a entrada da Nordkurve e isso que lhe deu a oportunidade de emparelhar com seu rival e ter uma ligeira vantagem na saída dessa e cruzar a linha de chegada com a diferença de sete décimos de diferença para Bernd – que enfrentava problemas no motor de seu Auto Union que operava com apenas 13 cilindros –, numa disputa que deixou a multidão em pé por aquelas voltas finais. Von Delius terminou em terceiro, Seaman foi o quarto e Balestrero, sem chance alguma contra os carros alemães, ficou na última posição com duas voltas de atraso.

Vitória de Manfred Von Brauchitsch na segunda bateria

Manfred Von Brauchitsch liderando o Auto Union de Rudolf Hasse e o Mercedes de Hermann
Lang durante a segunda prova
(Foto: Heritage Images)

Dezoito minutos após a conclusão da primeira bateria – que teve a sua largada às 15 horas e com términos às 15:32 – os seis carros restantes alinharam para a segunda bateria. Luigi Fagioli saiu da pole com Von Brauchitsch em segundo, Herman Lang em terceiro, Rudolf Hasse em quarto, Lászlo Hartmann em quinto e Luigi Soffeitti em sexto – estes dois últimos, a exemplo de Renato Balestrero na primeira bateria, seriam meros espectadores.

Apesar de uma boa largada, imitando o que fizera Seaman e Von Delius na primeira bateria, Hasse assumiu a liderança, mas antes do término daquela primeira volta acabou sendo superado por Fagioli que estava bem mais rápido – mostrando que o ritmo daquela segunda corrida era bem maior que o da primeira. Porém, o infeliz italiano não teria muito tempo para saborear a primeira colocação já que seu Auto Union apresentou problemas de câmbio e isso facilitou a ultrapassagem de Brauchitsch, que assumiu a liderança na segunda volta para não largar mais.

A segunda posição virou uma batalha entre o problemático Auto Union de Fagioli e o Mercedes de Hermann Lang, que havia deixado o Auto Union de Hasse para trás – ainda que este último ainda acompanhasse de perto a contenda entre estes dois.

A situação tornaria-se dramática na quarta volta quando Fagioli abandonou com o câmbio quebrado e Lang teve um dos pneus estourado numa da das grandes retas, mas a habilidade do piloto alemão foi tremenda para conseguir segurar o carro e levá-lo até os boxes para trocar o pneu danificado.

Sem adversários a altura, a conquista de Manfred Von Brauchitsch foi a mais tranquila daquelas duas corridas de classificação, mas ainda existia a batalha pela segunda posição: Lang conseguiu diminuir a distância que o separava de Hasse e na volta final, já na Nordkurve, por muito pouco não houve um acidente quando Hasse e Lang bateram rodas, num momento em que o piloto da Auto Union mudou de direção e isso obrigou Hermann Lang a frear forte. Dessa forma, Hasse acabou por ficar em segundo e Lang em terceiro Após a prova Hasse desculpou-se com Lang pela manobra, dizendo que não tinha visto a chegada do piloto da Mercedes – Alfred Neubauer acabou por reclamar com a direção de prova e isso foi determinante para que Hasse fosse realocado atrás de Lang no grid. A quarta posição foi para Lászlo Hartmann  e a quinta para Luigi Soffietti.

Na prova final, vitória para Hermann Lang

Hermann Lang acabou por vencer a prova final em AVUS
(Foto: Ullstein Bild)

Ás 17:45 da tarde daquele 30 de maio os oito pilotos, os quatro melhores de cada bateria, partiram para a corrida final: Rudolf Caracciola, Bernd Rosemeyer, Ernst Von Delius, Richard Seaman, Manfred Von Brauchitsch, Rudolf Hasse, Hermann Lang e Lászlo Hartmann partiram para as oito voltas que definiria o vencedor do evento em AVUS. Caracciola partiu para a liderança da corrida seguido por Bernd Rosemeyer, que fechou a primeira volta com oito segundos de desvantagem para o piloto da Mercedes. Nesse contexto teve dois fatores: para Caracciola a abertura de uma grande vantagem na liderança significava cumprir a estratégia inicial da Mercedes, que era de fazer uma parada – isso servia para ele e Seaman – enquanto Lang e Von Brauchitsch teriam que completar a prova sem troca de pneus; para Rosemeyer o problema da primeira prova, de ter andando com apenas 13 cilindros dos 16 do Auto Union – que não arrumado a tempo –, isso foi um grande empecilho para que ele conseguisse acompanhar o ritmo de seu rival.

A primeira baixa da Mercedes veio através de von Brauchitsch que abandonou ainda no complemento da  primeira volta com problemas de câmbio. A corrida ainda teve o Rosemeyer que apresentou um pneu destruído na segunda volta e teve que fazer os reparos nos boxes auxiliares localizados na curva sul. Mas a grande mudança viria após o complemento da terceira volta com o abandono de Rudolf Caracciola por conta de uma quebra de câmbio.

A liderança passava para Hermann Lang que anteriormente travou boa disputa contra seu companheiro de Mercedes Richard Seaman, mas agora ele teria a companhia de Von Delius já que Seaman acabou perdendo rendimento e isso obrigaria o inglês ir para os boxes fazer sua troca de pneus.

A corrida foi controlada por Lang até o final, mesmo com Von Delius tentando uma última cartada nas voltas finais, mas sendo rechaçado pelo piloto da Mercedes que chegou cravar a última volta coma a marca de 4’18. Ernst Von Delius terminou em segundo e Rudolf Hasse em terceiro. Apesar de ter pneus mais novos e com um desempenho bem melhor que Rosemeyer, que estava com seu motor defeituoso, Seaman não conseguiu a quarta colocação e na disputa contra o piloto da Auto Union ele acabou por destruir mais uma vez seus pneus e teve que se contentar com o quinto lugar. Hartmann ficou em sexto. A premiação conquistada por Hermann Lang foi repartido entre os demais da equipe Mercedes, que iniciava da melhor forma possível aquele ano de 1937 frente a Auto Union que era a sua principal rival.

Essa vitória de Hermann Lang teve a média horária de 261,8 Km/h pulverizando o antigo recorde que era de Fagioli já mencionado acima (238,5 Km/h) feito em 1935. Essa prova de AVUS ficou por duas décadas como a mais veloz da história até que a corrida de Monzanapolis, que reuniu europeus e americanos numa disputa no anel externo do circuito de Monza. Na ocasião, Jim Rathmann chegou à média de 271 Km/h na edição de 1958.

Bernd Rosemeyer e a multidão em AVUS: cerca de 300 a 400 mil pessoas estiveram presentes
para prestigiar o evento
(Foto: Max Ehlert)



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