A terceira vitória: Stirling Moss comemora o seu terceiro triunfo no circuito irlandês (Foto: emercedesbenz.com) |
Para aqueles que tiverem acesso aos livros
de história do Mundial de Carros Esporte, verá que as batalhas entre Mercedes,
Jaguar e Ferrari na temporada de 1955, foram das mais ferrenhas do motorsport
de todos os tempos. Os duelos entre Jaguar e Mercedes, principalmente, foram o
ponto alto daqueles tempos, onde tanto os ingleses quanto os alemães,
conseguiam extrair o máximo de tecnologia para a construção de seus carros. A
disputa hipnótica que estava acontecendo em Le Mans foi uma prova disso: a
eficiência mecânica dos Mercedes 300SLR sendo postos a testes frente a
velocidade pura dos elegantes Jaguares D-Type, fazendo daquela disputa
totalmente uma loteria e que poderia ser decidida na última hora numa chegada
cinematográfica... Ou decidida por uma quebra, tamanha era o ritmo brutal que
as duas fábricas colocaram naquelas horas iniciais. Mas o terrível acidente
entre Lance Macklin e Pierre Levegh, que levou outras oitenta vidas, devido os
destroços do Mercedes de Levegh que voou por sobre a arquibancada principal,
ensombrou a competição. Apesar das várias discussões que aconteceram no
decorrer das horas pós-acidente, a Mercedes tomaria a decisão de retirar seus
carros do certame. Por mais que essa decisão tenha afetado diretamente as suas
duas duplas, que estavam com chances de sair de Sarthe com a segunda conquista para
a marca em três anos, acabou por ser a mais correta frente ao que havia
acontecido no inicio da noite. A Jaguar também receberia essa sugestão da
Mercedes, mas deu de ombros, deixando para que a dupla Mike Hawthorn e Ivor
Bueb vencesse as 24 Horas de Le Mans.
Após todos estes acontecimentos, o Mundial
voltaria três meses depois, para a disputa do Tourist Trophy – que estava noseu Jubileu de Ouro na época – em Dundrod, na Irlanda.
A pista irlandesa situada ao leste de
Belfast, já era bem conhecida pelos pilotos do Mundial de Sportscar devido a
outras duas visitas em 1953 e 54. As provas pelos quase 12 km do traçado de
Dundrod, encravado numa zona rural, era de ruas bem estreitas que mal cabiam um
carro. Por outro lado era bem
veloz e isso era o que mais assustava: pela
proximidade de barrancos, arbustos, árvores, cercas de arame farpado e de madeira,
ladeavam aquela estreita pista, qualquer escapada em alta velocidade teria
proporções bem dramáticas. Isso sem contar nas várias curvas com pontos cegos,
curvas velozes feitas em descida... E por aí vai. John Fitch, piloto americano
da Mercedes, era um dos críticos ferrenhos daquele circuito.
O traçado de Dundrod |
O Tourist Trophy se deu nos dias 15, 16 e
17 de setembro - existe uma confusão de datas dessa corrida, onde em
alguns lugares ela indica ter sido no dia 17 e outros no dia 18. A maior
parte confirma o dia 17 - e reuniu 55 carros para os treinos, sendo que cinqüenta é que
obtiveram lugar no grid de largada. A Mercedes levou três 300SLR para Juan
Manuel Fangio/ Karl Kling (#9), Stirling Moss/ John Fitch (#10) e Wolfgang Von
Trips/ André Simon (#11). A Jaguar levou apenas um D-Type #1 para esta prova
que foi conduzido por Mike Hawthorn/ Desmond Tettirington. A Ferrari, que
defendia a liderança no Mundial de Marcas, levou três carros: Eugenio
Castellotti/ Piero Taruffi (#4); Umberto Maglioli/ Maurice Trintgnant (#5) e Olivier
Gendebien/ Masten Gregory (#6). Alguns nomes que fariam sucesso na F1 nos anos
seguintes, também estiveram presentes nessa prova: Colin Chapman dividiu o
volante da sua Lotus Climax Mark IX com Cliff Allison e obteve a segunda
colocação na classe S1.1 e a 11ª posição no geral; Jack Brabham esteve presente
no fim de semana, quando dividiria o Cooper Clima T39 com Jim Mayers.
Os treinos foram de domínio da Mercedes,
especialmente com Moss/ Fitch, que conseguiram a pole position, mas em segundo
aparecia o solitário e temido Jaguar de Hawthorn/ Tettirington. Em terceiro o
Ferrari de Gendebien/ Gregory, seguido pelo Mercedes de Fangio/ Kling. As três
melhores fábricas da competição dividindo as quatro primeiras colocações. Certamente,
para o público que estaria presente no dia seguinte e mais a imprensa, aquele
Jubileu de Ouro do Tourist Trophy tinha tudo para ser um dos melhores. Mas
infelizmente não foi...
