Quando você é apenas um espectador, talvez pouco se importe para os pormenores de um evento. Você não se importará por falta de atenção, ou porque não quer ficar preso a estas situações. Quer apenas sentar, abrir uma boa bebida, comer algo, xingar o piloto que você julga o mau dos males da categoria e torcer para o seu piloto preferido. Nenhum defeito com isso.
Antes de me tornar comissário de pista em 2002, pouco prestava atenção a esses detalhes que podem colocar em risco a vida de pilotos, comissários e espectadores. Talvez aquela famosa largada em Spa, 1998, tenha feito com que eu passasse a prestar mais atenção nestes detalhes, quando a FIA ignorou pedidos de equipes e pilotos para que a largada fosse feita com SC. Pedido negado e o resultado foi aquela carambola na descida após a La Source.
Quando trabalhei no meu primeiro GP do Brasil em 2003, fiquei exatamente próximo do cemitério de carros que se tornou a curva do sol. Estranhei naquele domingo o fato do trator entrar para retirar os carros acidentados e nenhuma menção a entrada do SC ter sido pronunciada. E foi um duplo susto ter visto o Ferrari de Schumacher escapar exatamente no momento em que retiravam outros bólidos daquele local. Além dos comissários que estavam no resgate a pé e que pularam rapidamente para cima dos pneus, ainda tinha um trator. O pau comendo a solta na pista e os caras retirando carros num canto onde de vez em quando escapava alguém. Michael escapou e por tremenda sorte, por todos os lados, nada aconteceu. E isso se repetiu outras vezes no decorrer dos anos.
O que aconteceu hoje em Suzuka com Jules Bianchi, podemos tratar como uma fatalidade, mas devemos lembrar que naquele exato momento tinha voltado a chover forte e aquela curva de raio longo, após os esses, tende a jogar o carro para fora. E na chuva piora demais. Alguns colocarão a culpa em Bianchi por não ter aliviado o pé num local que estava sinalizado com bandeiras amarelas, mas devido o forte spray - caso ele estivesse atrás de outro carro - é quase impossível enchergá-las. Também é dever da equipe avisar o piloto de zonas com bandeira amarela e na chuva, isso devia ser reforçado constantemente.
Martin Brundle passou por isso exatamente no mesmo local durante o GP do Japão de 1994 - que foi realizado em situação até pior que a de hoje -, quando escapou e acabou atropelando um comissário que tentava resgatar um carro que havia saído no mesmo ponto. Segundo Brundle, ele por muito pouco não acertava o trator.
O acidente de Bianchi acaba sendo algo que tem sido - infelizmente - corriqueiro na F1. Como disse, tivemos alguns exemplos no passado com relação a isso. Este ano, em Hockenheim, o Sauber de Sutil ficou travado após uma rodada na entrada da reta e num atitude estúpida e que por muito pouco não terminaria em algo trágico, mandaram os comissários retirar o carro apenas tendo como segurança as bandeiras amarelas. Foram algumas voltas apreensivas, mas que tudo se aliviou quando os comissários conseguiram retirar o bólido. Fora da F1, mas que aconteceu neste ano, foi numa etapa da F3 Britânica em Silverstone e que deram largada com um trator de resgate andando pelo canto da reta Hanghar Straithg, após este ter feito a retirada de um carro que se acidentara anteriormente. Não sabemos exatamente como é o treinamento e/ou instruções que são dados para aqueles que exercem essas funções desde a torre de controle até o chefe do grupo de comissários. Mas é bem provável que o problema vem da raíz do evento, afinal de contas são eles quem comandam todas as peças desse tabuleiro.
Ainda nesse quesito, foi oferecido aos organizadores do GP a oportunidade de adiantar a corrida para às 11 horas local. E não foi apenas uma vez, mas duas e isso foi rechaçado por eles devido o medo de ter pouco público no horário. Ora, mas os interesses estão acima de qualquer coisa. Aprendemos bem isso o Ímola, 1994...
Também haverá uma discussão severa do porque da desintegração do santoantonio, intem que deveria ter ficado intacto - ou próximo disso - e que talvez tivesse aliviado as consequências do acidente com Bianchi. Mas o problema, também, é saber em que ângulo foi o acidente. Creio que isso se arrastará por meses.
Por fim, acredito que a FIA e seus comissários que estão presentes em todos - ou quase todos - GPs devam se reunir a partir de agora e rever os conceitos em relação a resgatar carros com o auxílio do trator. Tivemos a sorte de nada mais grave ter acontecido no passado, mas agora que aconteceu com Jules, é bem provável que repensem estes métodos. E isso vale para todos os cantos do mundo onde haja corridas de automóveis.
E aqui fica a nossa torcida para a pronta recuperação de Jules Bianchi, que já foi operado e apesar de seu estado ser crítico, respira de forma espontânea. E isso é animador.