O dia da corrida amanheceu com tempo
quente, mas a previsão para o momento em que a corrida se desenvolveria era de
chuva. Os contratempos já começaram no treino de aquecimento, quando Gendebien
sofreu um acidente e destruiu o seu Ferrari, impossibilitando a sua
participação na corrida de logo mais. Masten Gregory, que dividiria a Ferrari
com o belga, não ficou a pé: conseguiu uma vaga no Porsche 550 Spyder junto de
Carroll Shelby e o resultado final foi a vitória na classe S1.1 e a 10ª
colocação no geral.
A
largada foi feita no estilo Le Mans e Moss aproveitou bem a ocasião para fazer
uma bela partida, deixando toda a confusão para trás e imprimindo um ritmo
forte naquele início. Mas aquela volta inicial foi de uma carnificina total:
Visconde Du Barry, um daqueles ricaços que alugavam carros de corridas para se
divertir, acabou por correr com uma Mercedes 300SLR na classe S3.0 sendo o
único privado daquele grupo de elite, mas a sua pilotagem era a pior possível:
uma largada que atrasou um bom número de competidores, formou atrás dele um
grande comboio que resultou na tragédia quando Jim Mayers (Cooper Climax)
tentou ultrapassá-lo numa seção de curvas em descida. Na manobra, o inglês perdeu
o controle de seu Cooper e voou de encontro a um poste de concreto onde o carro
explodiu e o piloto morreu instantaneamente. Com os fiscais de pista
sinalizando incansavelmente, alertando o perigo ao outros competidores, as
coisas pareceram piorar quando sete carros também se acidentaram nas
proximidades do local onde Mayers perdera a vida. Infelizmente Bill Smith,
pilotando um Connaught, teve destino semelhante ao e Jim quando seu carro caiu
sobre os destroços do Cooper. Smith morreria horas depois. Num curtíssimo
espaço de tempo, cerca de duas voltas, e dois acidentes mortais no mesmo local.
A sombra da tragédia de meses antes em Le Mans estava de volta em Dundrod. Du
Barry continuou na prova até a 39 volta, quando foi recebeu bandeira preta por
causa sua lenta condução. Segundo fiscais de pista, o Visconde chegou a estar
fumando enquanto conduzia o carro...
A corrida voltou a sua “normalidade”, com o
duelo entre Mercedes e Jaguar a reeditar a batalha que ambas travaram em Le
Mans meses antes: uma verdadeira caça de gato e rato, onde Hawthorn, na
tentativa de não deixar a Mercedes de Moss escapar, cravava voltas velozes e
entre elas a melhor da corrida: 4’42’’0. Mas
Stirling não contava com um pneu
estourado no seu Mercedes, onde a borracha passou a dechapar e danificar toda a
lateral traseira direita. Moss conseguiu levar o carro ao box, onde foi
reparado, mas a liderança tinha ido para as mãos da dupla da Jaguar e agora a
distância era bem maior. Moss e Fitch passaram a imprimir um desempenho
alucinante para descontar toda essa desvantagem. E foi neste momento que a
previsão confirmou-se e toda a pista já estava tomada pela chuva. Mais um pouco
de drama numa corrida caótica e traumática até ali. Na volta 35 a morte voltou
rondar a prova quando Richard Mainwaring, com um Elva Climax, perdeu o controle
e saiu da pista e capotou. Sem conseguir sair rapidamente de um carro em
chamas, o piloto acabou por morrer ali mesmo. Uma terceira morte era demais
para um evento que tinha tudo para ser o mais festivo...
Mike Hawthorn estava próximo da conquista do Tourist Trophy, quando o motor do Jaguar o deixou na mão (Foto: Graham Gauld) |
A batalha entre Mercedes e Jaguar continuou
pelas voltas que se seguiram, sempre com a dupla da Mercedes a cravar voltas
velozes e a dupla da Jaguar a rechaçar qualquer tipo de ameaça. A vitória
parecia garantida para a Jaguar quando, na volta 81, Mike Hawthorn encosta o
carro com o motor quebrado. A vitória cairia no colo de Moss - a terceira dele naquele traçado - e Fitch, coroando
um fim de semana perfeito para a Mercedes que ocupara as outras duas posições
com Fangio/ Kling e Von Trips/ Simon. Foi um breve consolo para a fábrica alemã
aquela vitória após os eventos de Sarthe.
Para o esporte, que ainda vivia com a
tragédia de Le Mans, a corrida em Dundrod foi para esquecer.
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